Por Francisca Helena Fernandes de Castro *
Fonte: jusbrasil.com.br
Resumo: O presente artigo tem como objetivo estudar a aplicação do princípio constitucional do direito adquirido na Previdência Social e se motiva em razão do grande interesse e insegurança que os segurados têm frente às reformas da previdência. O conhecimento da aplicação de tal instituto é de fundamental importância para a compreensão de como as mudanças na legislação previdenciária podem atingir ou não os contribuintes.
O Direito Adquirido
O instituto do direito adquirido está inserido no texto constitucional, art.5º, XXXVI e é considerado cláusula pétrea conforme art. 60, parágrafo 4º,IV, também da Constituição Federal.
"Art. 5º, XXXVI - A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada (…)
Art. 60, parágrafo 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: (…)
IV - os direitos e garantias individuais".
Com isso, considera-se direito adquirido os direitos que tenhamos em um determinado período temporal, onde o exercício tenha um termo prefixo, ou condição preestabelecida, definição que está de acordo com o art. 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Observa-se aqui que a Constituição defende o direito adquirido e não a mera expectativa do direito. Ele é uma situação de imutabilidade que garante o titular contra posterior modificação legislativa. Observa-se ainda, que para que haja o direito adquirido é necessário que o mesmo não tenha sido exercido, caso o contrário, teríamos apenas uma relação jurídica já consumada. Diante disso, passaremos a analisar como as reformas da previdência podem ou não influenciar e alterar nosso plano previdenciário.
Sergio Pinto Martins defende que o direito adquirido integra o patrimônio jurídico da pessoa, e não o econômico. Assim, não se o entende como algo concreto, uma cifra a mais na conta bancária do contribuinte. O direito já é da pessoa, em razão de seu cumprimento dos requisitos necessários para adquiri-los, mesmo que a ela não o tenha requerido, como no caso da aposentadoria.
2. As Reformas da Previdência
As reformas na previdência ocorrem como tentativa de evitar o colapso do sistema previdenciário. O problema da previdência não é exclusividade do Brasil, com o crescimento desacelerado e controlado da população temos a redução da população ativa e consequentemente um aumento dos inativos. Tal argumento não deveria ser levado em consideração se tivéssemos uma gestão eficiente das contribuições providenciarias, entretanto, sem entrarmos no mérito da gestão da previdência, as reformas trabalham o gerenciamento da política previdenciária de modo a que se sustente, cumpra sua função social.
O problema da gestão previdenciária pode ser exposto de forma clara com os seguintes dados vinculados no jornal O Estado de S. Paulo, em fevereiro de 2014, onde, segundo o editorial, a solução óbvia para resolver essa situação seria o aumento do número de trabalhadores, aumentado o tempo de contribuição e a revisão das concessões de benefícios previdenciários:
"O número de idosos na região irá quadruplicar até 2050, multiplicação acompanhada de significativo aumento da expectativa de vida. Em 2010, os adultos acima dos 65 anos de idade eram 6,8% da população; em 2050, esse porcentual saltará para 19,8%. Hoje, a proporção entre trabalhadores que contribuem para a Previdência e os aposentados é de 10 por 1; em 2050, cairá para 3 por 1".
Nesse cenário, observamos que as reformas no sistema previdenciário, além de inevitáveis, tendem a ser cada vez mais dolorosas, como maior rigidez para a concessão de benefícios, assim como novos requisitos e mais severos para conseguir a aposentadoria, tudo devido a má gestão do Fundo Previdenciário, politicagens que permitem que pessoas que nunca contribuíram se aposentem, onerando cada vez mais os ativos e aumentando o deficit previdenciário.
Estudo publicado pelo senado em 2011 afirma que, caso não haja uma nova reforma na previdência, o futuro das próximas gerações de brasileiros ficará comprometido.
As mudanças que uma nova reforma na previdência pode trazer dizem respeito tanto ao tempo de contribuição, a não mais distinção entre homens e mulheres, a redução do teto da contribuição, restrições nas pensões por morte, criação de idade mínima na aposentadoria por tempo de contribuição, imposição de condicionalidades que reflitam o grau de dependência do cônjuge ou parceiro sobrevivente e filhos, fim da vinculação ao valor do salário mínimo, atualização inflacionária, fim da diferenciação por sexo, setor e categoria profissional.
Tais mudanças, frente ao instituto do direito adquirido, não afetariam os aposentados e pensionistas, nem aqueles que, na data de entrada em vigor das novas regras, já tivessem direito à aposentadoria, entretanto, por qualquer motivo, não tivesse dado início ao exercício do direito.
No tange aos trabalhadores em atividade, esse estudo sugere o estabelecimento de regras de transição com “extensa carência e lenta progressividade. Ao que nos parece, esse período de transição, como será estudado adiante, busca respeitar àqueles que, embora não tenham a garantia, terceira fase do instituto estudado, possuem a expectativa.
3. Aplicação na Previdência Social
De acordo com Sergio Pinto Martins, "Previdência vem do latim pre vide” e, ver com antecipação as contingências sociais e procurar compô-las, ou de praevidentia, prever, antever.”E conforme art. 3º da Lei nº 8.212:
" Art. 3º A Previdência Social tem por fim assegurar aos seus beneficiários meios indispensáveis de manutenção, por motivo de incapacidade, idade avançada, tempo de serviço, desemprego involuntário, encargos de família e reclusão ou morte daqueles de quem dependiam economicamente ".
A partir desses dois conceitos depreendemos que a previdência social, apesar de seu caráter assistencialista, ou seja, de sua função social, a contribuição não pode ser tratada apenas como um meio de se financiar o pagamento dos inativos. O problema do desequilíbrio na conta da previdência não pode, e não compromete o direito adquirido no curso do período de pagamento do contribuinte. Ao fundamentarmos a aplicação do direito adquirido na previdência, não podemos nos esquecer que a sua filiação é obrigatória, e que os benefícios trazidos pelo pagamento da previdência ao longo de 30, 35 anos são pequenos frente ao valor pago. Com isso, é necessário que, quando uma legislação venha substituir outra, nos atentemos ao instituto do direito adquirido para nos protegermos, principalmente no que diz respeito à concessão de aposentadoria.
A aplicação do direito adquirido na previdência é sumulado pelo STF, e deve ser respeitado. Segundo Súmula 359, quando reunirmos todos os requisitos para a aposentadoria, e mesmo que esta não tenha sido requerida, o direito estará garantido, pois esse poderia ter sido requerido a qualquer tempo sendo supridos os requisitos pretéritos, e lei anterior ter entrado em vigor após o cumprimento desses.
“Aposentadoria: proventos: direito adquirido aos proventos conforme a lei vigente ao tempo da reunião dos requisitos da inatividade, ainda quando só requerida após a lei menos favorável (Súmula 359, revista): aplicabilidade a fortiori, à aposentadoria previdenciária”.
Se tratando da Seguridade Social, para se ter um direito adquirido, passa-se por um estágio que vai do surgimento da relação entre o beneficiário e o órgão da Seguridade, até a aquisição propriamente dita desse direito. O caminho para se adquirir esse direito é de três fases: a pretensão jurídica, que se inicia no momento em que a pessoa torna-se filiada do sistema; a expectativa do direito, onde o beneficiário não possui todos os requisitos legais para a aquisição do direito, mas se encontra próximo de sua aquisição; e a terceira fase é o direito adquirido, uma variação do direito propriamente dito, ou seja, é uma conseqüência.
"O direito adquirido, de certo modo, representa a não aplicação retroativa da lei. Não se confunde, porém, com o efeito imediato da norma legal, que é previsto no art. 6º do Decreto-lei nº 4.657/42, apanhando as situações que estão em curso. A irretroatividade quer dizer a não aplicação da lei nova sobre uma situação já definitivamente constituída no passado. O que se pretende proteger no direito adquirido não é o passado, mas o futuro, de continuar a ser respeitada aquela situação já incorporada ao patrimônio jurídico da pessoa. No direito adquirido, a nova norma deve respeitar a situação anterior, já definitivamente constituída, afastando para esse caso a aplicação da lei nova".
Temos a perfeita visualização da aplicação desse instituto na concessão de aposentadoria na seguinte manifestação do Supremo Tribunal Federal:
"Direito adquirido - aposentadoria. Se, na vigência da lei anterior, o impetrante preenchera todos os requisitos exigidos, o fato de, na sua vigência, não haver requerido a aposentadoria, não o fez perder o seu direito, que já estava adquirido. Um direito adquirido não se pode transmudar em expectativa de direito, só porque o titular preferiu continuar trabalhando e não requerer a aposentadoria antes de revogada a lei em cuja vigência ocorrera a aquisição do direito. Expectativa de direito e algo que antecede a sua aquisição, e não pode ser posterior a esta. Uma coisa é a aquisição do direito, outra, diversa, é o seu uso ou exercício. Não devem as duas ser confundidas. E convém ao interesse público que não o sejam porque, assim, quando pioradas pela lei as condições de aposentadoria, se permitirá que aqueles eventualmente atingidos por ela, mas já então com os requisitos para se aposentarem de acordo com a lei anterior, em vez de o fazerem imediatamente, em massa, como costuma ocorrer. Com grave ônus para os cofres públicos, continuem trabalhando, sem que o tesouro tenha de pagar, em cada caso, a dois: ao novo servidor em atividade e ao inativo. Recurso extraordinário da fazenda estadual, não conhecido. (RE no 73.189-SP, pleno do STF, relator ministro Luis Galotti)”.
Como exemplo da impossibilidade da aplicação do direito adquirido, temos o art. 17 do ADCT, que apresenta em caso de recebimento de benefícios onde se tenha desacordo com a Lei Maior, não se invocará o direito adquirido. Ora, parece-nos bastante razoável que não se utilize um instituto que objetiva garantir que o cidadão não seja lesado, para perpetuar uma relação incorreta.
4. Da Redução da Miséria como Objetivo da Previdência
Apesar da Previdência Social ter por finalidade assegurar aos seus beneficiários meios indispensáveis de manutenção, o caráter distributivo é evidente quando constato que, embora metade da força de trabalho brasileira contribua para a previdência social, a quase totalidade dos idosos é coberta por benefícios previdenciários ou pelos assistenciais vinculados à LOAS. Além disso, temos redução e diferenciação de contribuições entre trabalhadores rurais, explicitando que o benefício é utilizado com caráter assistencialista.
Apesar de que os benefícios previdenciários e assistenciais eliminarem a pobreza entre os idosos, isso também provoca um elevado déficit previdenciário. Isso ocorre devido ao fato de que existe a política de valorização do salário mínimo como forma de reduzir a pobreza.
"Em suma, embora as transferências previdenciárias tenham sido importantes na redução da pobreza, seus efeitos são hoje quase nulos, especialmente no que diz respeito à pobreza extrema. Isso ocorre porque as transferências de renda dirigidas aos idosos cresceram tanto que hoje a maioria deles não mais pode ser considerada pobre, o que significa que as transferências deixaram de cumprir esse objetivo. É como se houvesse dois indivíduos pobres, sendo um mais pobre que o outro, e o menos pobre fosse aquele que estivesse recebendo as maiores transferências de renda. Tal estratégia reduz a pobreza, mas não da forma fundamental".
O que podemos concluir frente a esses dados é que, de nada adianta utilizar a previdência social como instrumento de redução de pobreza, pois se cria gastos superiores à arrecadação previdenciária, aumentando cada vez mais o problema do déficit na previdência, sem resolver efetivamente os problemas sociais.
5. Conclusão
A aplicação do direito adquirido na Previdência Social ocorre de maneira coerente e protege o contribuinte frente as mudanças que ocorrem com as Reformas da Previdência. O pagamento que o contribuinte faz à Previdência não poderia ter melhor alcunha “contribuição”, visto que os benefícios que serão recebidos serão, na maioria das vezes inferiores ao investimento, mas essa é uma outra discussão que englobará um estudo da função social da contribuição previdenciária. Nesse ínterim, é preciso conhecer a aplicação do instituto dentro Seguridade Social.
A necessidade de uma nova reforma na previdência é inegável, e como concluído, os direitos que temos, e que serão garantidos nessa futura reforma, serão apenas aqueles que saíram do campo da “expectativa”.
Seremos afetados sim com o aumento do período de contribuição, possível alteração dos índices de incidência, diminuições no teto da aposentadoria. Muito embora possamos não concordar com o caráter obrigatório da contribuição previdenciária, vivemos em sociedade, onde, mesmo que não fiquemos satisfeitos com o caráter de distribuição de renda e erradicação da pobreza que a previdência tem, ela é usada para esse fim. No entanto, isso deveria ser deixado sob a responsabilidade da Assistência Social, e não para aqueles que contribuem e que nunca verão retorno, pois previdência é obrigação e não investimento, o que resta é buscar novos investimentos para mantermos o padrão de vida que tivermos durante o período de contribuição.
* Autora: Francisca Helena Fernandes de Castro
Possui especialização em psicopedagogia, pelo Instituto Cuiabano de Educação - ICE; Especialização em Didática do Ensino Superior pela Universidade de Cuiabá. Atualmente trabalha com pesquisadora no Instituto Memória do Poder Legislativo.