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sábado, 13 de abril de 2013

Trabalho sobre Carlo Ginzburg


Trabalho desenvolvido no primeiro semestre de 2006 para o professor de Laboratório de textos Sidney Chalhoub.

Introdução

Nascido em 1939, ano de início da II guerra mundial, numa família judia, Ginzburg conheceu desde cedo a vida dura e cruel. Natural de Turim, Itália, e com um pai antifascista era natural que Ginzburg vivesse sobre uma pressão intensa e um medo constante. Próximo ao término da guerra conviveu ao mesmo tempo com a morte de seu pai e a ascensão de sua mãe na carreira de escritora. Todos esses fatores influenciaram, consciente ou inconscientemente, em muitas das decisões de Ginzburg ao longo de sua vida normal e acadêmica e provavelmente foram cruciais torna-lo esse grande escritor.
No entanto, o intuito dessa análise não é o de expor a história de Carlo Ginzburg, e sim às suas qualidades marcantes como historiador. O seu caráter analítico e minucioso de enxergar a História e a sua mobilidade dentro dela.

Caráter analítico: “Sinais”

Ao ler os livros de Carlo Ginzburg, torna-se bem clara a idéia da análise minuciosa de cada detalhe, pois em suas obras o ponto mais ínfimo para as pessoas em geral torna-se para ele um meio de novas descobertas; a principio essa idéia pode parecer bem contraditória, mas não é. Segundo seu ensaio, Sinais, é exatamente nos fatos mais negligenciáveis que se encontram as respostas mais abrangentes.
Esse ensaio, que deve se tornar um clássico para as próximas gerações, não é nada mais que um estudo analítico de um paradigma presente desde os princípios da história humana, cuja característica é a decifração do mundo e de nós mesmos a partir de indícios, buscando retirar de detalhes uma realidade complexa.
A primeira parte do ensaio se destina a decifrar características comuns a três pessoas do século XIX: Freud, Morelli e Conan Doyle. Morelli revolucionou a análise de quadros falsificados, pois, ao invés de observar os quadros através de características óbvias de cada autor, como traços fortes ou modelos de imagens, passou a notar nos quadros as características mais negligenciáveis como detalhes na orelha e detalhes nos dedos. Freud revolucionou a psicanálise com uma linha de raciocínio bastante parecida, baseou sua idéia na observação das pessoas a durante suas atitudes inconscientes e a partir desses dados pode fazer suposições sobre o indivíduo. E Conan Doyle praticamente criou o romance policial com seu personagem Sherlock Holmes que é um exemplo máximo desse paradigma, pistas que passariam desapercebidas aos olhos comuns, tornam-se a chave para a descoberta do crime.
Como o próprio Ginzburg disse: “Pistas: mais precisamente, sintomas (no caso de Freud), indícios (no caso de Sherlock Holmes) signos pictóricos (no caso de Morelli)”[1], e pode-se dizer: homens comuns da História no caso de Ginzburg.
Na segunda parte Ginzburg trás o histórico deste paradigma numa linha que vai desde os primeiros caçadores, até os gregos com sua medicina. Porém o ápice do capítulo se dá quando Ginzburg revela o paradigma galileano, que limita as duas grandes ciências hoje chamadas de exatas e humanas. A primeira estaria fundamentada na quantificação e repetibilidade dos fenômenos, já a segunda, na qualificação e na individualidade dos fenômenos, essas seriam as disciplinas indiciárias. Porém, vale ressaltar aqui que essas idéias são bem genéricas, pois, hoje vemos várias disciplinas sem um caráter específico, essas diferenciações se deram muitas vezes por concepções adotadas nos nossos dias, segundo Ginzburg uma dessas disciplinas é a filologia, pois, faz parte da nossa cultura adotar o texto como desvinculado de seu suporte, e assim o estudo literário é repetível. Já no final do capítulo o autor cita a biologia que nos últimos tempos tem caído muito mais para a quantificação do que para a qualificação. E no caso da história, foram feitas várias tentativas de enquadrá-la nesse contexto galileano, porém, apesar dessa visão nos dar uma grande quantidade de dados, esses são na sua maioria inúteis, e dificilmente revelam a verdade histórica. Nesse dilema Ginzburg mostra sua posição: “...elaborar, talvez às apalpadelas, um paradigma diferente, fundado no conhecimento do individual”[2]. Todavia, é certo que esse paradigma da história não existe e talvez jamais existirá; resta-nos continuar fazendo a história a partir de elementos vagos e com uma finalidade obscura.
No terceiro capítulo, Ginzburg discorre da necessidade de um controle qualitativo por parte do estado no século XIX, tratava-se do avanço dos métodos de identificação pessoal; essas começaram com a assinatura e tiveram seu ápice em1888 com a individualização através das marcas digitais. Tudo isso para que Ginzburg chegasse a uma célebre frase que resume seu pensamento: “ Se as pretensões de conhecimento sistemático mostram-se cada vez mais como veleidades, nem por isso a idéia de totalidade deve ser abandonada. Pelo contrário: a existência de uma profunda conexão que explica os fenômenos superficiais é reforçada no próprio momento em que se afirma que o conhecimento direto de tal conexão não é possível. Se a realidade é opaca, existem zonas privilegiadas - sinais, indícios - que permitem decifra-la”[3]. Porém deve-se ressaltar aqui que a intenção de Ginzburg com a prática indiciária na História não é retirar conclusões gerais sobre a humanidade, pois isso é impossível; mas sim retirar conclusões de determinada cultura em determinado período histórico, como ele fez em O queijo e os vermes.

O queijo e os vermes

Esse livro nada mais é do que a prática extrema das teorias posteriormente expressas no seu ensaio de nome Sinais, - já que o a obra foi produzida em 1976 e o ensaio em 1986 – nesse livro Ginzburg propõe estudar as classes subalternadas do século XVI através de um único indivíduo (Menochio), e pressupôs que esse indivíduo era como um porta-voz de toda uma cultura popular. Achou o documento por acaso no Arquivo da Cúria Episcopal em Udine em 1962, se interessou e anos mais tarde escreveu a famosa obra.
Porém, antes de mais nada é interessante situar o contexto em que se passou a história. Domenico Scandella conhecido como Menochio nasceu em 1532 em Montereale, uma aldeia do Friuli, era moleiro, o que supostamente dava acesso a outras classes da sociedade camponesa, mas o mais interessante é que ele sabia ler e escrever, o que o dava acesso a esse mundo literário, porém ele lia de forma diferente do que é normal da leitura de nosso século, pois ele retirava dos livros apenas o que interessava para sustentar suas idéias.
E foram essas idéias que complicaram a vida de Menochio. O livro gira, basicamente, em torno de dois interrogatórios nos quais Menochio responde as acusações de heresia.
O principio das idéias do moleiro se deu quando ele entrou em contato, através do livro de Mandavilla[4], com as várias religiões existentes no mundo, a partir desse ponto ele começou a se questionar se a Igreja Católica seria a única religião verdadeira, quem era Deus, quem era Jesus, como o mundo foi formado, entre outras tantas questões que começaram a borbulhar na cabeça do moleiro. Na dúvida ele fez sua própria religião.
O interessante é que ao contrário do que Gizburg propôs em Sinais Menochio não era um elemento comum, ou padrão de camponês, era, ao contrário, um sujeito atípico. Porém foi este utilizado pela falta de documentos que não só abracem pessoas mais normais da sociedade como também mostre sua cultura.
Ginzburg nesse livro parte do pressuposto de que as classes mais baixas da sociedade possuem uma cultura própria, independente da cultura da elite, mas por ser oral muito pouco dessa cultura chegou até nossos dias. Essas culturas teriam uma forte oposição, mas ao mesmo tempo se relacionariam entre si[5], ou seja, é possível encontrar elementos da cultura subalterna nos documentos da cultura dominante.
O que tornaria a história de Menochio digna de um livro de estudo histórico é o fato de que ele, supostamente, não mediu palavras frente à cultura dominante, e essas mesmas palavras foram anotadas e chegaram até nós, e segundo Ginzburg as respostas de Menochio não se basearam em algum livro; apesar dele retirar idéias da cultura escrita o seu modelo inicial não estava ali, e sim numa cultura oral supostamente existente. Digo supostamente, pois apesar de ser bastante válida a idéia das duas ou mais culturas em um mesmo ambiente que se relacionam entre si, isso não significa que ele seja apenas fruto dessas interações, o ser humano é suficientemente complexo para criar a sua própria teoria cosmológica, sem supostas influências.
Em todo caso a obra é totalmente inovadora. Ginzburg trabalha com os dados que dispõe de forma excepcional, retirando máximo possível de cada pequeno detalhe, em tópicos muito bem organizados e uma seqüência bastante coerente ligando os fatos de forma singular; além de que Ginzburg foi atrás do máximo de fontes possíveis, tomando conhecimento e as vezes até lendo algumas obras como o Il Fioretto della Bibbia e o Cavallier Zuanne de Mandavilla para confirmar sua análise. Enfim, um exemplo a ser seguido.

A neutralidade de Carlo Ginzburg

Em 1998 Ginzburg deu uma entrevista bastante reveladora para livro As muitas faces da história em que temos uma clara visão das ideologias desse impressionante historiador.
Apesar do sucesso de sua obra Ginzburg é contra o conceito de tornar esse tipo de narrativa conhecido como micro-história como modelo para a escrita da História, mas deseja uma história feita sobre vários ângulos, “...não houve ainda um Galileu ou Newton que criasse um paradigma da histórica, e talvez jamais haja. Assim, se pensarmos nos historiadores através do mundo, é impossível dizer que este ou aquele não pertence a profissão porque está fora do paradigma”[6]. Na verdade com O queijo e os vermes Ginzburg tinha intenção contrária, que é o de abrir novos ramos para a historiografia e assim chegarmos mais próximos da história total.
Além da diversidade de abordagens Ginzburg também possui uma diversidade de temas em seus livros, ele não é especialista em nada, estando envolvido em vários domínios e projetos diferentes, a isso ele chama de euforia da ignorância, o que dá fôlego para ele é exatamente o não saber determinado assunto.
Para completar, Guinzburg não é adepto de nenhuma filosofia e nenhum ideal político, o que dá a ele uma extrema mobilidade dentro da história, abordando-a sobre várias perspectivas diferentes e com menos idéias pré-concebidas. Fazendo uma analogia com a política, Ginzburg é um historiador de centro; livre para falar do que ele quiser do jeito que ele quiser.
Enfim, na sua visão, quanto mais a história se fragmentar, quanto mais assuntos tratar, melhor, o medo dele é exatamente o inverso, que as pessoas passem a ver a história sob um único prisma.

[1] Carlo Ginzburg, “Sinais: raízes de um paradigma indiciário”, em Mitos, emblemas e sinais. Morfologia e História, pp. 150
[2] Carlo Ginzburg, “Sinais: raízes de um paradigma indiciário”, em Mitos, emblemas e sinais. Morfologia e História, pp. 163
[3] Carlo Ginzburg, “Sinais: raízes de um paradigma indiciário”, em Mitos, emblemas e sinais. Morfologia e História, pp. 167
[4] Cavallier Zuanne de Mandavilla, tradução italiana, reimpressa muitas vezes até o final do século XVI, do famoso livro de viagem, escrito em meados do século XIV e atribuído a um fantasmagórico sir John Mandeville.
[5] Referência ao autor Bakhtin
[6] Entrevista de Carlo Ginzburg em As muitas faces da história. Nove entrevistas, pp
. 294















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