DOS CRIMES CONTRA A LIBERDADE INDIVIDUAL
Os crimes contra a liberdade individual encontram-se tipificados em uma
subclasse do Título I, do Código Penal, que são os crimes contra a pessoa. Ao
lado da honra, da vida e da integridade física, a liberdade individual é um bem
da pessoa e deve ser resguardada.
A liberdade protegida nesta subclasse do Código Penal compreende o querer, o
determinar-se, o agir, o movimentar-se, a casa, a correspondência, o segredo de
certas formas de atividade individual e a essência
civil do homem livre. O delito, segundo E. Magalhães Noronha, consiste na lesão
ou exposição a perigo de qualquer dessas manifestações de liberdade.
1.DOS CRIMES CONTRA A LIBERDADE PESSOAL:
Esta categoria de crime é decorrência do disposto no art. 5º, II, da
Constituição Federal, que dispõe: “ninguém será obrigado a fazer ou a deixar de
fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. A mesma consiste na liberdade de
autodeterminação, incluindo a liberdade de pensamento, de escolha, de vontade e
de ação do indivíduo. Sua finalidade é garantir ao cidadão que o mesmo não
tenha sua liberdade restringida, por algo que não está obrigado por lei ou
decisão judicial, seja pelo próprio Estado ou por outros cidadãos.
Há quatro espécies de crimes contra a liberdade pessoal, tendo como objeto
jurídico o citado acima. São eles:
a) CONSTRANGIMENTO ILEGAL:
Art. 146, do CP: “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou
depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de
resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda:
Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.
Aumento de pena
§ 1º - As penas aplicam-se cumulativamente e em dobro, quando, para a execução
do crime, se reúnem mais de três pessoas, ou há emprego
de armas.
§ 2º - Além das penas cominadas, aplicam-se as correspondentes à violência.
§ 3º - Não se compreendem na disposição deste artigo:
I - a intervenção médica ou cirúrgica, sem o consentimento do paciente ou de
seu representante legal, se justificada por iminente perigo de vida;
II - a coação exercida para impedir suicídio.”
O verbo “constranger” utilizado na redação do artigo tem como significado
coagir, compelir, forçar, obrigar alguém, no caso, a fazer ou deixar de fazer
algo que por lei não está obrigado. Há na redação duas situações necessárias
para a caracterização do tipo penal: o constrangimento por parte do coator,
seguido da ação ou omissão por parte do coagido.
O objeto jurídico específico deste delito é a liberdade do cidadão de fazer ou
não o que entender.
Os meios de execução do constrangimento ilegal consistem no emprego de
violência, grave ameaça ou qualquer outro meio que reduza a capacidade de
resistência do ofendido. A violência não será, necessariamente sobre o
ofendido, poderá ser contra terceira pessoa ou coisa que o coagido está tão
vinculado que seja tolhido na sua faculdade de ação (ex.: tirar as muletas de
um aleijado). Já a coação sob grave ameaça consiste na violência moral, a
promessa da prática de um mal (grave), iminente ou futuro. Por fim, cita
Fernando Capez, como exemplo de qualquer outro meio que reduza a capacidade de
resistência: a hipnose, os narcóticos, o álcool. Utilizando-se destes meios o
coator reduz a capacidade do agente para que o mesmo realize a conduta por ele
desejada.
O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, por tratar-se de crime comum. O
sujeito passivo, da mesma forma pode ser qualquer indivíduo, desde que possua
capacidade de querer, tendo consciência de que a sua liberdade de querer está
sendo retirada.
O crime consuma-se no momento em que a vítima faz ou deixa de fazer algo, da
forma que o criminoso desejava. A tentativa é possível, na hipótese em que o
ofendido não se submete à vontade do agente, apesar da violência, grave ameaça
ou qualquer outro meio empregado.
A ação penal é pública incondicionada, porém, por tratar-se de delito de menor
potencial ofensivo (pena inferior a 02 anos), será processado e julgado no
Juizado Especial Criminal, e poderá haver a suspensão condicional do mesmo.
b) AMEAÇA:
Art. 147, do CP: “Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer
outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave:
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
Parágrafo único - Somente se procede mediante representação.”
A conduta típica consiste em ameaçar (intimidar, anunciar ou prometer castigo
ou malefício).
Os meios de execução são: mediante palavras, escritos, gestos ou qualquer outro
meio simbólico (ex.: pendurar uma caveira na porta da casa da vítima). Da mesma
forma que no crime descrito acima, a ameaça pode ser direta à vitima ou a
terceira pessoa ligada a ela. Também poderá ser de forma expressa ou condicionada
a determinado evento.
Os requisitos legais para a caracterização do tipo são: prenuncia de mal
injusto e grave. Na falta destes, a conduta será considerada atípica.
Entende-se como injusto aquele em que o sujeito não tem apoio legal para
apoiá-lo (ex.: dizer a alguém que irá sequestrá-lo é injusto, pois ninguém tem
o direito de sequestrar outra pessoa, já anunciar uma demissão por ter se
apropriado de bens da empresa não caracteriza, o empregador tem o direito de
fazer isso). Grave é a extensão do dano, o mal prometido deve ser de
importância capital para a vítima, a ponto de intimidá-la.
Não há crime de ameaça na promessa de mal impossível de ser realizado (ex.:
“farei com que um raio parta a sua cabeça”).
O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, por tratar-se de crime comum. O
sujeito passivo deve ter capacidade de entender, estando sujeita à intimidação.
Não pode a pessoa jurídica ser sujeito passivo por faltar-lhe a liberdade
psíquica.
O delito consuma-se no momento em que a vítima toma conhecimento da ameaça,
independentemente se sentir-se ameaçada ou de consumar-se o mal, desde que
comprovada a ameaça. Constitui-se um crime formal. Há a possibilidade de
tentativa, mesmo sendo um crime formal, um exemplo citado por Capez é o
extravio de carta ameaçadora.
Como citado no parágrafo único do artigo, trata-se de ação pública condicionada
à representação da vítima. Será processado e julgado da mesma forma que o crime
de constrangimento ilegal.
Distinção entre Constrangimento Ilegal e Ameaça: no constrangimento ilegal o
agente tem o dolo de intimidar a vítima por meio compulsivo (psicológico,
físico, químico, biológico) ilegal, a realizar conduta, omissiva ou comissiva;
na ameaça condicional, o agente apenas quer incutir no paciente medo. Portanto,
no constrangimento ilegal, a ameaça é um meio; enquanto na ameaça condicional
ela é um fim. Ora, no primeiro é possível haver o constrangimento ilegal por
meio da ameaça e no outro a ameaça é fundamental. Por isso se dizer que o
delito de ameaça é subsidiário ao delito de constrangimento ilegal, mesmo que
sejam dois delitos distintos.
c) SEQUESTRO E CÁRCERE PRIVADO:
Art. 148, do CP: “Privar alguém de sua liberdade, mediante seqüestro ou cárcere
privado:
Pena - reclusão, de um a três anos.
§ 1º - A pena é de reclusão, de dois a cinco anos:
I – se a vítima é ascendente, descendente, cônjuge ou
companheiro do agente ou maior de 60 (sessenta) anos;
II - se o crime é praticado mediante internação da vítima em casa de saúde ou
hospital;
III - se a privação da liberdade dura mais de quinze dias.
IV – se o crime é praticado contra menor de 18
(dezoito) anos;
V – se o crime é praticado com fins libidinosos.
§ 2º - Se resulta à vítima, em razão de maus-tratos ou da natureza da detenção,
grave sofrimento físico ou moral:
Pena - reclusão, de dois a oito anos.”
Tem como objeto jurídico a liberdade de locomoção e deslocamento, a liberdade
de movimento no espaço.
A distinção entre os termos “sequestro” e “cárcere privado” é a seguinte: no
sequestro a privação não é de confinamento, este se dá no cárcere privado (ex.:
manter uma pessoa em um sítio ou em um quarto fechado).
Normalmente, os crimes de sequestro e cárcere privado funcionam como meio para
consumação de outros delitos, de maneira que se o objetivo for a obtenção de
vantagens financeiras, o agente incorrerá no crime previsto no artigo 159 do
Código Penal, extorsão mediante sequestro, ao passo que se o agente não tiver
animus de auferir vantagem, o crime será de constrangimento ilegal mediante
sequestro.
Pode se dar como detenção (levar a vítima para outra casa e prendê-la) ou
retenção (impedir que a vítima saia de casa).
Como nos demais delitos, trata-se de crime comum, podendo qualquer pessoa
cometê-lo ou ser vítima de um (sujeito ativo e passivo). No caso da vítima, não
depende de qualquer pré-requisito, nem ao menos de entendimento. Até mesmo os
presos, que já possuem privação de liberdade, poderão ser sujeitos passivos,
restringindo-se sua locomoção, por exemplo, dentro da cela que cumprem sua
pena, sendo amarrados.
A consumação ocorre no instante em que a vítima é privada de locomoção. Caso o
crime perdure, o mesmo ocorrerá com a consumação, ficando autorizada a prisão
em flagrante do agente enquanto perdurar a privação ou restrição de liberdade.
É um crime material.
A tentativa é possível, havendo um iter criminis a ser fracionado. Porém, a
privação da liberdade ainda não poderá ter sido efetivada, a privação ou
restrição, ainda que momentânea, já é suficiente para a consumação do delito.
Trata-se de um crime de ação pública incondicionada e está sujeito ao rito
comum e ordinário.
d) REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO:
Art. 149, do CP: “Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer
submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a
condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua
locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto:
Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à
violência.
§ 1o Nas mesmas penas incorre quem:
I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com
o fim de retê-lo no local de trabalho;
II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de
documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de
trabalho.
§ 2o A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:
I – contra criança ou adolescente
II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.”
Trata-se da completa sujeição de uma pessoa ao poder de outra. O sujeito ativo
apodera-se, totalmente, da liberdade do outro, assemelhando-se, tal situação da
existente nos senhorios. Tal ocorre com o emprego de fraude, ameaça, violência
e redução do salário.
É crime comum, podendo qualquer pessoa ser o sujeito ativo. O sujeito passivo,
da mesma forma, pode ser qualquer pessoa, sendo irrelevante o consentimento.
O crime consuma-se quando o agente reduz a vitima a condição análoga à de
escravo. É crime permanente.
Pode ocorrer a tentativa caso o agente não logre êxito em sua empreitada, mesmo
utilizando-se de violência, ameaça, etc.
2.DOS CRIMES CONTRA A INVIOLABILIDADE DO DOMICÍLIO
Objeto Jurídico
A Constituição Federal em seu artigo 5º, XI, garante a proteção da tranquilidade
e segurança da pessoa em sua vida privada, no seu lar, contendo penalmente, no
artigo 150 do Código Penal, perturbação, invasão da vida íntima e de seu
domicílio, por terceiros. Tutela a tranquilidade do indivíduo em determinado
espaço privado.
Sujeitos do Delito
Por ser crime comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa o sujeito ativo
pode ser qualquer um, inclusive o proprietário do imóvel, quando a posse
estiver legalmente com terceiro, como nos casos de locação, arrendamento e
comodato, e ex-cônjuge ou ex-companheiro que adentrar na residência da vítima
sem o seu consentimento.
Cabe ao morador ou quem o represente admitir ou não a entrada de alguém em seu
espaço privado. Sendo o sujeito passivo do crime, aquele a quem couber essa
faculdade legal.
Elemento Objetivo
Segundo o dispositivo legal, a entrada pode ser:
→ Clandestina- feita às escondidas, sem que o morador tenha conhecimento.
→ Astuciosa- se utiliza de fraude, artifício, para induzir o morador a
consentir a entrada ou permanência do agente na habitação.
→ Ostensiva- a entrada ou permanência é realizada contra a vontade (expressa ou
tácita) de quem tem o direito. Cabe salientar, que a proteção legal desse
direito destina-se àquele que ocupa o espaço, não o titular da propriedade, pois
é tutelado, como antes referido, o direito à tranquilidade e segurança no
espaço doméstico e não o direito à posse ou propriedade. Em regra, casa
habitada por família, cabe a todos que representem os cônjuges (ascendentes,
descendentes, tios, primos, empregados...) exercer o direito de admissão ou
exclusão.
Elemento Subjetivo
É o dolo que consiste na vontade livre e consciente do agente, de violar o
domicílio, sem consentimento do morador. Haverá erro de tipo se o agente
ingressar em casa alheia supondo ser a sua.
Não exige qualquer fim ou propósito especial de agir. Quando a entrada ou
permanência for o próprio fim da conduta praticada, caracteriza-se como delito
autônomo, mas, quando pratica como meio para o cometimento de outro crime, é
absorvido por este, por exemplo no furto em residência, é o que acontece no
concurso de crimes. Se, contudo, o agente desistir desse propósito criminoso,
não realizando nenhuma subtração, reponderá pelos atos já praticados, ou seja,
pela violação de domicílio.
Objeto Material
Conforme artigo 150, § 4º, em seus incisos, a entrada ou permanência deve
dar-se em casa alheia ou em suas dependências. Entende-se por “casa”: qualquer
compartimento habitado (casa, apartamento, trailers, iate), móveis ou imóveis;
aposento ocupado de habitação coletiva(hotel, pensão), mas somente protegida a
parte ocupada privativamente, não as de uso comum; compartimento não aberto ao
público, onde alguém exerce profissão ou atividade (escritório, consultório),
ressalva-se, contudo, que a parte aberta ao público não é objeto de proteção
legal.
Entende-se por “dependências da casa”, os lugares que a complementam, mesmo que
não unidos materialmente (garagens, quintais, celeiros), desde que cercados ou
em recinto fechado, pois do contrário, não há proteção legal a ingresso de
estranho.
Segundo o § 5º, do mesmo artigo, não entendem como “casa”: hospedaria,
estalagem ou qualquer outra habitação coletiva, enquanto aberta, salvo a parte
privada ocupada pelos moradores; e as tabernas, casa de jogo e outros do mesmo
gênero, onde o acesso é liberado ao público, como no caso de bares,
restaurantes, casas lotéricas, lojas, com exceção do compartimento onde se
exerce a profissão ou atividade não aberta ao público, como por exemplo , o
escritório da loja instalado nos fundos da mesma, não podendo este ser violado.
Consumação
Na conduta de entrar, o crime é instantâneo, pois consuma-se em um instante,
sem continuidade
no tempo.
Na conduta de permanecer, o crime é permanente, pois o momento consumativo se
prolonga no tempo, agredindo o bem jurídico de forma contínua. O fim da conduta
depende da vontade do agente.
Se o agente é convidado a ingressar em casa alheia, sendo depois solicitada a
sua retirada, insistindo o convidado em lá permanecer, o delito é consumado,
mas é exigida uma certa duração de tempo da hesitação do agente.
Tentativa
Não há consenso entre os doutrinadores quanto à possibilidade de tentativa no
crime de violação de domicílio, mas em tese é admissível, quando sua entrada ou
permanência não se efetivam, por circunstâncias alheias à sua vontade. Por
exemplo, quando o agente é surpreendido e preso no momento em que está pulando
a janela para entrar na casa.
Formas
O crime de violação de domicílio pode ser praticado de forma simples (artigo 150,
caput), tendo como pena, detenção de 01 a 03 meses ou multa, ou de forma
qualificada ( artigo 150, § 1º), o qual cabe pena de 06 meses e 02 anos de
detenção, além da majoração da pena se cometido durante a noite, ou em lugar
despovoado, ou com emprego de violência ou arma , e ou ainda praticado por duas
ou mais pessoas.
No artigo 150, o § 2º prevê o aumento da pena se o crime for praticado por
funcionário público, se inobservadas as formalidades estabelecidas em lei ou se
agir com abuso do poder.
Já no § 3º, expressa a exclusão da ilicitude, não constituindo crime de
violação de domicílio a entrada ou permanência em casa alheia ou em suas
dependências durante o dia, com observância das formalidades legais, para
efetuar prisão ou diligência, ou, a qualquer hora do dia ou da noite, quando
algum crime está sendo ali praticado ou na iminência de o ser, como por exemplo
para prestar socorro ao morador. Além das excludentes gerais, elencada no
artigo 23 do Código Penal, sendo a legítima defesa , o estado de necessidade, o
exercício regular do direito e o estrito cumprimento do dever legal.
Ação Penal
Depois da entrada em vigor da Lei 10.259/2001, e posteriormente da lei
9.099/1995 alterada pela Lei 11.313/2006, os crimes que a lei impor pena máxima
igual ou inferior a 02 anos de reclusão ou detenção, são consideradas infrações
de menor potencial ofensivo, está submetido então, ao procedimento dos Juizado
Especiais Criminais, tanto da Justiça Comum Estadual quanto da Justiça Federal.
Sendo a suspensão do processo cabível em qualquer hipótese do artigo 150 do
Código Penal, vez que a pena mínima prevista não ultrapassa 01 ano.
3.DOS CRIMES CONTRA A INVIOLABILIDADE DE CORRESPONDÊNCIA
"É inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas,
de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem
judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de
investigação criminal ou instrução processual penal".
Dra. Maria Helena Diniz, Inviolabilidade de Correspondência: "Direito
constitucional e direito penal. Garantia pela qual se respeita o sigilo de
correspondência, sob pena de detenção ou multa àquele que, sem autorização,
vier a devassar o conteúdo de carta ou telegrama".
Por ser crime comum será sujeito ativo qualquer pessoa, exceto remetente e
destinatário, que venha a violar a correspondência. Poderá ocorrer
qualificadora se houver abuso de função em serviço postal
Tanto remetente, quanto destinatário estão protegidos pela indiscrição de
outrem. Enquanto a correspondência não chegar ao destinatário, o remetente
mantém seu direito ao seu conteúdo
É, portanto, o violador de correspondência, o sujeito que responde pelo crime
constitucional e passivo da penalidade que lhe imputa o nosso Código Penal.
É incontestável que o sigilo à correspondência é direito do cidadão, porém, não
é direito absoluto. Sendo assim, há hipóteses em que haverá a permissão do
acesso ao conteúdo da correspondência, seja para fins de investigação, seja
para instruir eventual processo penal, seja para se evitar uma nova infração
penal.
4.DOS CRIMES CONTRA A INVIOLABILIDADE DOS SEGREDOS
Divulgação de Segredo
Constitui delito o fato de divulgar a alguém, sem justa causa, conteúdo de
documento particular ou de correspondência confidencial, de que é destinatário
ou detentor, e cuja divulgação possa produzir dano a outrem (CP art. 153).
A objetividade jurídica é o resguardado de fatos da vida cujo conhecimento pode
causar dano a terceiro. O CP, em outras disposições, protege também o segredo, não
de forma imediata como ocorre aqui, mas de maneira secundária. Isso ocorre nos
crimes descritos nos arts. 186, § 1º, XII, 325 e 326.
Segredo é tudo aquilo que diz respeito tão-somente à vida íntima da pessoa. É o
que circula no âmbito de um lar, dos fatos do cotidiano ou nas relações entre
próximos. Violar o que um indivíduo mantém como sigilo pode acarretar-lhe danos
não apenas a ele mas a outrem. O Estado considera a inviolabilidade dos
segredos como direito individual da pessoa, tutelado no art. 5º, inc. X, da
Constituição Federal de 1988: "são invioláveis a intimidade, a vida
privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização
pelo dano material ou moral decorrente de sua violação".
O objeto material do delito de divulgação de segredo é o documento particular
ou correspondência confidencial. Pode ser qualquer escrito fixado por uma
pessoa, em meio apto a transmissão, contendo um pensamento, vontade, narrativa
etc. O documento particular deve ter natureza sigilosa, de algo que se quer que
permaneça oculto. Esse caráter resulta da vontade expressa ou tácita da pessoa,
e da própria natureza do conteúdo. Por correspondência confidencial, entende-se
toda comunicação interpessoal realizada por meio capaz de transmitir o
pensamento (carta, telegrama, bilhete etc.), contendo assunto cujo conhecimento
deva restar circunscrito ao destinatário ou a determinadas pessoas.
Sujeito ativo do delito é o detentor ou destinatário do segredo. Trata-se,
assim de crime próprio. O fato não pode ser cometido por qualquer pessoa. Como
diz a exposição de Motivos do CP de 1940, “ao incriminar a violação arbitrária
de segredos, o Projeto mantém-se fiel aos moldes do Código em vigor, salvo uma
ou outra modificação. Deixa à margem da proteção penal somente os segredos
obtidos por confidência oral e não necessária”. Assim, ficam fora da proteção
penal as confidências obtidas por meio verbal. Isso porque o art. 153 do CP
fala em divulgar “conteúdo de documento particular ou de correspondência
confidencial, de que o sujeito é destinatário ou detentor”. É necessário que a
confidência tenha sido manifestada ao destinatário ou ao detentor por
intermédio de documentos particular ou de correspondência confidencial.
Sujeito passivo é aquele que pode sofrer dano em conseqüência da conduta do
sujeito. De acordo com a descrição típica, é preciso que a divulgação “possa
produzir dano a outrem”. Esse “outrem” é o sujeito passivo do delito. Pode ser
o remetente, o destinatário ou terceiro qualquer.
O fato só e punível a título de dolo, que consiste na vontade livre e
consciente de divulgar a alguém o conteúdo da correspondência, abrangendo o
conhecimento da ilegitimidade do comportamento, de sua qualidade confidencial e
da probabilidade de dano a terceiro. Não é admissível a figura culposa.
Trata-se de crime formal. Consuma-se no momento da realização da conduta,
independentemente da produção de qualquer resultado. Desta forma, para
existência do delito, não é necessário que a divulgação cause prejuízo
econômico ou moral a terceiro. Tanto assim que o CP usa a expressão “cuja
divulgação pode produzir dano a outrem”.
O delito consuma-se no momento da revelação do segredo a terceiro. A execução
pode manifestar-se por qualquer meio idôneo a divulgar um segredo: oral,
escrita, gestos, correspondência etc.
Admite-se a tentativa, desde que a revelação não ocorra por circunstâncias
alheias à vontade do agente. Para Damásio, no caso de tentativa, deve a
divulgação ser feita por via escrita. Segundo Noronha, o delito do Código se
contenta com o potencial dano -"possa produzir"- e "não impõe
que o crime não seja fracionável, que não tenha um iter. Seria o exemplo do
agente pregando cartaz em que divulga um segredo e é surpreendido pelo
interessado.
A ação penal é pública condicionada à representação. A pena é de detenção, de
um a seis meses, ou multa. O par. 2º do art. 153 dispõe sobre a divulgação de
"informações sigilosas e reservadas, assim definidas em lei, contidas ou
não nos sistemas de informações ou banco de dados da Administração
Pública". Para esta hipótese, a ação é pública incondicionada, e a pena é
de detenção, de um a quatro anos, e multa.
Violação de Segredo Profissional
É sabido que em determinados ramos da atividade profissional, deve-se preservar
o que é confidenciado por quem busca certa assistência, porque não há outro
modo de ter-se a resolução de um problema. Casos são dos que recorrem a um
advogado, um médico, um odontologista etc., e ninguém, obviamente, quer ver
tais profissionais revelando o que passou-se dentro do escritório ou do
consultório. Para tanto, essas classes possuem seus próprios códigos de ética
profissional, a fim de também evitar constrangimentos desse tipo. Um sacerdote,
por exemplo, não pode contar pelas ruas o que foi-lhe sussurrado no confessionário.
Se um segredo chegar ao ouvido de terceiro pode acarretar ao cliente,
confidente, quem seja, dano à sua honra ou imagem.
Se não fossem os fatos secretos conservados contra a divulgação abusiva,
restaria seriamente abalada a estabilidade da vida de relação. E isso porque a
vida em sociedade obriga o indivíduo a recorrer aos serviços prestados por
certas pessoas, revelando-lhes fatos íntimos integrantes da denominada esfera
de segredo.
Sujeito ativo é quem revela segredo alheio confiado no exercício de função,
ministério, ofício ou profissão.
Para configurar-se o delito em estudo, a revelação deve ser feita sem justa
causa, como prescreve o art. 154. O estado de necessidade e a legítima defesa
são entendidos como justa causa. Régis Prado cita dois exemplos que ilustram o
preceito: evoca o estado de necessidade o médico que, na recusa do paciente de
submeter-se a um tratamento, expondo perigo sua saúde ou vida, relata o estado
clínico a alguém capaz de convencê-lo; e escusa-se do delito o médico ginecologista,
acusado de atentar contra o pudor de uma paciente, expondo a natureza de seus
serviços, revelando segredo de que tem ciência, em legítima defesa, explicando
que não passa de uma alucinação produzida por doença mental da paciente. O
ilustre jurista também cita como exemplo de legítima defesa, o caso do advogado
que alerta a autoridade da iminência manifestada de seu cliente de praticar
homicídio. No sentido do sigilo profissional do médico, uma decisão do Tribunal
de Alçada Criminal de São Paulo prescreveu: "não há de se falar em
violação do sigilo profissional do médico como pretexto para descumprir
determinação judicial, se a requisição judicial do prontuário do paciente é
fundada em convencimento do Juiz e ao justo equacionamento da lide, conforme
interpretação do art. 154 do CP e do art. 339 do CPP".
O fato só é punível a título de dolo, abrangendo o conhecimento da ilegalidade
da conduta e da probabilidade de dano a terceiro. Inexiste a modalidade
culposa.
Sujeito passivo é a pessoa que teve um segredo confiado a alguém, para receber
determinada assistência, e teve divulgado ilegitimamente esse segredo. Para
ocorrer o delito do art. 154, a violação de segredo profissional deve acarretar
dano. Não há necessidade do sujeito passivo de que o confidente do segredo seja
o titular do bem jurídico. Régis Prado e Monteiro de Barros citam o exemplo da
esposa que relata a doença do marido ao médico e este vêm a divulgá-la.
Consuma-se o delito pela revelação do segredo a outrem. A simples transmissão
de segredo a terceiro é suficiente para ocorrer o crime do art. 154, isto é,
não há necessidade de causar dano efetivo, mas apenas a probabilidade do mesmo.
É um delito instantâneo, mas se, por exemplo, fixar-se um cartaz revelando um
segredo profissional, aquele pode passar a ser permanente.
O parágrafo único do art. 154 dispõe que "somente se procede mediante
representação". Trata-se de ação penal pública condicionada. Significa que
o Promotor Público não pode oferecer denúncia sem que a representação conste
dos autos do inquérito policial. Se a vítima é menor de 18 anos ou interdito, o
direito de representação compete ao representante legal. A pena é de detenção,
de três meses a um ano, ou multa.
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