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domingo, 2 de dezembro de 2012

Direito Administrativo: A regra da (ir)responsabilidade civil do Estado por ato legislativo


Os que mantêm essa posição o fazem em especial com fundamento na monografia de Maria Emília Mendes Alcântara, que supõe pelo menos cinco motivos capazes de obstaculizar o reconhecimento da responsabilidade do Estado por atos legislativos. São eles: a) a lei é um ato de soberania, e como tal se impõe a todos, sem que se possa reclamar qualquer compensação; b) o ato legislativo cria uma situação jurídica geral, objetiva, impessoal, abstrata, não podendo atingir situação jurídica individual e concreta, pois se aplica a todos e por igual; está, por isso, segundo a maioria da doutrina e jurisprudência, ao abrigo da responsabilidade, salvo se o legislador, expressamente, reconhecer a responsabilidade extracontratual do Estado; c) a lei nova não viola direito preexistente; d) a determinação da responsabilidade estatal por atos legislativos paralisaria a evolução da atividade legislativa, pois se se impedisse o legislador de desempenhar suas funções, atender-se-ia mais aos interesses particulares, obstando o progresso social; e) o prejuízo causado por ato legislativo foi provocado pelo próprio lesado, que, por ser membro da sociedade, elegeu seus representantes para o Parlamento, conseqüentemente, não se poderá falar em responsabilidade do Estado pelas lesões dele oriundas.

Os argumentos acima expostos não procedem, senão vejamos:

1.A lei como ato emanado do Legislativo não é ato emanado de Poder soberano, uma vez que a soberania é atributo do Estado como um todo, como entidade titular máxima do poder político. No máximo os três Poderes, individualmente considerados, não obstante exerçam suas atribuições como componentes do Estado, e o façam em seu nome, não são soberanos. Apenas implementam e tornam factível, na medida em que exercem as suas funções, a soberania estatal. Fosse o exercício de parcela da soberania causa excludente da responsabilidade, não se cogitaria da obrigação de indenizar do Executivo . Ademais, não só o legislativo quanto os demais Poderes devem se submeter à Constituição;

2.A generalidade e abstração da lei por si só não garantem a irresponsabilidade estatal por ato legislativo, vez que foi "justamente com fundamento no cânone da isonomia, que se atribuiu a responsabilidade do Estado quando, mesmo através da manifestação de sua atividade legiferante em compasso com a Constituição, venha a prejudicar o exercício de atividade lícita pelo particular, causando-lhe prejuízos. Não se pode desconhecer que a crescente intervenção estatal tem acarretado o fenômeno consoante o qual a lei, visando tutelar o interesse coletivo, culmina por impor sacrifícios especiais e anormais a parcelas de administrados. Ademais, o mito, tributado a Rousseau, de que a lei não pode conter injustiça, em virtude de representar a decisão de todo um povo (vontade geral), deliberado para a coletividade inteira, por intermédio de normas gerais e comuns, não mais resiste aos tempos contemporâneos, sendo prova insofismável disto a supremacia da Constituição, justificativa para a invalidação judicial dos comandos daquela." ;

3.Não é verdade que a lei nova, por ser um mecanismo de acompanhamento do progresso e evolução social, revogando (não violando) o direito preexistente, é causa excludente da responsabilidade estatal justamente porque não viola direitos. Pensar que a lei nova pode sempre anular, sem violar, todo e qualquer direito preexistente é "aniquilar a proteção dos direitos adquiridos que, no caso brasileiro, consubstancia-se em franquia constitucional (art. 5°, XXXVI, da CF)." ;

4.A possibilidade de o Estado vir a indenizar por atos legislativos não pode ser causa de paralisação da atividade legislativa, primeiro porque não será o Legislativo o Poder que figurará no pólo passivo da demanda indenizatória, por absoluta ilegitimidade passiva ad causam, depois porque o Executivo já vem respondendo por seus atos sem que isso seja apontado como causa de uma paralisação administrativa;

5.Não há porque cogitar da exclusão da responsabilidade do Estado por ato legislativo em função de que o dano foi causado pelo próprio lesado na medida em que os Parlamentares foram eleitos pelo povo. O povo não dá a seus Parlamentares um cheque em branco, garantindo-lhe a irresponsabilidade por todos os seus atos, inclusive os de natureza política, vez que esses atos, por exemplo, deve obediência à Constituição Federal. Aliás, o fato de o povo eleger os representantes do Poder Executivo jamais foi utilizado para excluir a responsabilidade dos funcionários público que, no mais das vezes, atuam em obediência às determinações hierárquicas daqueles.

Quanto ao questionamento se esta responsabilidade vai se dar de forma objetiva ou subjetiva pegamos carona nas lições de Caio Mário da Silva Pereira, que apoiado em Brunet diz: "Ora, se é impossível construir uma teoria subjetiva da responsabilidade do legislador, é contudo viável entender que toda sociedade organizada supõe a realização de um equilíbrio entre os direitos do Estado."

Lembramos ainda de Yussef Said Cahali, que contestando Hely Lopes Meirelles, diz: "Parece-nos que este entendimento sujeita-se a dupla contestação: a) a delegação popular objetiva o fazimento de leis conforme a Constituição pelos representantes do povo; b) a responsabilidade do Estado, segundo a regra constitucional, não pressupõe "demonstração cabal de culpa"."

Ante os argumentos expostos, vê-se que, vislumbrado a ocorrência de dano injusto, a regra é a da responsabilidade civil objetiva do Estado por ato legislativo.

A responsabilidade civil objetiva do Estado por ato legislativo inconstitucional

A primeira e mais comentada hipótese de responsabilização do Poder Público por ato legislativo ocorre com a prática de atos baseados em leis declaradas inconstitucionais ou pelo exercício inconstitucional da função de legislar.

Neste diapasão concordamos com Cavalieri quando este afirma que a lei inconstitucional enquanto permanecer na abstração e não for aplicada não é capaz de gerar dano a ninguém, ou seja, não atinge direitos subjetivos de quem quer que seja. Contudo, não é possível concordar com o notável Magistrado e Professor carioca quando ele afirma que o agente causador do dano passível de reparação é o ato administrativo que deu aplicação à lei.

Se é verdade que, de regra, os danos são causados diretamente por atos administrativos que visam executar os comandos legais, salvo quando a lei dispõe sobre destinatários individualizados, onde se vê que o dano advém diretamente da lei, também o é que nas duas hipóteses a origem primeira do dano é a norma legal , sendo esta conclusão razão suficiente para que a pessoa federativa responsável pela promulgação (União, Estado ou Município) seja responsabilizada.

"O que é imprescindível é que se verifique o nexo causal entre a lei inconstitucional e o dano ocorrido", portanto é pressuposto do direito à indenização o reconhecimento da inconstitucionalidade da norma legal.

Apesar do entendimento do Ministro Demócrito Reinaldo no Resp. n° 121.812-PR (STJ, 1ª T., m.v., DJU de 19.10.1999) segundo o qual a responsabilidade do Estado por ato legislativo somente se caracteriza quando a lei for declarada inconstitucional mediante decisão do STF com efeito erga omnes, ficamos perfilados ao Doutor Edilson Pereira, segundo o qual a inconstitucionalidade declarada mediante o controle difuso já satisfaz a exigência.

Aliás, o STF ao julgar o RE nº 8.889-SP, declarando "O Estado responde civilmente pelo dano causado em virtude de ato praticado com fundamento em lei declarada inconstitucional" estabeleceu, naquele caso, o direito à indenização depois de ter reconhecido a inconstitucionalidade da norma em então questão em outro recurso extraordinário, portanto mediante o controle difuso, com validade inter partes ou incidenter tantum. Vê-se, pois, que a jurisprudência não tem exigido a declaração da inconstitucionalidade da lei por ação direta ou com efeito erga omnes.

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