EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA 34 ª VARA DE FAMÍLIA DA COMARCA DE SÃO PAULO/SP
Processo n.º (...)
JÚLIA DE TAL, já qualificada nos autos em epígrafe, vem, respeitosamente, perante V. Exa., por seu advogado (...), OAB/MG (...), procuração juntada à fl. Xx, apresentar
IMPUGNAÇÃO À CONTESTAÇÃO
oferecida por JOSÉ DA SILVA e JOÃO DA SILVA, herdeiros de JONAS DA SILVA, todos também qualificados nos autos em epígrafe, nos seguintes termos:
I – Breve relato da petição inicial e da contestação
A autoria ajuizou a presente ação com o objetivo de ver declarada a existência de união estável que manteve entre os anos de 1989 e 2005 com Jonas da Silva, já falecido, arrolando, no polo passivo da demanda, José da Silva e João da Silva, herdeiros de Jonas, os quais, devidamente citados, apresentaram contestação às fls. Xx/xx, argumentando os réus, em sede de preliminares:
1. Falta de interesse de agir da autora: aduzem os réus que Jonas não deixou à autora pensão de qualquer origem, razão pela qual lhe seria inútil a simples declaração de que com ele manteve união estável;
2. Coisa julgada: segundo os réus, em oportunidade anterior, a autora ajuizara contra eles ação possessória na qual, alegando ter sido companheira do falecido, pretendia ser mantida na posse de imóvel pertencente a este, ação que, conforme aduziram, foi julgada desfavorável, e, nela, não reconhecida a união estável;
3. Litispendência: alegam os réus que já tramitava, na 1ª Vara de Órfãos e Sucessões desta comarca, ação de inventário dos bens deixados pelo falecido Jonas, acrescentando aqueles, também, que qualquer tema relativo a interesse do espólio deveria ser, necessariamente, discutido naquela ação, visto que o juízo do inventário atrairia os processos em que o espólio é réu.
II – Da impugnação às preliminares
II. I – Da preliminar de falta de interesse de agir
De antemão, afasta-se a preliminar de falta de interesse de agir alegada pelos réus. Isso porque, diferentemente do que aduziram, o reconhecimento de união estável pretendido na presente ação não seria inútil à autora, pois esta, ainda que não possa pleitear pensão de qualquer espécie contra o espólio de Jonas, poderá, posteriormente, requerê-la junto ao Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, a título de “pensão por morte”, conforme preceitua o Decreto nº. 3.048/1999:
“(...) Art. 25. O Regime Geral de Previdência Social compreende as seguintes prestações, expressas em benefícios e serviços:
(...)
II - quanto ao dependente:
(...)
a) pensão por morte (...)”
O decreto acima também elenca um rol exemplificativo de incisos com vários documentos hábeis a comprovar o vínculo e a dependência econômica para fins de concessão de benefício previdenciário de pensão por morte ao dependente, a saber:
“(...) Art. 22. A inscrição do dependente do segurado será promovida quando do requerimento do benefício a que tiver direito, mediante a apresentação dos seguintes documentos:
(...)
I - para os dependentes preferenciais:
(...)
b) companheira ou companheiro
(...)
§ 3º Para comprovação do vínculo e da dependência econômica, conforme o caso, devem ser apresentados no mínimo três dos seguintes documentos:
(...)
I - certidão de nascimento de filho havido em comum;
II - certidão de casamento religioso;
III - declaração do imposto de renda do segurado, em que conste o interessado como seu dependente;
(...)
XVII - quaisquer outros que possam levar à convicção do fato a comprovar.” – grifei.
Consoante se extrai do excerto acima, a autora poderá pretender, junto ao INSS, em razão da morte de Jonas, o benefício de pensão mediante a simples apresentação de qualquer documento que leve a crer que entre a autoria e Jonas existia vínculo e dependência econômica.
Pretende a autora, na presente demanda, obter sentença judicial declaratória do vínculo de união estável que mantinha com Jonas para fins de gozar, junto ao INSS, do benefício de pensão por morte.
Dessa forma, repita-se, remanesce prejudicada a preliminar de falta de interesse de agir, notadamente porque, conforme a jurisprudência prevalente nas cortes de Justiça Federal, uma vez reconhecida a união estável na Justiça Estadual, mediante decisão transitada em julgado, incumbe ao INSS, bem como a outros órgãos e à própria Justiça Federal, a estrita observância do conteúdo da referida decisão para dela inferir a união estável, o que, quanto ao INSS, implicaria na concessão da pensão por morte à autora.
Nesse sentido:
“ADMINISTRATIVO — PROCESSUAL CIVIL (...) PENSÃO POR MORTE DE COMPANHEIRA — RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL — COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL — AÇÃO DECLARATÓRIA JULGADA PROCEDENTE — COISA JULGADA MATERIAL — TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO — CORREÇÃO MONETÁRIA — JUROS DE MORA — HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS (…) 2. Concluindo a Justiça Estadual pela existência de união estável, mediante decisão transitada em julgado, não há que se fazer pronunciamento diferente sobre a questão, sob pena de ferir a segurança jurídica, cabendo, tão-somente, adotar a sentença proferida nos autos daquele processo. (…)” (TRF2, proc. 200151010177348, Rel. Des. Frederico Gueiros, DJU de 07/05/2008) – grifei.
“PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE PENSÃO POR MORTE DE COMPANHEIRO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE UNIÃO ESTÁVEL. COISA JULGADA MATERIAL. ART. 5º, XXXVI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA. (...) 1. Devidamente comprovada nos autos a condição de dependência econômica da autora em relação ao falecido companheiro, por meio da ação declaratória de união estável juntada aos autos. 2. Não poderia a ré pretender rediscutir a condição de companheira da autora, tendo em vista a ocorrência de coisa julgada material, a teor do disposto no art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal. (…)” (TRF4, proc. 200404010460967, Rel. Des. Néfi Cordeiro, DJ de 16/03/2005) – grifei.
“ADMINISTRATIVO. PENSÃO POR MORTE. UNIÃO ESTÁVEL. COMPROVAÇÃO.
1. A Justiça Estadual possui competência para declarar a união estável, ainda que para fins de requerimento junto a ente federal. 2. A sentença transitada em julgado que declara a existência de união estável, quando lavrada por juiz competente para reconhecê-la, vincula a terceiros, inclusive a União, produzindo todos os efeitos inerentes e inafastáveis ao reconhecimento dessa situação jurídica, incluindo-se entre eles aqueles verificados no plano previdenciário” (TRF4, proc. 200771100058631, Rel. Des (a). Maria Lúcia Luz Leiria, DJ de 11/11/2009).
II. II – Da preliminar de coisa julgada
Argumentam os réus, ainda, que o pedido da presente demanda encontra óbice na coisa julgada, porquanto, em ação possessória anterior ajuizada pela autora contra eles, houve o indeferimento do pleito manutenção de posse pelo respectivo juízo, sob o fundamento de que naquela oportunidade não teria sido comprovada a união estável com Jonas, pai dos réus.
Todavia, tal preliminar também não merece crédito. Isso porque, como aduziram os réus, o processo nº. (...), anteriormente ajuizado pela autora contra eles, tinha como objeto tão somente a manutenção de posse no imóvel em que convivia com Jonas, e não a declaração da união estável com este.
Destarte, o reconhecimento de união estável, naquela ocasião, foi discutido apenas para fins de reforçar a convicção de que a autoria convivia com Jonas em determinado imóvel, e não como pedido autônomo. É certo que, na ação anterior, a união estável não foi reconhecida pelo respectivo juízo, pois não vislumbrou provas bastantes à sua comprovação, e, assim, indeferiu o objeto único daquela demanda, qual seja, a manutenção de posse.
Nota-se que, de fato, quanto à manutenção de posse anteriormente pleiteada, operou-se a coisa julgada material, não se podendo rediscutir tal matéria em outro processo. Contudo, quanto à existência ou não do vínculo de união estável, operou estritamente a coisa julgada formal, porquanto não era a declaração de união estável objeto daquela demanda, mas apenas meio para a obtenção da manutenção de posse, o que não impede a discussão da união estável em demanda distinta.
Como sabido, a coisa julgada formal, assim denominada pela doutrina, diferentemente da coisa julgada material, como é nominada pelo NCPC, tem força vinculativa apenas nos limites da questão principal expressamente decidida (NCPC, art. 503, caput), não vinculando eventuais outras demandas versando sobre fatos semelhantes, como bem assevera Humberto Theodoro Júnior:
“(...) A coisa julgada formal decorre simplesmente da imutabilidade da sentença dentro do processo em que foi proferida pela impossibilidade de interposição de recursos, quer porque a lei não mais os admite, quer porque se esgotou o prazo estipulado pela lei sem interposição pelo vencido, quer porque o recorrente tenha desistido do recurso interposto ou ainda tenha renunciado à sua interposição. (...) A coisa julgada formal atua dentro do processo em que a sentença foi proferida, sem impedir que o objeto do julgamento volte a ser discutido em outro processo. Já a coisa julgada material, revelando a lei das partes, produz seus efeitos no mesmo processo ou em qualquer outro, vedando o reexame da res in iudicium deducta, por já definitivamente apreciada e julgada (...)” (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento – vol. I – Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 776, versão digital) – grifei.
II. III – Da preliminar de litispendência
Paradoxalmente, os réus também alegam, além de preliminar de coisa julgada, a litispendência, preliminar que, assim como a anterior, também não merece crédito, quer seja pela carência de lógica evidenciada quando suscitada em conjunto com a litispendência, quer seja pelos fundamentos a seguir.
Aduzem os réus que haveria litispendência pois, na 1ºVara de Órfãos e Sucessões desta comarca, já tramitava ação de inventário dos bens deixados pelo falecido Jonas, razão pela qual, acrescentam, naquele juízo deveria ter sido, necessariamente, discutido qualquer tema relativo a interesse do espólio, pois, como postularam, o juízo do inventário atrairia os processos em que o espólio é réu, fundamento que não merece ser acolhido.
Com efeito, sabe-se que o procedimento especial de inventário é apto a solucionar tão somente as questões pertinentes ao próprio inventário ou à partilha, não sendo a via própria para dirimir sobre quaisquer outras questões relativas ao espólio, ou, sequer, relativas à própria pessoa do falecido.
Isso porque, conforme anota Humberto Theodoro Júnior, à luz do art. 612 do NCPC, a estreita via do procedimento de inventário não admite a produção das provas pertinentes à outras discussões que não o próprio inventário:
“(...) A finalidade do procedimento sucessório contencioso é definir os componentes do acervo hereditário e determinar quem são os herdeiros que recolherão a herança (inventário), bem como definir a parte dos bens que tocará a cada um deles (partilha). Para alcançar esse objetivo, caberá ao juiz solucionar todas as questões suscitadas, seja em torno do bens e obrigações do de cujus, seja em torno da qualidade sucessória dos pretendentes à herança. Sobre o campo de atuação do juiz nesse procedimento especial, dispõe o art. 612 que ‘o juiz decidirá todas as questões de direito desde que os fatos relevantes estejam provados por documento, só remetendo para as vias ordinárias as questões que dependerem de outras provas”. Disso decorre a regra geral que é a de competir ao juiz do inventário a solução de toda e qualquer questão de que dependa o julgamento do inventário e da partilha. Como procedimento especial da sucessão causa mortis não contempla dilação probatória, sempre que os documentos disponíveis não forem suficientes para a solução das questões surgidas, o magistrado do inventário remeterá os interessados para as vias ordinárias (...) O que justifica essa remessa para as vias ordinárias não são as complexidades do direito, mas apenas as dificuldades de produção das provas pertinentes. As questões apenas de direito, por mais controvertidas e complexas que sejam, haverão sempre de ser enfrentadas e decididas pelo juiz do inventário (...)” (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Procedimentos Especiais – vol. II – 50ª ed. Rev. Atual. E ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 277, versão digital) – grifei.
Assim, afasta-se a preliminar de litispendência, pois o objeto da ação anteriormente ajuizado é distinto do pretendido na ação presente, e, também, porque, como visto, naquela ação de inventário não poderia a autora pretender o reconhecimento do vínculo de união estável com Jonas, dada a necessidade de dilação probatória incompatível com a estreita via do procedimento especial de inventário.
Nesse sentido é já decidiu o Tribunal de Justiça de Minas Gerais:
“(...) INVENTÁRIO - PRELIMINAR - IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - REJEIÇÃO (...) NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA - PROPOSITURA DE AÇÃO NA VIA ORDINÁRIA - ART. 984 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (...) 1. Não enfrentando óbice no ordenamento legal, a pretensão do recorrente revela-se juridicamente possível, de modo que deve ser rechaçada a preliminar. 2. As discussões acerca do estado de conservação do bem, arbitramento de aluguel e eventual ressarcimento por perdas e danos necessitam de dilação probatória, razão pela qual, não podem ser examinadas na estreita via do procedimento de inventário (...) Preliminar rejeitada (...)” (TJMG - proc. 1.0024.06.131478-7/002, Rel. Des. Raimundo Messias Júnior, DJ de 23/03/2016).
III – Dos pedidos
Ante o exposto, o autor ratifica os termos da petição inicial e requer sejam desconsideradas as alegações da contestação.
Nestes termos, pede deferimento.
Caratinga, 17 de maio de 2016.
ADVOGADO
OAB/SP (...)