Trata-se de um fenômeno natural, caracterizado pelo atraso na
precipitação de chuvas ou a sua distribuição irregular, que acaba prejudicando
o crescimento ou desenvolvimento das plantações
agrícolas.
O problema não é novo, nem exclusivo
do Nordeste brasileiro. Ocorre com freqüência,
apresenta uma relativa periodicidade e pode ser previsto com uma certa
antecedência. A seca incide no Brasil, assim como pode atingir a África, a
Ásia, a Austrália e a América do Norte.
No Nordeste, de acordo com registros
históricos, o fenômeno aparece com intervalos próximos a dez anos, podendo se
prolongar por períodos de três, quatro e, excepcionalmente, até cinco anos. As
secas são conhecidas, no Brasil, desde o século XVI.
A seca se manifesta com intensidades
diferentes. Depende do índice de precipitações pluviométricas. Quando há uma
deficiência acentuada na quantidade de chuvas no ano, inferior ao mínimo do que
necessitam as plantações, a seca é absoluta.
Em outros casos, quando as chuvas são
suficientes apenas para cobrir de folhas a caatinga e acumular um pouco de água
nos barreiros e açudes, mas não permitem o desenvolvimento normal dos plantios
agrícolas, dá-se a seca verde.
Essas variações climáticas prejudicam
o crescimento dasplantações
e acabam provocando um sério problema social, uma vez que expressivo
contingente de pessoas que habita a região vive, verdadeiramente, em situação
de extrema pobreza.
A seca é o resultado da interação de
vários fatores, alguns externos à região (como o processo de circulação dos
ventos e as correntes marinhas, que se relacionam com o movimento atmosférico,
impedindo a formação de chuvas em determinados locais), e de outros internos
(como a vegetação pouco robusta, a topografia e a alta refletividade do solo).
Muitas têm sido as causas apontadas,
tais como o desflorestamento, temperatura da região, quantidade de chuvas,
relevo topográfico e manchas solares. Ressalte-se, ainda, o fenômeno "El
Niño", que consiste no aumento da temperatura daságuas
do Oceano Pacífico, ao largo do litoral do Peru e do Equador.
A ação do homem também tem
contribuído para agravar a questão, pois a constante destruição da vegetação
natural por meio de queimadas acarreta a expansão do clima semi-árido para
áreas onde anteriormente ele não existia.
A seca é um fenômeno ecológico que se
manifesta na redução da produção agropecuária, provoca uma crise social e se
transforma em um problema político.
As conseqüências mais evidentes das grandes
secas são a fome, a desnutrição, a miséria e a migração para os centros urbanos
(êxodo rural).
Os problemas que sucedem as secas
resultam de falhas no processo de ocupação e de utilização dos solos e
da manutenção de uma estrutura social profundamente concentradora e injusta.
O primeiro fato se manifesta na
introdução de culturas de dificil adaptação às condições climáticas existentes
e do uso de técnicas de utilização dos solos não compatíveis com as condições
ecológicas da região. O segundo ocasiona o controle da propriedade da terra e
do processo político pelas oligarquias locais.
Esses aspectos agravam os resultados das secas
e provocam a destruição da natureza, a poluição dos rios e a exploração por
parte os grandes proprietários e altos comerciantes, dos recursos destinados ao
combate à pobreza da região, no que se denomina de "indústria da
seca".
A questão da seca não se resume à
falta de água. A rigor, não falta água no Nordeste. Faltam soluções para
resolver a sua má distribuição e as dificuldades de seu aproveitamento. É "necessário
desmitificar a seca como elemento desestabilizador da economia e da vida social
nordestina e como fonte de elevadas despesas para a União ...desmitificar a
idéia de que a seca, sendo um fenômeno natural, é responsável pela fome e pela
miséria que dominam na região, como se esses elementos estivessem presentes só
aí".(Andrade, Manoel Correia, A seca: realidade e Mito, p. 7 ).
Com uma população muito inferior à
nordestina, a Amazônia, que possui água em abundância, também apresenta
condições de vida desumanas, assim como diversas outras regiões brasileiras. Lá
o problema é outro, pois o meio ambiente mostra-se inóspito, devido às
enchentes, aos solos pobres, à proliferação de doenças tropicais.
Crises climáticas periódicas, como
enchentes, geadas e secas, acontecem em qualquer parte do mundo, prejudicando a
agricultura. Em alguns casos tornam-se calamidades sociais. Porém, só se
transformam em flagelo social quando precárias condições sociais, políticas e
econômicas assim o permitem. Regiões semi-áridas e áridas do mundo são
aproveitadas pela agricultura, por meio do desenvolvimento de culturas secas ou
culturas irrigáveis, como acontece nos Estados Unidos, Israel, México, Peru,
Chile ou Senegal.
Delimitado pelo Governo Federal, em
1951 (Lei n° 1.348), o Polígono das Secas, com uma dimensão de
950.000 km2, equivale a mais da metade do: território da região Nordeste
(52,7%), que vai desde o Piauí até parte do norte de Minas Gerais. O clima é
semi-árido e a vegetação de caatingas. O solo é raso, na sua maior parte, e a
evaporação da água de superfície é grande. Essa é a área mais sujeita aos
efeitos das secas periódicas.
O fenômeno natural das secas ensejou
o surgimento de um fenômeno político denominado indústria da seca.
Os grandes latifundiários
nordestinos, valendo-se de seus aliados políticos, interferem nas decisões
tomadas, em escala federal, estadual e municipal. Beneficiam-se dos
investimentos realizados e dos créditos bancários concedidos. Não raro aplicam
os financiamentos obtidos em outros setores que não o agrícola, e aproveitam-se
da divulgação dramática das secas para não pagarem as dívidas contraídas. Os
grupos dominantes têm saído fortalecidos, enquanto é protelada a busca de
soluções para os problemas sociais e de oferta de trabalho às populações
pobres.
Os trabalhadores sem terra
(assalariados, parceiros, arrendatários, ocupantes) são os mais vulneráveis à
seca, porque são os primeiros a serem despedidos ou a terem os acordos
desfeitos.
A tragédia da seca encobre interesses
escusos daqueles que têm influência política ou são economicamente poderosos,
que procuram eternizar o problema e impedir que ações eficazes sejam adotadas.
A questão da seca provocou diversas
ações de governo. As primeiras iniciativas para se lidar com a questão da seca
foram direcionadas para oferecer água à zona do semi-árido. Nessa ótica foi
criada a Inspetoria de Obras Contra as Secas (Decreto
n°-7.619, de 21 de outubro de 1909), atual Dnocs, com a finalidade de centralizar
e unificar a direção dos serviços, visando à execução de um plano de combate
aos efeitos das irregularidades climáticas. Foram, então, iniciadas as
construções de estradas, barragens, açudes, poços, como forma de proporcionar
apoio para que a agricultura suportasse os períodos de seca.
A idéia de resolver o problema da
água no semi-árido foi, basicamente, a diretriz traçada pelo Governo Federal
para o Nordeste e prevaleceu, pelo menos, até meados de 1945. Na época em que a
Constituição brasileira de 1946 estabeleceu a reserva no orçamento do Governo
de 3% da arrecadação fiscal para gastos na região nordestina, nascia nova
postura distinta da solução hidráulica na política anti-seca, abandonando-se a
ênfase em obras em função do aproveitamento mais racional dos recursos.
Com o propósito de utilizar o
potencial de geração de energia do Rio São Francisco, foi fundada (1945)
a Companhia Hidroelétrica do São Francisco(Chesf). Em 1948,
criou-se a Comissão do Vale do São Francisco (CVSF), hoje
denominada Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco(Codevasf)
e, em 1952, o Banco do Nordeste do Brasil (BNB). A idéia era
de criar uma instituição de crédito de médio e longo prazos especifica para o
Nordeste.
Em dezembro de 1959, foi criada
a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste -Sudene
(atualmente extinta e com projetos de ser recriada em novos moldes), organismo
constituído para estudar e propor diretrizes para o desenvolvimento da economia
nordestina, com o objetivo de diminuir a disparidade existente em relação ao
Centro-Sul do país. Procurava-se estabelecer um novo modelo de intervenção,
voltado tanto para o problema das secas quanto para o Nordeste como um todo.
A partir da seca de 1970, surgiu
o Programa de Redistribuição de Terra e de Estímulo à Agroindústria do
Norte e Nordeste (Proterra), em 1971, com o objetivo de promover uma
reforma agrária pacifica no Nordeste, pela compra de terra de fazendeiros, de
modo espontâneo e por preço de mercado. Em 1974, foi instituído o Programa
de Desenvolvimento de Terras Integradas do Nordeste(Polonordeste), para
promover a modernização da agropecuária em áreas selecionadas da região.
O Projeto Sertanejo, lançado em 1976, viria atuar nas áreas do
semi-árido visando a tornar a sua economia mais resistente aos efeitos da seca,
pela associação entre agricultura irrigada e agricultura seca.
Com o propósito de incorporar os
projetos anteriores, considerados fracassados, foi implantado o Programa
de Apoio ao Pequeno Produtor Rural(Projeto Nordeste), em 1985, propondo-se
a erradicar a pobreza absoluta, inovando com a destinação de recursos para os
pequenos produtores.
Como ações emergenciais, tem-se
apelado para a distribuição de alimentos, por meio de cestas básicas e
frentes de trabalho, criadas para dar serviço aos desempregados
durante o período de duração das secas, dirigidas para a construção de
estradas, açudes, pontes.
Os problemas das secas somente serão
superados por profundas transformações sócioeconômicas de âmbito nacional.
Várias têm sido as proposições formuladas:
- Transformar a atual estrutura
agrária, concentradora de terra e renda, por meio de uma Reforma
Agrária que faça justiça social ao trabalhador rural.
- Estabelecer uma Política de
Irrigação que adote tecnologias de mais fácil acesso aos trabalhadores
rurais e que sejam mais adaptadas à realidade nordestina.
- Instituir a agricultura
irrigada nas áreas onde houver disponibilidade de água e desenvolver
a agricultura seca, de plantas xerófitas (que resistem à falta de
água) e de ciclo vegetativo curto. Alimentos como o sorgo e o milheto, como
substitutos do milho, seriam importantes para o Nordeste, a exemplo do que
ocorre na Índia, China e no oeste dos Estados Unidos.
- Estabelecer uma Política de
Industrialização, com a implantação de indústrias que beneficiem
matérias-primas locais, visando à diminuição de custos com transporte, bem como
oferecer oportunidades de trabalho à mão-de-obra da região.
- Proporcionar o acesso ao
uso da água, com o aproveitamento da água acumulada nas grandes represas,
açudes e barreiros, perfuração de poços, construção de barragens subterrâneas,
de cisternas rurais, por parte da população atualmente excluída.
- Corrigir as práticas de ocupação do
solo, no que se refere à pecuária, eliminando-se o excesso de gado nas
pastagens, que pode ocasionar sérios danos sobre pastos e solos; a queima de
pastos, que destrói a matéria orgânica existente; e o desmatamento, por conta
da venda de madeira e lenha.
- Estimular o uso racional da
vegetação nativa (caatinga) para carvão e comercialização de madeira-de-lei.
- Implantar o Projeto de
Transposicão das Águas do Rio São Francisco para outras bacias
hidrográficas do semi-árido regional.
Não é possível se eliminar um
fenômeno natural. As secas vão continuar existindo. Mas é possível conviver com
o problema. O Nordeste é viável. Seus maiores problemas são provenientes mais
da ação ou omissão dos homens e da concepção da sociedade que foi implantada,
do que propriamente das secas de que é vítima.
O semi-árido é uma região propícia
para a agricultura irrigada e a pecuária. Precisa apenas de um tratamento
racional a essas atividades, especialmente no aspecto ecológico. Em áreas mais
áridas que as do sertão nordestino, como as do deserto de Negev, em Israel, a
população local consegue desfrutar de um bom padrão de vida.
Soluções implicam a adoção de uma
política oficial para a região, que respeite a realidade em que vive o
nordestino, dando-lhes condições de acesso à terra e ao trabalho. Não pode ser
esquecida a questão do gerenciamento das diretrizes adotadas, diante da
diversidade de órgãos que lidam com o assunto.
Medidas estruturadoras e
concretas são necessárias para que os dramas das secas não continuem a ser
vivenciados.