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terça-feira, 2 de novembro de 2010

As Origens do Cangaço e sua Modalidade

Para compreender melhor o fenômeno conhecido como “cangaço”, é preciso retroceder no tempo, remontando ao início da colonização, quando chegaram os europeus.
Os portugueses que vieram colonizar o nordeste se interessavam principalmente pela região litorânea, propicia ‘a cultura da cana-de-açúcar, que obviamente renderia bons lucros para a coroa. Os lugares que não ofereciam condições ao cultivo da mesma foram negligenciados para mais tarde serem reivindicados para outras atividades.
Naquele momento, as regiões litorâneas tornaram-se de tão grande importância para aqueles que aqui chegaram em busca de riquezas, que, apesar da necessidade de se cultivar outra cultura destinada a produção de gêneros alimentícios para alimentar a crescente população em demanda, não era encarada com boa vontade. Surgiu então, o interesse por lugares inóspitos e distantes, mas propícios a agricultura e a criação de gado.
Nestas regiões inabitadas, e mais especificamente nos sertões nordestinos, um lugar com características muito especiais, tanto por sua vegetação, quanto o clima que ali apresenta, começam a ser desbravadas, constituindo uma sociedade deixada a esmo, entregue tão somente aos ricos fazendeiros que tendo grandes extensões de terras, reinavam absolutos em seus domínios, incorporando a figura do juiz, padre, prefeito, promotor, impondo a lei e a disciplina, que na prática significava abuso de toda ordem contra a maioria da população que viveria miseravelmente.
Apresentando características físicas distintas da zona canavieira, o sertão é uma região geograficamente acidentada dividida entre planaltos, colinas e serras que compõem um cenário pouco acolhedor ‘a habitação humana. De clima tropical e semi-árido, apresenta grande variação na distribuição de chuvas, gerando com isso graves problemas para os habitantes, dependendo da irregularidade surgem as secas, realidade atroz que dizimavam o gado e destruíam as plantações, obrigando o sertanejo a procurar abrigo em outro lugar. A vegetação múltipla é composta por arvores de pequeno porte, arbustos e cactos: a água é escassa.
Dentro dessas condições físicas, o sertão passou a desenvolver a pecuária como principal atividade econômica, conjugada a agricultura de subsistência, que serviria para abastecer tanto a região local, quanto exportar para a região litorânea.
A atividade pastoril desenvolvida de forma extensiva tornou a região o reino do gado vacum a impôs a “civilização” do couro; o mundo dos homens que lidam com o gado, destacando uma figura de imprescindível importância na paisagem inconfundível do sertão: o vaqueiro.
De acordo com informações, até fins do século XIX, essa atividade fez com que os criadores conseguissem fazer fortuna. Isso acontecia em virtude da facilidade com que se podia criar os rebanhos em geral soltos, pois não existiam cercas delimitando propriedades. Além disso, se comparada com os engenhos de açúcar situados próximos ao litoral, à criação do gado era uma atividade bem menos dispendiosa, não requerendo grandes cuidados.
Os vaqueiros que sempre administravam as fazendas, eram responsáveis pelos rebanhos, cuidando para que o gado não fosse dizimado. A eles, cabia providenciar água e comida para os animais, ferrá-los, benze-los em casos de doenças e amansa-los. Não recebiam salários. O pagamento deles correspondia a um quarto da produção do rebanho. Enquanto o vaqueiro cuidava do gado e da fazenda, os donos dos rebanhos ficavam na cidade ou mesmo em suas próprias terras, delegando poderes aos administradores e aos empregados.
Cedo, os adolescentes eram instruídos a lidar com o gado e a trabalhar com o couro. A marca do boi esteve presente em toda região sertaneja como fonte de riqueza, de manufatura do couro na fabricação dos mais variados objetos. Tudo era cuidadosamente aproveitado. Os chifres serviam como vasilha ou recipiente para guardar pólvora e os ossos serviam como brinquedo para as crianças.
Através de informações dadas por especialistas, no século XIX graças às campanhas de vacinação, a população sertaneja aumentou e concentrou-se nas regiões adequadas a agricultura. Este aumento populacional concentrado, nestas áreas gerou uma fragmentação nas propriedades, resultando em declínio econômico para a maioria dos habitantes. As adversidades econômicas acabaram criando um enorme descontentamento para a população em geral, mas principalmente para classes mais pobres.
Em conjunto a estes fatores econômicos, intimamente relacionados com o aumento da população, secas periódicas “a fragilidade das instituições responsáveis” (CHANDLER, 1980, p. 25) o antagonismo de partidos políticos geraram uma desestruturação social, que contribuíram decisivamente para o surgimento de um tipo humano, cujas características eram espelho fiel do meio em que habitavam: O Cangaceiro.
Desde o início da ocupação do sertão, um fato comum era os grandes proprietários de terras, em geral chefes de grandes famílias, e suas propriedades dos ataques indígenas. Estes bandos eram compostos por homens armados, que mantinham-se na dependência dos chefes de família ou chefes políticos. Moravam nas terras do chefe como agregado, lhes eram dispensado o pagamento desde que assegurassem o domínio da terra e garantissem a segurança do fazendeiro. Embora compondo uma modalidade do que seria o cangaço do século XIX, ainda não haviam recebido batismo de cangaceiros, eram chamados “capangas” ou “jagunços”. Estes bandos mais tarde, na década de 1830, receberam a alcunha de “cangaço”, por era o jugo dos bois.
Os componentes dos bandos nesta mesma época passaram a se chamados “cangaceiros”.
Ao longo do tempo, o cangaço como passou a ser chamado o grupo de homens armados, adquiriu modalidades diferentes. No início era o cangaço dependente, subordinado as ordens dos fazendeiros e chefes políticos, mais tarde eram bandos independentes, agindo por conta própria, sem dominação, decidindo livremente suas ações. Este é o cangaço independente, uma nova modalidade que destacará três líderes, que ficara na memória da nossa gente, como parte da cultura da nossa região. São eles: Antônio Silvino, Lampião e Corisco.
Esta nova modalidade que começou atuar nos sertões nordestinos em fins do século XIX e início do século XX, nos remete a uma indagação: Teriam existido grupos independentes anterior a estes?
Apesar de pouco difundido no período da colonização holandesa, mais precisa entre os anos de 1641 e 1644, alguns grupos liderados por chefes holandeses, atuavam em Pernambuco e Paraíba, ficando conhecidos os casos de Abraham Platmam, Hans Nicolaes e Pieter Pilcot. Isto mostra que grupos armados, agindo por conta própria, dada de uma época muito anterior aos precursores do cangaço propriamente dito.
Holandeses a parte, com as secas e epidemias ocorridas entre 1775 e 1776 na província de Pernambuco, a formação de bandos independentes encontram um momento favorável para atuarem.
Com um quadro sócio-econômico desorganizado homens armados aderiram a violência para tentar sobreviver em meio as catástrofes.
O primeiro bando independente a atuar neste período e até servir de inspiração erudita, foi o bando de José Gomes, denominado o “cabeleira”. Inspirou o romance do mesmo nome, do escritor cearense Franklin Távora, publica em 1876.
O segundo bando foi liderado por José de Barros Rocha, que ficou conhecido como “Tigre do Sertão”, em 1819. O bando atuou nos sertões nordestinos durante 14 meses, até o líder ser capturado e morto. Até surgir os bandos de maior longevidade nos sertões, o último dos precursores foi João de Souza Calangro, na região do Cariri em 1876. Os bandos citados agiam em pontos diversos, desde a zona da mata ao sertão. De acordo com Ascenco Ferreira, o sertão herdou essa herança da zona canavieira, onde teve origem “os primeiros grupos de cangaceiros” (LUNA Luis Lampião e seus cabras. 2ª Ed. revista, Rio de Janeiro, Ed. Leitura 1972).
É importante observar que o paralelo entre os precursores do cangaço independente sobressaía-se ainda outro bando com uma diferença fundamental. Era o bando dos retirantes, que proliferavam nos períodos de estiagem e, era composta por fazendeiros, que agiam movidos pela extrema necessidade, em meio à miséria que os rodeava.
Ao contrário dos cangaceiros que eram tidos como bandidos cruéis e violentos, enquanto os primeiros eram recrutados para a ordem.
O final do século XIX, em virtude das condições que o sertão apresenta conservado praticamente as mesmas características dos séculos anteriores, se converterá no principal cenário favorável ao desenvolvimento da nova modalidade do cangaço independente.
Este novo cangaço que terá sua representação máxima nas pessoas de Antônio Sobrinho e Lampião vem apresentando características distintas dos precursores em números e qualidade, em face da região sertaneja ter uma tradição rica em violência desde os primórdios.
Nesse contexto, o banditismo que floresceu no sertão no final do século XIX, caracterizou-se em cangaço gigante, própria da zona pastoril, que embora não sendo nem original, nem exclusivo do sertão nordestino brasileiro, encontrou ali fatores que contribuíram decisivamente para moldar aquele padrão de comportamento. Desta forma, chegaram estes bandos a se “identificarem como um grupo ou subcultura,” (CHANDLER, 1980, p.17).
Em 1897, o primeiro cangaceiro de importância do final do século, começa sua trajetória. Manoel Batista de Moraes (1815-1944) que ficou conhecido no cangaço como Antônio Silvino, tornou-se bandido, depois de ter o pai e um irmão assinados por Desidério Ramos, um poderoso do lugar onde morava em Afogados da Ingazeira, sertão pernambucano. Durante 17 anos, atuou em quatro estados nordestinos, até ser preso em 1914 pela polícia pernambucana.
Ao contrário de Lampião Antônio Silvino conseguiu ser respeitado e elogiado pelos estudiosos do tema em questão.
Para Câmara Cascudo, ele era “valente, atrevido, arrojado, com gestos generosos e humanos, respeitador de damas e donzelas”.
Billy Jaynes Chandler, pesquisador norte-americano, também não lhe poupa elogios. Após ter sido preso na casa de detenção do recife, converteu-se ao protestantismo influenciou e muitos presos que acatavam seus conselhos e opiniões. Posto em liberdade condicional pelo presidente Getúlio Vargas, mudou-se para o Rio de Janeiro, aonde veio a falecer em 1944.
Quando Antônio Silvino fez sua entrada no cangaço em 1897, em Afogados da Ingazeira, em outro município próximo dali estava nascendo Virgolino Ferreira da Silva, que como parte integrante daquela região, poderia ter se tornado vaqueiro, almocreve ou artesão, confeccionando artefatos de couro, mas ironicamente influenciado pelos mesmos fatores que compunha o meio, veio este moço entortar sua biografia, seguindo uma carreira contrária as modalidades comuns do sertão. Desse modo de vida simples de camponês que não lhe concedia aspirar maior Status, veio este rapaz tornar-se o maior expoente do cangaço independente do início deste século.
Tomando como exemplo o próprio Antônio Silvino, Virgolino da Silva, batizado no cangaço como “Lampião”, tentado vingar a honra da família, que ao nosso ver, de acordo com o código de honra do sertão, é mais que um dever, é uma obrigação para o sertanejo, conseguiu formar o maior importante grupo de cangaceiros da região sertanejo, e impôs uma nova ordem guerreira ao Cangaço Independente.
Com ele, o cangaço ganhou um estilo próprio de ser, Ele quis “transformar o cangaço não apenas numa Assembléia de bandidos, sem futuro, mas num projeto microssocietal com pretensões fundadoras e desejo de perenizarão” (LINS, 1997, p.60.).
Durante quase duas décadas, atuou em sete estados nordestinos. Durante esse período, a organização do seu bando se assemelhou a disciplina militar. Os componentes militares tinham um modo próprio de se vestir. Usavam chapéus de couro, e nos ombros, e na cintura muitos cintos com cartucheiras.
A tática guerrilheira era empregada, com o objetivo de se obter bons resultados nos confrontos.
Místico, Lampião com seu bando rezavam num altar improvisado no meio da caatinga, e sempre traziam consigo orações ou talismãs para se defenderem.
Em tempo de paz nos esconderijo, apos as orações matinais, alguém do bando, geralmente um cangaceiro, era designado para preparar as refeições. Se fosse possível, o líder do bando interpretava os sonhos, que era levado a série pelo grupo, premonizando o que o futuro lhes reserva. Gitarana, um guerreiro que sabia escrever, às vezes era convocado para ler as notícias dos jornais. Também não dormiam sem antes rezarem e pedirem proteção. Os cangaceiros mais jovens pediam a benção a Lampião, que simbolicamente representavam o pai de todos. Quando no silêncio, perdidos na escuridão da noite, a morte os rondava, fazendo o coração rude daquela gente entristecer, o chefe pedia ao poeta (Gitarana) que declama uma poesia para afugentar a melancolia. Devido a intensa mobilidade do grupo, sempre fugindo das volantes, essa rotina não podia ser mantida no dia-a-dia.
Nos constantes combates com a polícia, Lampião demonstrou capacidade de comando e qualidade de estrategista, estes, entre muitos outros fatores foram decisivos para manter o bando atuando por quase 20 anos, nas caatingas do sertão.
Muito antes de ser morto pela volante do Capitão João Bezerra, em 1938, o herói já tinha virado lenda. Hoje, mais de um século se sua existência, o “rei dos cangaceiros”, continua presente na mídia, como um dos cangaceiros mais conhecidos e mais pesquisados do Ocidente.
Ele é parte inerente da nossa cultura, estando presente na literatura, no cinema, no teatro, na televisão, na música.
Pelo exposto, podemos perceber que o cangaço com todas as suas contrariedades, tinham seus códigos, suas leis, e apesar do terror que espalhou pelos sertões nordestinos não deixou de contribuir para o progresso da região e para a cultura de modo geral, tendo Lampião, não tivesse alcançado tamanha dimensão e expressão, nos leva a crer que o SERTÃO, não teria hoje a representatividade que nos mais perto da nossa verdadeira identidade de nordestinos.
Depois da morte de Lampião, Cristiano Gomes da Silva Cleto, conhecido no mundo do cangaço como “Corisco ou Diabo Louro”, comandou um pequeno grupo tentando vingar a morte do chefe, e cometeu atrocidades que fizeram o sertão gemer. Porém, diante das incertezas que apresentava o cangaço naquele momento, sem a presença do seu líder maior, acabaram ele e sua mulher Dada, sendo atacados pelos volantes que, estimulados pela chacina de angico, continuaram a perseguir os cangaceiros. Em 1940, teve fim oficial o movimento do Cangaço Independente.

FONTE: Monografia: LAMPIÃO E SEU GRUPO NOS IDOS DOS ANOS 1920. O CANGAÇO GOVERNANDO O SERTÃO. Autor:SANTOS, PAULO C. G DOS . SERRA TALHADA – PE
SETEMBRO DE 2009

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