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quarta-feira, 24 de abril de 2013

Perfil Histórico e Religioso da cidade de Serra Talhada - PE


INTRODUÇÃO

Os anos de 1989/1990, registram o Jubileu do bicentenário da invocação de N. S.ra da Penha, como padroeira da Serra Talhada.

À efeméride, o Monsenhor Jesus Garcia Riaño, vigário da paróquia, pretendeu que deixássemos catalogados, para conhecimento das gerações vindouras, alguns fatos que se perderiam na voragem do tempo.

Primeira capela de Nossa Senhora da Penha erigida pelos escravos, por iniciativa de Filadélfia Nunes de Magalhães, nos anos 1789/1790, pertencente à Paróquia Nossa Senhora das Conceição sediada em Flores. Serviu como Matriz da Paróquia Nossa Senhora da Penha de 1842 a 1853, quando mudou o título de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, para uso dos escravos. Em 1967 tornou-se Matriz da Paróquia de Nossa Senhora do Rosário.

Todos sabemos que a religião católica no Brasil Colônia, esteve interligada à vida civil, porquanto os párocos administravam a receita recolhida do dizimo, promovendo sua aplicação nos serviços de interesse publico, sobretudo religioso.

Com o advento da independência em 1822, esse sistema permaneceu, face o artigo 5º da Constituição de 1824 determinar que o Catolicismo seria a religião oficial do Império.
Esse privilégio só foi abolido em 1891, pela Constituição da República.

Em virtude dessa evidência, não se deve estranhar, que ao se falar da evolução histórica de nossa igreja, sejam mencionados atos e fatos que mais pareçam dualismo - Religião e Política.


I.

Localizada no centro geográfico da capitania de Pernambuco, a área que recebeu o nome de Fazenda Serra Talhada, propriedade da Casa da Torre, Bahia, detentora do morgado de Francisco Garcia D'Ávila, teve o seu território traçado por dois caminhos, que se cruzavam precisamente no local onde foi erigido o primitivo arraial.

A movimentação de portugueses em busca de terras devolutas, ampliada por ruralistas que fugiam da monocultura da cana de açúcar na zona da mata, tornou possível uma vida comunitária de regularidade duvidosa. Não obstante, o português Agostinho Nunes de Magalhães obteve deferimento ao pedido de arrendamento à Casa da Torre para explorar quatro fazendas na região, inclusive Serra Talhada. Em abril de 1757, forma pagos os primeiros tributos por essa ocupação. Tornando possível a reunião de feirantes a partir do dia 10 de fevereiro de 1778, segunda-feira.

Durante os anos de 1789/1790, Filadélfia Nunes de Magalhães, filha de Agostinho, utilizando mão de obra escrava, providenciou a construção de uma capela sob invocação de N. Sra. da Penha de França pertencente à freguesia de N. Sra. da Conceição, da Vila de Flores. Esse pequeno templo erigido à frente da casa senhorial, serve atualmente como matriz à paróquia de N. Sra. do Rosário, fundada em 07 de fevereiro de 1967.

Houve doação de um sitio patrimonial em nome da Padroeira, todavia é pouco provável que se tenha legalizado com escritura. Esse fato fica evidenciado com a legalização em 26/04/1851 de uma área que constitui o atual patrimônio de N. Sra. do Rosário, sobre a qual repousa a maior par te desta cidade. A escritura está assinada por Joaquim de Magalhães Lopita e sua mulher Josefa Cordeiro dos Santos.

A lei provincial nº 52, de 18/04/1838, criou a freguesia de N. Sra. da Penha em Serra Talhada, desmembrada da paróquia de Flores.

A efervescência política em Pernambuco, agravada durante a regência, responsável pelo governo do Império, durante a menoridade de D. Pedro II, retardou em mais de quatro anos a instalação desta Freguesia, que finalmente se concretizou no dia 03/12/1842.

A solenidade revestida de inusitada imponência, foi assistida pela grande maioria dos habitantes da zona rural e presidida pelo padre visitador, Francisco Antonio da Cunha Pereira, representante da Diocese de Olinda, que contou com a participação do Padre Antônio Gonçalves Lima, vigário interino, sendo a tudo presentes os fazendeiros Manoel Nunes de Magalhães e Manoel Nunes de Souza.

O padre visitador, conferiu as alfaias e demais pertences da igreja, elogiando o zelo com que mantinham a matriz e seu patrimônio.


II.

O reverendo Francisco Barbosa Nogueira, serra-talhadense, filho do proprietário da fazenda Escadinha, não exerceu função eclesiástica, porquanto se integrou às lides da zona rural. Faleceu aos 18/02/1839, foi sepultado na Capela (Matriz) envolto nos paramentos e encomendado solenemente pelo padre Antônio Gonçalves Lima.

Um detalhe pode parecer estranho: o de que no dia 25/08/1837, o padre Antônio Gonçalves Lima, na condição de vigário interino e o frei Simão do Coração de Maria, instalado na povoação de São Francisco, celebravam atos religiosos, inclusive batizados e casamentos; observa-se que o decreto de criação da Paróquia só foi elaborado no ano seguinte. Alem disso, em 1839 mesmo antes da instalação de freguesia, o padre Felix José Marques Bacalhau, exercia as funções de vigário da Matriz da Penha, tendo como coadjutor o padre Antonio Gonçalves Lima.


Por decreto do Bispo de Afogados da Ingazeira, foi desmembrada a paróquia de N. Sra. do Rosário, no dia 07/02/1967 e nomeado o padre Afonso Carvalho, vigário efetivo.
Dom Francisco Austregésilo de Mesquita, bispo diocesano, sempre preocupado com a evangelização, decidiu fundar uma terceira freguesia em Serra Talhada, com sede no Alto do Bom Jesus, cujo orago é o Bom Jesus Ressuscitado. O templo moderno teve a construção administrada pelo padre Afonso Carvalho, nomeado titular da nova paróquia.
Na vacância paroquial de N. Sra. do Rosário, o padre Afonso foi substituído pelo padre Francisco de Assis Rocha.

Paralelamente ao trabalho dos sacerdotes que serviram ao longo de 200 anos nesta paróquia, constatamos nas pesquisas efetuadas, que houve trabalho missionário de catequese a cargo de frades e até de padres seculares, como é o caso do padre José Antônio Maria Ibiapina.

Em 1837 esteve missionando nesta cidade, o frei Simão do Coração de Maria e logo depois, o padre Francisco José Correia de Albuquerque, ambos convidados do vigário interino padre Antônio Gonçalves Lima, que sentiu-se impotente para enfrentar os fanáticos da Pedra Bonita (Pedra do Reino).
O trabalho de conversão foi efetuado num ambiente onde se prometia libertação aos escravos, riqueza material aos pobres e deixar a pele dos negros "branca como a lua". Tudo isso, por conta dos mistérios que envolviam a restauração do reino de Dom Sebastião de Portugal, o qual, segundo pregação do líder facinoroso dos fanáticos, não teria falecido naquele dia fatídico para as armas portuguesas (04/08/1578). Aconteceu, como dizia, que o rei se encantara e só então desencantaria com um exército imponente e transformando as pedras de Serra do Catolé em ouro de bom quilate.
Tais promessas feitas num ambiente onde o analfabetismo estava virtualmente oficializado, onde a chaga da escravidão deixava marcas indeléveis e a miséria dos ruralistas era agravada pela ocupação das terras por latifundiários.

A missão em nome de Deus e da igreja teve pouca eficácia.
Como era de se esperar, o desfecho final foi sangrento e de crueldade inominável. Os fazendeiros em nome da Guarda Nacional, sob o comando dos Coronéis Manoel Pe rei ra da Silva e Simplicio Pereira da Silva, fizeram valer a força do bacamarte.

Nesse trabalho, desenvolvido por missionários, merece destaque o de frei Caetano de Messina, italiano da Sicília, que promoveu verdadeira revolução desde o litoral ao Pajeú, pregando a fraternidade, o amor ao próximo e o perdão, num ambiente onde só floresciam o ódio e a vingança. Foi em 1853/1854 no vicariato do padre Manoel Lopes Rodrigues de Barros.

O seu trabalho missionário de quase dois anos, envolveu obras de construção de um novo templo para N. Sra. da Penha e um cemitério, porquanto os sepultamentos eram efetuados até então, nas fazendas ou dentro da própria igreja.

Dinâmico, culto e virtuoso, o frei Caetano de Messina, marcou época em Vila Bela.
O destino, que sempre foi amigo desta terra, o mandou para cá numa quadra em que se transferia a sede da Comarca de Flores para Serra Talhada, com o nome de Vila Bela.

Desde então, a antiga Capela ficou destinada a N. Sra. do Rosário dos Pretos, onde os escravos podiam participar de atos religiosos e receber sacramentos.

Exigente no cumprimento da missão sacerdotal, o frei Caetano desentendeu-se com o não menos zeloso vigário Manoel Lopes Rodrigues de Barros. Dai terem eles mantido certa dista~cia no cotidiano.

Ao fim desse trabalho, o frei Caetano teve de voltar ao Recife para assumir a função de Superior da Ordem dos Capuchinhos da Penha.
Antes, porém, numa solenidade onde reuniu muitas pessoas, ele pediu a presença do vigário para despedir-se dele e do povo, e como das vezes anteriores, pregou o perdão, e ajoelhado aos pé do padre Rodrigues de Barros, suplicou- lhe perdoar por tudo quanto lhe tivesse magoado. E mais ainda, pediu aos presentes que lhe seguissem o exemplo, deixando de lado a máscara do amor próprio... Quem tivesse desafeto se perdoasse mutuamente. Assim Cristo recomendou...
O impacto foi tão forte que as rixas existentes entre alguns dos presentes se desfizeram naquele momento.

Frei Caetano deixou entre nós, como obrigação religiosa, as celebrações do mês de maio em honra da Virgem de Nazaré.

Outro missionário que deve ser lembrado, em virtude do gigantismo de sua obra, é o padre José Antonio Maria Ibiapina.
Certa ocasião, dizia ele ao superior do Seminário de Olinda, onde exercia altas funções na administração e como professor emérito, que sofrera frustração como advogado, como parlamentar e, havendo abraçado a vida eclesiástica o seu desencanto parecia avultar-se, porquanto, dos morros de Olinda ficava a contemplar a pradaria onde a miséria, do povo desassistido, aumentava assustadoramente.
“Não seria pra lá que o Cristo me mandaria?” Perguntou.
“Sendo esta sua vocação, vá, seja bem sucedido”, respondeu o superior.

Iniciou o seu trabalho no agreste pernambucano, mais precisamente em Gravatá do Jaburu. Disseminou ao longo da Província casas de caridade e orfanatos, construiu açudes públicos e templos religiosos. O artesanato foi a melhor saída para encaminhar a vida de órfãs carentes.

Em 1872, esse gigante do cristianismo chegou a Vila Bela, havendo providenciado para que se construísse um templo de duas torres em estilo romano, tão maior que a igreja de Frei Caetano, só foi demolida para ter lugar a inauguração, porquanto aquela, ficaria dentro do templo majestoso.

Não lhe faltou recursos para consecução dos trabalhos; corajoso, inteligente e hábil, mobilizou os fazendeiros de tal maneira, que cada um. sentia-se responsável direto pela execução dos serviços. De Andrelino Pereira da Silva - Barão do Pajeú, obteve além da carta de alforria pa ra o escravo Miguelino, que lhe construiu as duas torres do templo, uma lâmpada de prata fina para iluminar o sacrário. De valor inestimável, casa jóia em forma de alfaia religiosa, está hoje a serviço de Deus e da igreja na Catedral de Santa Águeda, em Pesqueira, levada sem explicação pelo Bispo Dom José Lopes.

Não fosse a exigüidade de espaço, valeria dizer muito mais, de quanto realizou o Padre Ibiapina. Seria injusto não registrar aqui, a ação sócio-filantrópica de sua obra religiosa, distendida do litoral de Pernambuco até Picos no Piauí, na província do Ceará, onde nasceu e na Paraíba, ao tempo em que as viagens eram realizadas a cavalo.

Creio, nenhum estadista abnegado, nem mesmo Dom Bosco, se arriscaria ainda agora com a modernização dos meios de comunicação, levar a cabo obra tão meritória. Reestimulou entre nós as comemorações Marianas e deixou o hábito de rezar o oficio de N. Sra. na madrugada.

Deve ficar registrado que o costume de hastear bandeirinha branca, nos terreiros da zona rural, foi uma idéia do padre Ibiapina, para simbolizar a fé e a paz, tão carentes em nosso meio.

Na localização da Matriz de duas torres, em 1872, não se observou atentamente o alinhamento das ruas laterais da praça principal, que devidamente projetada, estava com suas edificações em andamento.
O conjunto de construções ficou em desarmonia com o templo, que estava ao centro,em posição diagonal. Por outro lado, viu-se que o seu aspecto físico exterior era de uma rusticidade inaceitável, porquanto o material usado eram pedras sem formas delineadas.

Mesmo assim, a demolição só foi cogitada 53 anos depois, sob o paroquiato do Padre José Kehrle. Em 1925, dia 21 de agosto, realizaram uma solenidade com celebração da eucaristia. Participaram as autoridades e muitos fiéis. Aí foi providenciado o assentamento da pedra fundamental desse monumento sobranceiro a nossa cidade, que é a igreja de N. Sra da Penha, em cujos alicerces estão as pedras da obra do padre Ibiapina.

A construção, que sofreu as conseqüências da grande seca de 1930/1932, prosseguia lentamente até 1934, quando o padre Kehrle teve de ser transferido para Buíque em face de seu envolvimento na política partidária local.

O padre Alexandrino Suassuna de Alencar, nosso pároco durante dois anos (1934/1936), não quis se aventurar ao reinício da obra.

Com a investidura do padre Jesus Garcia Riaño, no dia 18/12/1936, cogitou-se repetidas vezes da retomada dos serviços da Matriz. O volume de recursos ao seu alcance não lhe estimulava sobremaneira.
Mas um dia, lhe pareceu que a terra estava firme aos pés, e decidiu precisamente a 03/11/1939, quando trocava-se o nome de Vila Bela por Serra Talhada, reiniciar as obras de construção.

Para maior segurança foi demolida a torre já parcialmente construída, reforçadas as colunas internas e externas e finalmente erigida a atual torre em estilo gótico, pelo habilidoso mestre Josa Padilha.

Vinte e oito anos depois do assentamento da pedra basilar, vertia o ano de 1953, dia 02 de agosto, foi solenemente inaugurada a atual Matriz de N. Sra. da Penha, pelo bispo diocesano Dom Adelmo Cavalcanti Machado, tendo havido missa-pontifical, concelebrada por 15 sacerdotes, às oito horas, no patamar da igreja; foi mestre de cerimônial, o padre Eraldo Cordeiro, então vigário de Floresta.
A noite, durante celebração da eucaristia, fez-se ouvir a pregação do frei Eliseu Maria de Oliveira Gomes, atual bispo emérito de Itabuna - Bahia.

Em nome do município falou o Prefeito Moacyr de Godoy Diniz e pelo Apostolado da Oração, que festejava jubileu de ouro, falou o professor Aderbal Mendonça de Maria.
Essa solenidade, foi precedida de uma preparação de 30 dias de Missões, nas capelas distritais, pelos frades Capuchinhos da Penha do Recife: Frei Damião de Bozano e Frei Fernando.
Ao encerrar, num ambiente de exaltação e da mais profunda emoção, o padre Jesus Garcia Riaño, proclamou que estava vivendo o momento mais feliz de sua vida em terras do Brasil.

São escassos os registros que ensejassem um es tudo sobre o trabalho desenvolvido pelos nossos vigários. Do padre Antônio Gonçalves Lima, dir-se-á que foi vigário e político, com a observação de que quando ocupava cargo publico, não exercia nenhuma função sacerdotal. Por isso tal vez, sempre foi interino desta paróquia. Os visitadores que fiscalizaram o seu trabalho, deixaram registrados elogios sobre o zelo, o carinho e o amor por ele demonstrado na função sacerdotal.

Nascido em-1795, na fazenda Soledade, deste Município, quando ainda Termo Judiciário de Flores, faleceu no dia 09/05/1860. Foi presidente da nossa Câmara de Vereadores por vários anos. Na época em que as epidemias de varíola, peste bubônica e cólera - morbo infestavam toda região a prestimosidade com que se houve o padre Gonçalves Lima ao lado do vigário Manoel Lopes Rodrigues de Barros, qualifica-o como autêntico anjo da guarda das famílias atingidas.

Para que se possa avaliar a extensão da calamidade, basta dizer que dos registros de nossa Matriz, constam 36 óbitos vitimas de cólera - morbo, só no mês de maio de 1856. Esta cidade não atingira ainda 1.000 habitantes.

O padre Manoel Lopes Rodrigues de Barros faleceu com 60 anos de idade, no dia 70/08/1880, servindo a nossa paróquia num período de 30 anos.
Deveria ter estimulado instrução e educação no Pajeú.
Nem era preciso ser profeta para antever, que uma mocidade ativa como a nossa, sem o mínimo de instrução, resultaria no que ocorreu. Ao longo dos três primeiros decênios desta centúria, o chamado período do obscurantismo do Pajeú, em razão do banditismo que perturbou o Nordeste, tendo como núcleo Serra Talhada, que foi sede do reinado de Lampião.

No começo de l904, assumiu nossa paróquia o Monsenhor Afonso Antero Pequeno, culto e bravo sacerdote, filho do Cariri (CE), descendente de uma família de Caudilhos. Naquele ano rompeu-se no Crato a aliança política, entre os Coronéis José Belém de Figueiredo e Antonio Luís Alves Pequeno, primo do Monsenhor Afonso, com declaração de guerra entre as duas facções. O Monsenhor, vigário de Vila Bela, solicitou às lideranças locais, cangaceiros, armas e munição, para ajudar ao primo Antonio Luís, na deposição do Coronel Belém - régulo, segundo dizia, prejudicial ao progresso do sul cearense.
O Coronel Antônio Pereira da Silva, chefe da família Pereira, sob o pretexto de que não devia ser esta a posição do sacerdote, negou-se ajudá-lo.

Por outra parte, os representantes da família Carvalho se aprestaram em servi-lo.
Sob o comando de Antônio Clementino de Carvalho (Antônio Quelé), formou-se um contingente armado, tendo à frente o próprio Monsenhor Afonso Antero Pequeno, e foi à cidade do Crato, onde contribuiu decisivamente para a vitória de Antônio Luís.
O Monsenhor, vitorioso, voltou a Vila Bela trazendo a idéia fixa de derrotar a família Pereira, na eleição municipal do período seguinte. Foi mais uma vez vitorioso e assumiu o poder municipal.

Notícias do Crato lhe dão conta de que o parente Antônio Luís criara uma guarda de segurança no Município, e estava praticando mais atrocidades do que o Coronel Belém. Em Vila Bela, seus correligionários mandaram matar de emboscada um patriarca dos Pereira, ex-prefeito Manoel Pereira da Silva Jacobina.

A frustração lhe perturbava de tal maneira, que renunciou ao mandato de Prefeito, entregando o Município ao vice, fazendeiro José Alves da Silveira Lima, com recomendação de proceder com serenidade.

Logo depois transferiu-se para Garanhuns, onde faleceu. Não sem antes haver plantado no solo fértil de Vila Bela, a semente do banditismo.
Daí dizer-se, que com ele começou a época do obscurantismo no sertão do Pajeú, vigente até 1930.

Em se falando de cultura, torna-se imperativo lembrar o nome do padre Mariano Aragon, espanhol, que esteve conosco de 1915/1919. Sua Reverendíssima fundou a Filarmônica Vilabelense,que existe ainda hoje.
A nossa banda musical teve seus dias de glória com o notável Mestre Emídio, e com os Maestros Luiz Benjamim e Fernando Moura e Silva, sargentos da polícia.
O Jazz Band Serra Talhada, recebeu aplausos em muitos palcos do Nordeste. Considerada uma das melhores orquestras, em pé de igualdade com as da Capital.
Serra Talhada tornou-se por isso, celeiro de grandes músicos, sobre os quais se fará comentário em outra oportunidade.
Sobre o padre Jesus Garcia Riaño é justo acrescentar que suas ações chegaram aos mais distantes recantos da paróquia. Em razão de haver estimulado as construções do Ginásio Cônego Torres, Escola Normal Imaculada Conceição e Escola Profissional Cornélio Soares. Preocupou-se em dilatar o seu trabalho, edificando as Capelas de Bernardo Vieira, Santa Rita, Luanda, Extrema, Jardim, Varzinha, Caiçarinha da Penha e Logradouro.
Sabe-se que ao tempo de Dom Adalberto Sobral, bispo de Pesqueira, o padre Jesus presidiu a sessão que cogitou da instalação da Escola Normal Stella Maris em Triunfo.
O padre Afonso Carvalho erigiu a Matriz do Bom Jesus Ressuscitado, uma obra que dignifica seu nome e do orago.
O padre Francisco de Assis Rocha, além da edificação da casa paroquial do Rosário, construiu as Capelas de São Cristóvão, N. Sra. da Conceição e Vila da COHAB, em bairros desta cidade. Durante seu paroquiato desenvolveu um trabalho de evangelização merecedor de um capítulo à parte.

No roteiro da documentação pesquisada, constatam-se as visitas pastorais a esta freguesia; a primeira em maio de 1895 pelo Reverendíssimo Cônego João Marques de Souza, no vicariato do padre Manoel Félix de Moura. Decorria mais de meio século de fundação da freguesia. As viagens eram feitas a cavalo, por trilhas quase inacessíveis num ambiente de total insegurança.
Os lusitanos aqui aportados eram pessoas de instrução elementar, que traziam a experiência vivida no ambiente da metrópole civilizada. Os descendentes destes formavam um tipo diferente. Uma casta de indivíduos sem a timidez do nativo, nem a lhaneza do português. Daí a razão de ser o sertão a "pátria" da periculosidade.
O catolicismo percorria os caminhos apontados
por Jesus de Nazaré, não receando enfrentar as adversidades. Implantou uma sementeira na vizinha cidade de Floresta, fundando uma diocese, depois deslocada para Pesqueira. O seu primeiro bispo, Dom Augusto Alvaro da Silva, depois primaz do Brasil. Esse prelado visitou a paróquia da Penha duas vezes: de 30/05 a 09/06/1912 e de 04 a 12/06/1915. Extraordinária figura de sacerdote, Dom Augusto ativou entre nós o ensino religioso e estimulou o apostolado da oração.
Foram abertos novos caminhos pela força do Evangelho. Com o advento do automóvel, construiram-se as rodovias. Tudo parece mais fácil à igreja de hoje e as visitas pastorais são atos de rotina. A Diocese instalada em Afogados da Ingazeira, no Pajeú, cujo titular Dom Francisco Austregésilo de Mesquita, tem dispensado muita atenção e tem tratado com especial carinho os diocesanos de Serra Talhada. Prelado moderno, se destacou no Concilio Vaticano II.

CONCLUSÃO

Prece da Natividade de Maria de Nazaré.
Abertura da Festa Jubilar comemorativa dos dois séculos de sua invocação em Serra Talhada-PE., como Nossa Senhora da Penha.
Agosto 29, 1990. Luiz Lorena

"E a misericórdia do Senhor se estende de geração a geração sobre os que tem fé". (Lc. 1,50).
Paroquianos e devotos da mãe do Redentor, deve mos raciocinar sobre essas palavras saídas dos seus lábios há mais de XX séculos.
Nascida de pais ruralistas e desposada por um carpinteiro, não lhe foi penoso assimilar aquilo que a outras mães parecia adversidade. O que lhe preocupava sobretudo, era a missão de entregar o fruto de suas entranhas para redenção da humanidade.
Pouco importava que a sociedade daquela época, incoerente como a de hoje, lhe haja negado ambiente convencionalmente condigno para o nascimento do seu filho, que, no
entanto fora recebido em festa onde a Natureza lhe reservara um berço diferente, feito de palhas, onde as estrelas pendidas do universo iluminavam o campo repleto de animais que enriqueciam o local, numa gruta trabalhada pelo tempo, havia milhões de anos.
E nós? Que ao longo desse tempo não temos sabido conciliar o nosso egoísmo, nem atentar para a inconseqüência da guerra, dos genocídios dos assaltos e seqüestros monstruosos, dos latrocínios e das vinganças de qualquer tipo.
As nossas mãos, no limiar do século XXI, são as mesmas que acionaram as flechas para ferir de morte o Nazareno.
Particularizando, oh! Senhora da Penha, sobre os 70 mil fiéis desta Paróquia, vimos rogar: estendei a nós vossas mãos, como aljava que pretendesse recolher as flechas da incompreensão que nos ameaça. Que os próximos 11 anos que nos separam do terceiro milênio, sirvam para nossa conversão. Que o século XXI comece em estado de graça para nossa gente e que a fraternidade promane de cada um, com toda eloqüência.

NOTA COMPLEMENTAR

Dia 18/12/1990. O Monsenhor Jesus Garcia Riaño, completa 86 anos de idade e 54 anos à frente da Paróquia de N.Sra. da Penha em Serra Talhada.
Nessa data compareceu em Afogados da Ingazeira à presença de Dom Francisco Austregésilo de Mesquita, Bispo Diocesano, em companhia dos seus amigos Luiz Conrado de Lorena e Sá, Antônio Alves Filho e Edísio Firmino dos Santos, para entregar a Paróquia, em face da saúde precária que lhe exaure o estado físico.
O Bispo teve palavras de exaltação à obra realizada pelo renunciante.
Aceitando a decisão do Monsenhor Jesus, indicou dias depois o Padre Egidio Bisol para substitui-lo.
A posse do novo vigário, teve lugar no dia 10/ 03/1991, com a presença do Senhor Bispo, que concelebrou missa com os 14 Padres da Diocese, e um diácono. A Matriz ficou repleta de fiéis.


(tirado, com permissão do autor, do livro: LUIZ LORENA: Serra Talhada. 250 anos de história. 150 anos de Emancipação política. Serra Talhada: Sertagráfica, 2001)

A cidade perversa e o esgotamento do prazer (Excerto)

Por Olgária Matos (Professora titular da Universidade de São Paulo)


O texto a seguir é um excerto do texto original que será publicado na Revista e-metropolis, na edição de dezembro de 2011.

Em suas reflexões sobre a metrópole moderna e a filosofia do dinheiro, Simmel indica as mudanças no sentido da vida em comum dos homens.Se o primeiro espírito do capitalismo valorizou a parcimônia e o segundo o trabalho e o mérito de cada um,isto se deveu a que o dinheiro ainda não se estabelecera de forma hegemônica na instituição do social.A nova organização do tempo, a difusão, a partir do século XIX, dos relógios de bolso, a taylorização do trabalho operário e sua proletarização são a forma de acumulação do capital na metrópole cuja estrutura é a economia e a tecnologia, universalizando-se a pregnância do dinheiro como ideal de uma civilização.

Simmel trata do novo espírito do capitalismo tomando por eixo o dinheiro que passa a determinar todas as esferas da vida,mesmo aquelas que,no passado, eram autônomas com respeito às necessidades materiais imediatas e à economia, determinando a obsolescência de valores como a honra e o juramento que, na tradição da Grécia e da Idade Média, marcaram a política: “o juramento é”,afirmava Licurgo, o que mantém unida (to synecon) a democracia”. O juramento era a garantia da eficácia de uma asserção ou ato, a segurança de sua veracidade e realização: “Individual ou coletivo,o juramento só o é por aquilo que ele reforça e soleniza: pacto, engajamento, declaração. Ele prepara ou conclui um enunciado oral, o único a possuir um conteúdo significante,não enunciando nada por si mesmo.É, na verdade, um rito oral, freqüentemente completado por um rito manual de forma aliás variável.Sua função consiste não na afirmação que ele produz, mas na relação que ele institui entre a palavra pronunciada e a potência invocada.” Ligada, na origem, à dimensão religiosa, o juramento, não obstante, tinha força jurídica que reunia juramento e fé pelos quais cada um se abandona à confiança de um outro de quem recebe proteção.Com o declínio do homem religiosus, a idéia da sacralidade do juramento migrou para a esfera pública separada da vida privada e para o respeito às Leis contratadas em sociedade, o juramento consistindo na conformidade entre as palavras e os atos.

Diluindo a diferença entre o espaço pública e o da afetividade, o dinheiro e seu correlato,o mercado,convertem o próprio “Eros” em mercadoria O prestígio do dinheiro e seu estabelecimento como valor correspondem à mercantilização de todas as esferas da vida, selando o fim do papel filosófico e existencial da cultura.

Em A Cultura do Renascimento, J.Burckhardt encontra nas cidades da Renascença italiana o momento de fundação do vivere civile, o processo civilizatório significando distância com a rudeza e a selvageria, mas também uma experiência do tempo contrária à idolatria do útil e do trabalho. É o tempo livre das atividades necessárias à auto-conservação, aquele dedicado aos saberes cuja finalidade é interior a si mesma—como a literatura, as ciências e as artes, e que se encontram na origem da própria noção de cultura.Identificando cultura e estética na constituição da vida política,o vivere civile se dirige para o futuro, desconhecido e imprevisível, para isso redescobrindo as fontes de civilidade de que o moderno procede, cuja apogeu se encontrou na cultura e nas instituições da Grécia antiga, cânone da excelência a ser “imitada”.Para Burckhardt apenas com os grandes filósofos se inicia uma autêntica grandeza na qual se associam política e graça,a kháris e a fascinação do inexplicável da beleza: “se amamos é porque algo de indefinível se acrescenta à beleza–um movimento, uma vida, uma aura que a torna desejável e sem os quais a beleza permanece fria e inerte[...].No amor se tem um ‘a mais’, existe nele algo de injustificado.E isso que nas coisas corresponde a esse a mais é a Graça, é a vida em seu mistério mais profundo.” Opondo a urbs ao campo, a polis ao ruris e a polidez ao ruralis, a cidade é o espaço da vida em comum segundo os valores da democracia e da filosofia, da política e da contemplação,da ética e da estética

Governador, quando iremos fazer uma educação de qualidade?


Por André Ferrari (Comentário publicado no site Farol de Noticias) 

“Aproveitando o movimento nacional dos professores, aproveito o momento para pedir a sua ajuda para publicar esta notícia. A luta da educação profissional é muito maior do que aumento salarial. Pernambuco vive um ritmo de crescimento espetacular, mas faltam profissionais técnicos para ocupar as vagas existentes.

O Estado criou novas escolas, mas se preocupou com quantidade e não com qualidade. Os problemas são muitos: As escolas técnicas passaram a ser geridas pela Secretaria de Educação, antes era pela Secretaria de Ciência e Tecnologia, e com isso são tratadas iguais às escolas regulares e a equipe da secretaria não entende devidamente o lado profissional.

Falta verba para manutenção dos equipamentos existentes, porque o enviado para as escolas técnicas é igual ou menor que uma escola comum, um absurdo.  Os professores técnicos são temporários e desde 2010 não tiveram nenhum reajuste. Já há uma desvalorização salarial em torno de 20%.

Do mesmo modo, estes profissionais não recebem nenhuma gratificação. Não há auxílio transporte, alimentação ou plano de saúde. – Os professores de Educação integral que na propaganda deveriam ganhar 199% de gratificação, já não ganham nem 100% mais porque existe um limite estabelecido por lei desde a época de Jarbas e ninguém corrige a lei.

Então é difícil encontrar professores que queiram sair da educação regular para integral, porque a diferença salarial é muito pouca. E os que estão na educação integral, a cada dia desistem.  Faltam laboratórios de alguns cursos e complemento básico em outros. Nas escolas novas, os galpões destinados aos laboratórios profissionais são um elefante branco.  As escolas não tem segurança em todos os horários.  As escolas não tem educador de apoio, secretário, bibliotecário, porteiro e nenhum assistente de laboratório.

Faltam professores da educação básica e também da educação profissional. Falta acervo bibliográfico nas bibliotecas.  O calor impera nos ambientes, pois não há climatização em muitos locais.  Muitas escolas estão em construção, com atraso nas obras. Eduardo Campos, quando iremos fazer uma Educação Profissional de qualidade?

Como es posible la sociedad?



Georg Simmel foi um pensador peculiar. Da vida urbana, passando pelo amor, o dinheiro, a moda e a cultura, suas considerações atravessam um vasto campo de assuntos. Em comum entre eles, porém, há a questão a partir da qual se desenvolve a maior parte da sua obra: “Como é possível a sociedade?”
A esta pergunta tão ampla é que podemos creditar uma espécie de fio condutor que nos permite alinhavar os temas sobre os quais este pensador se debruçou, ajudando, portanto, a chegar a uma resposta para a questão que aqui se coloca: ‘como é possível Simmel?’, ou seja, como foi possível a este pensador unir interesses aparentemente tão divergentes em torno de uma mesma questão: a investigação sobre as nuances da vida social nas cidades.
In: Simmel, Georg. Sobre la individualidad y las formas sociales. Buenos Aires: Universidade Nacional de Quilmes, 2002.

Nenhuma história é a História



Já não é recente a ambigüidade do termo História, ao mesmo tempo definindo um processo em constante movimento, comumente chamado de "a história vivida", e a sua interpretação, ou seja, "a história conhecimento", conforme a define a historiografia francesa. Também não é inócua a questão indicada por Nietzsche, no século XIX, de que a história não passaria de um jogo de interpretações, no qual a História jamais seria "realmente" alcançada. Ou, em outras palavras, o que Paul Veyne, no início da década de 1970, em seu livro Como se escreve a história diria que sempre se faz "histórias de..." alguma coisa, quer dizer, de determinados processos e assuntos, mas nunca a História

O historiador italiano Carlo Ginzburg, que iniciou sua carreira profissional nos anos de 1950 e 1960, no interior daquelas discussões, pesquisando processos judiciais da inquisição, nos séculos XV e XVI, principalmente da região do Friuli, na Itália, das quais se originaram as obras Os andarilhos do bem e O queijo e os vermes, é um excelente exemplo da forma como, nas últimas décadas, aquelas discussões foram conduzidas. Nas palavras de Ginzburg:
Comecei a praticar o ofício de historiador examinando textos não literários (sobretudo processos da Inquisição) com auxílio dos instrumentos interpretativos desenvolvidos por estudiosos como Leo Spitzer, Erich Auerbach, Gianfranco Contini [...]. Com o moleiro friulano Domenico Scandela, dito Menocchio, condenado à morte pela Inquisição por causa de suas idéias, aprendi que o modo como um ser humano reelabora os livros que lê é muitas vezes imprevisível. (Ginzburg, 2004, p. 14).

Em obras como História noturna, O juiz e o historiador, ou mesmo em Mitos, emblemas e sinais (livro que reúne alguns de seus ensaios), Ginzburg deparou-se com a questão da interpretação das fontes, da viabilidade das provas e do uso da narrativa. Além disso, também se viu obrigado a revisar o estatuto teórico da história das mentalidades e da interpretação marxista da história, para desenvolver seus procedimentos de análise das fontes e o próprio estilo de sua escrita.

No início dos anos de 1970, quando lançou seu famoso e polêmico ensaio Sinais: raízes de um paradigma indiciário (que anos depois foi reunido no seu livro: Mitos, emblemas e sinais), no qual procurou historiar as origens de seu procedimento investigativo das sociedades e dos homens no tempo, com intuito de analisar as mudanças e as permanências das sociedades passadas e das sociedades presentes, Ginzburg já indicava a forma como estava tomando partido naquela polêmica historiográfica.

Retorno àquele ensaio, que desde então tem continuado a alimentar subterraneamente o meu trabalho, porque a hipótese sobre a origem da narração ali formulada também pode lançar luz sobre as narrativas voltadas, ao contrário das outras, para a busca da verdade, e contudo modeladas, em cada uma de suas fases, por perguntas e respostas elaboradas de forma narrativa. Ler a realidade às avessas, partindo de sua opacidade, para não permanecer prisioneiro dos esquemas da inteligência: essa idéia, cara a Proust, parece-me exprimir um ideal de pesquisa que inspirou também estas páginas. (idem, p.14).

Mas foi juntamente com Carlo Poni e Geovanni Levi, no início da década de 1980 – quando lançaram a revista Quaderni Storici e dirigiram a coleção de estudos (reunindo trabalhos de intelectuais italianos, franceses e ingleses) denominada Microstorie, publicada pela editora Einaudi, entre 1981 e 1988 –, que, de fato, Ginzburg demonstraria suas insatisfações com relação às interpretações macrossociais, indicando os estudos microssociais como alternativa necessária à alteração da escala de análise do historiador.

Na década de 1990, entretanto, ao se voltar mais para o gênero ensaístico e para a análise de romances, Ginzburg indicaria de maneira mais direta sua polêmica com a historiografia pós-moderna, e seus livros Olhos de madeira e Relações de força formariam suas primeiras incursões nesse debate sobre a história estar entre a arte e a ciência. Nesse caso, Ginzburg segue os passos da polêmica iniciada por Aristóteles, quando diferenciou a poesia épica da história na Antigüidade clássica, e suas continuidades, em níveis consideravelmente distintos, nas críticas veementes de Michael Foucault, Paul Veyne e Hayden White, sobre o estatuto científico da história, e as respostas de Peter Gay, Thompson, Hobsbawm e Moses Finley sobre essa questão. A forma como Ginzburg incide na polêmica é sutil, quase sempre sem citar os argumentos e os autores, e em vez disso demonstrá-la por meio de detalhes de um romance (como o de Flaubert), de fragmentos de um diário, ou ainda, estudando os rastros da tradição oral de povos antigos.

É justamente seguindo essa forma discreta de polemizar com aquelas questões, que em seu novo livro justifica que "talvez [fosse] inevitável que, mais cedo ou mais tarde, eu acabasse por me ocupar também de textos literários" (2004, p.14), não apenas para demonstrar as fragilidades do discurso dito pós-moderno, como ainda ressaltar o uso das fontes literárias para a melhor compreensão das sociedades passadas. Ao seguir os traços e a experiência deixada por suas pesquisas anteriores numa "perspectiva semelhante, abordei Vasco de Quiroga, leitor de Luciano e Thomas More; Thomas More, leitor de Luciano; George Puttenham e Samuel Daniel, leitores de Montaigne; Sterne, leitor de Bayle; e assim por diante. Em cada um desses casos, procurei analisar não a reelaboração de uma fonte, mas algo mais vasto e fugidio: a relação da leitura com a escrita, do presente com o passado e deste com o presente. (idem, p.14-15).

Em Nenhuma ilha é uma ilha, originalmente lançado em 1999 em inglês, e em 2002 em italiano, ligeiramente revisto (apenas em 2004 que apareceria sua tradução para o português pela Companhia das Letras), Ginzburg procurou avançar nas discussões aqui rapidamente resumidas. Por um lado, recupera a tradição do gênero ensaístico que vai de Montaigne a Diderot e, de outro, tomando de empréstimo a definição de ensaio elaborada por Adorno e as observações sobre esse gênero feitas por Jean Starobinski, lembra a necessidade de submeter as interpretações à prova e as conclusões às relativizações necessárias. Nas suas palavras: 

Estes ensaios propõem uma visão não insular da literatura inglesa (...) por [meio de] um tema comum: a ilha, real ou imaginária, evocada no título (...) [mas] a unidade do livro não é apenas (...) de ordem temática. Um mesmo procedimento, ou princípio construtivo tem guiado – sem que eu me desse conta de imediato – tanto minhas pesquisas como o modo de apresentá-las. (idem, p.11)

O livro foi dividido em quatro capítulos, articulados por um mesmo tema (e procedimento interpretativo e narrativo), no qual o autor se inspiraria nas palavras de John Donne, quando disse que "nenhum homem é uma ilha". Se trocarmos a palavra ilha, por história, veremos que, na verdade, o que o autor procurou fazer foi demonstrar como o discurso narrativo dos historiadores é constantemente reescrito. Mas nem por isso deve ser relegado numa miríade relativista, porque além de acompanhar as mudanças drásticas e inesperadas das sociedades, que inevitavelmente refazem suas indagações sobre a história, também é um exercício investigativo, no qual a procura de indícios e provas constituiriam a sua função social primordial, já que é a partir desses instrumentos que procura dar lógica a análise dos processos e, ao mesmo tempo, inquirir possíveis laços de identidade, quanto de rupturas, com o passado.

Muito embora reconheça que o que os historiadores fazem não é escrever a História, mas histórias (porque além de serem constantemente reescritas, jamais se conseguiria alcançar a totalidade do "vivido"), ele acredita que é justamente nesse exercício que o historiador demonstraria sua função social (não por trazer à tona a verdade e sim por mostrar as verdades possíveis e expressas pelos homens do passado) e seu valor perante a sociedade (ao recuperar sua memória coletiva). Seja descobrindo ligações entre o passado e o presente que antes não eram vistas, seja demonstrando a ação de indivíduos perante seus pares e a sociedade, ou ainda, refazendo a trajetória de processos ou ações humanas, em função de novas descobertas investigativas (a partir de provas necessárias para àquelas afirmações). E é esse exercício histórico e historiográfico, que é um exercício acumulativo (e sempre complementado), que procurou fazer ao observar a importância de Luciano de Samósata para Thomas More, a polêmica elisabetana sobre a dignidade da rima, os vínculos sutis que ligariam o pároco Laurence Sterne, que foi autor de o Tristram Shandy, ao ateu Pierre Bayle, e, finalmente, a possível inspiração que o etnólogo anglo-polonês Malinowski teria recebido com a leitura dos contos do escocês Robert Louis Stevenson.

Em todos esses casos, observa que o regime das trocas literárias oportunizadas entre as ilhas inglesas e o continente europeu foram decisivas na formação, tanto da literatura inglesa, quanto de sua identidade nacional. Além disso, registra a importância do detalhe, colhido muitas vezes quase que ao acaso, para se reconstituir um processo, porque foi "o acaso, não a curiosidade deliberada, que me fez dar com os comentários do bispo Vasco de Quiroga à Utopia de Thomas More ou com a Defesa da rima, de Samuel Daniel" (2004, p.11). É por isso que indica que com o gênero ensaístico existiria a flexibilidade necessária para a construção da narrativa:

Mas talvez essa mesma flexibilidade tenha êxito em captar configurações que tendem a escapar às malhas das disciplinas institucionais. Talvez seja instrutiva a divergência entre Quentin Skinner e este autor a propósito do gênero a que pertenceria a Utopia de Thomas More. Seria possível objetar que a Utopia constitui um caso especial, tratando-se de um dos raros textos que inauguraram um gênero literário. Mas eu me pergunto por qual motivo uma polêmica à primeira vista técnica sobre a dignidade da rima, que irrompeu na Inglaterra elisabetana, foi treslida a ponto de se ignorarem suas raízes continentais, a começar por Montaigne. Seria muito fácil encontrar muitos casos do mesmo teor. (idem, p.13)

E é justamente sobre isso que o autor chama a atenção de seus possíveis leitores do início ao final de seu texto, em que nenhuma ilha é uma ilha poderia ser lida como nenhuma história é a História (e, por isso, o discurso histórico é tão incompleto e fugidio, e às vezes também impreciso, por falta de fontes que o comprove). Em suas palavras: 

Nos dois primeiros capítulos falou-se de ilhas – ilhas inventadas, como a de Utopia, ou reais, como a Inglaterra – de uma perspectiva não insular. Contra o lugar-comum corrente segundo o qual todas as narrativas pertenceriam em alguma medida à esfera da ficção, procurou-se mostrar que existe uma relação complexa entre as narrativas inventadas e as narrativas com pretensão à verdade. A ilha imaginada de Utopia permitiu que Thomas More percebesse (e denunciasse) as extraordinárias transformações em curso na sociedade inglesa. A defesa da rima como procedimento literário diante das acusações de barbárie tinha lugar em uma ideologia imperialista nascente, voltada a acentuar a distância cultural e política entre as ilhas britânicas e o continente europeu. Verdade e ficção, examinadas de uma perspectiva não insular, encontram-se igualmente no centro deste terceiro capítulo, dedicado ao Tristram Shandy de Laurence Sterne. (idem, p. 64)

No último capítulo desse livro, Ginzburg pratica com maestria esse procedimento, ao demonstrar os possíveis contatos entre Malinowski e Robert Louis Stevenson (principalmente com seu conto O demônio da garrafa), quando este desenvolvia sua interpretação do kula sobre as tribos das ilhas de Trobriand.

O kula, escreveu Malinowski nos Argonautas, refutava as idéias, então correntes, que viam no homem primitivo um "ser racional" que não deseja outra coisa além de satisfazer as necessidades mais elementares, segundo o princípio econômico do mínimo esforço. (Malinowski provavelmente ignorava que tinha Marx a seu lado). Mas as implicações da descoberta de Malinowski ultrapassavam em muito o âmbito da chamada "economia primitiva", como mostra a sua progênie tardia, do ensaio de Mauss sobre a dádiva à Grande transformação de Polany, ou o ensaio de E. P. Thompson sobre a economia moral (no qual, todavia, a ligação é mais indireta). O que de fato estava em jogo era a noção de homo oeconomicus, ainda hoje bem viva. Mas o arquipélago de Stevenson e o de Malinowski estão ali para nos lembrar que nenhum homem é uma ilha, nenhuma ilha é uma ilha [e poderíamos acrescentar que nenhuma história é a História]. (idem, p. 113)

Nesse sentido, a leitura de Nenhuma ilha é uma ilha é enriquecedora por pelo menos três pontos: a) para nos dizer que a história é constantemente reescrita, porque as mudanças dos homens e das sociedades no tempo exigem novas investigações e questionamentos para se identificar adequadamente o que ainda se manteria do passado no presente e o que mudou; mas nem por isso o discurso dos historiadores estaria imerso num relativismo, no qual não se haveria mais a procura de possíveis verdades; b) não é apenas de verdades que é feito o discurso dos historiadores, visto que se as fontes forem mal ou insuficientemente interpretadas, em casos extremos elas podem sugerir mentiras, que ao serem transpostas ao discurso dos pesquisadores podem vir a ser uma verdade; c) mas, mesmo assim, a função social básica do historiador é, senão a descoberta da verdade (ou das possíveis verdades) que nos legaram as sociedades passadas, ao menos a inclinação à procura de verdades (demonstrando-se que, em alguns casos, a mentira, que não é um mero detalhe nos processos históricos, pode se tornar uma verdade construída pelo discurso).

De forma mais direta, Ginzburg quer demonstrar a importância dos historiadores para as sociedades na construção de suas identidades, talvez até mais no período atual do que no passado. Para isso, indo contra a maré dita pós-moderna, sugeriu nesse livro que o discurso literário pode também ser um caminho, quando bem analisado seu processo de elaboração e, com isso, cotejada suas provas, para se escrever um discurso histórico verdadeiro (entre outros possíveis) sobre as sociedades e os homens no tempo. Isso porque, a história é constantemente reescrita, fazendo com que nenhuma história seja a História, mas nem por isso não seja uma história. E justamente nesse ponto, aclamado como o inevitável relativismo do discurso e da verdade (a ponto de alguns estudiosos acreditarem que ou ela não existe, ou é apenas uma construção discursiva), segundo a crítica dita pós-moderna, que segundo o autor se encontraria a função e a importância dos historiadores. Não relativizando o seu discurso com qualquer outro (sem os mesmos cuidados investigativos), mas primando por pesquisas mais precisas, inquirindo as fontes e agrupando as provas para se definir níveis mais aproximados de verdade, que segundo ele, seriam possíveis dentro do discurso dos historiadores.

ATIVIDADE DE DIREITO CIVIL - SUCESSÃO

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