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quinta-feira, 14 de novembro de 2013

A execução da Ação de Alimentos e o Cumprimento de Sentença

Por Guilherme Luiz Guimarães Medeiros

   Sumário


1. Aplicabilidade da Lei 11.232/05 na execução da prestação alimentícia. 

2. A bipartição da doutrina em relação ao problema. 
3. A nova interpretação dos artigos 732 a 735 do CPC. 
4. Conclusão.
5. Referências 

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   1. Aplicabilidade da lei 11.232/05 na execução da prestação alimentícia


  A execução de alimentos tem previsão legal nos artigos 732 a 735 do Código de Processo Civil e nos artigos 16 a 19 da Lei de Alimentos (Lei n° 5.478/68). Sua trajetória processual começa pelo nível de efetividade ao permitir o desconto em folha de pagamento do salário; o desconto sobre aluguéis ou outras rendas do devedor; e, se impossível o desconto direto da prestação alimentícia, a execução se faz pela expropriação de bens, ou então pela ameaça de prisão do devedor, ficando a escolha do procedimento à juízo do credor, ressalvada a prisão civil para as três prestações anteriores ao ajuizamento da execução e daquelas vencidas no curso do processo[1].

  Os débitos de maior extensão temporal devem ser cobrados pelo rito da penhora de bens do executado, cuja defesa será suscitada através de embargos apensos ao processo executivo e recebidos no efeito meramente devolutivo.
  O ponto de discórdia processual surgiu com a edição da Lei 11.232/05 e a dúvida se as novas regras devem ser aplicadas em substituição ao clássico ritual da execução alimentar, especialmente diante do silêncio da nova lei sobre a execução de alimentos. Isso porque não houve expressa revogação nem tampouco alteração no Capítulo V do Título II do Livro II do CPC, que trata da execução de prestação alimentícia. Igualmente não há nenhuma referência aos alimentos nas novas regras de cumprimento da sentença, inseridas nos Capítulos IX e X do Título VIII do Livro I: Do processo de conhecimento (CPC 475-I a 475-R).
  A questão, pois, a ser analisada neste ensejo consiste em verificar se a mencionada lei modificou também a forma de execução dos alimentos. Por outras palavras: o devedor condenado ao pagamento de alimentos será executado na forma tradicional, mediante processo autônomo de execução, sendo citado para em três dias realizar o pagamento (art. 652 do CPC), ou por meio da técnica de cumprimento de sentença, tendo o prazo de quinze dias para realizar o pagamento, sob pena de incidir a multa de dez por cento (art. 475-J do CPC)?
  Nem uma coisa, nem outra. A resposta para esta questão, conforme se demonstrará adiante, não é assim tão pragmática. Por se tratar de norma específica em face de norma geral, os dispositivos que regem a execução de alimentos não podem ser tacitamente revogados pela Lei 11.232/05; continuam, portanto, vigentes. Contudo, em face da natureza jurídica da obrigação alimentar, deve-se fazer uma releitura destes dispositivos, interpretando-os de modo a adequá-los ao novo modelo de execução de títulos judiciais; mantendo, assim, o caráter de procedimento especial que o legislador precipuamente concedeu à ação de alimentos, por meio da Lei 5.478/68.
  Antes, porém, analisaremos os dois lados da questão.


     2. A bipartição da doutrina em relação ao problema


  A doutrina que enfrentou o problema se dividiu, de tal sorte que há corrente no sentido da aplicação da Lei 11.232/05 à execução de alimentos e outra no sentido de sua não aplicação.

  Os argumentos que são utilizados para defender a aplicação da Lei 11.232/05 são, em linhas gerais, os seguintes: necessidade de acabar com uma nova citação do devedor; otimização do processo judicial; unificação dos atos cognitivos e executórios em um único processo; a defesa do devedor será realizada por um meio mais simples, que é a impugnação.
  De outro vértice, os que se alinham no sentido da não aplicação da Lei 11.232/05 destacam que o artigo 732 do CPC, que versa sobre a execução dos alimentos sob pena de penhora, não foi objeto de qualquer alteração. Desse modo, não foi a intenção do legislador modificar a execução dos alimentos, devendo esta ser realizada por meio de processo autônomo. Com efeito, o artigo 732 do CPC, reporta-se ao Capítulo IV do Título II do Livro II, ou seja, aos artigos 646 a 732 do CPC, e não ao Livro I do CPC.
  Nesta seara, sob o fundamento de que o ordenamento jurídico não admite revogação tácita, boa parte da doutrina sustenta que, em se tratando de obrigação alimentar, continua em vigor o procedimento executório anterior.[2]
  Embora muitos festejem a vinda do cumprimento da sentença na execução de prestação alimentícia (...), não se mostra como a melhor conclusão, diante da evidência reconhecida pela uníssona da doutrina, de que não foram revogados os dispositivos processuais pertinentes à execução de alimentos, e tampouco a legislação do cumprimento de sentença abarcou em seu texto a tradicional execução de alimentos.[3]
  Tal entendimento, no entanto, não pode prosperar. Em face de sua natureza, os alimentos podem e devem ser cobrados pelo meio mais ágil. O fato de a lei ter silenciado sobre a execução de alimentos não pode conduzir à idéia de que a falta de modificação dos artigos 732 a 735 do CPC impede o cumprimento da sentença. A omissão não encontra explicação plausível e não deve ser interpretada como intenção de afastar o procedimento mais célere e eficaz logo da obrigação alimentar, cujo bem tutelado é exatamente a vida.[4] Não é tolerável que se afaste a modalidade mais ágil de execução precisamente para o débito mais importante que existe, relacionado com a manutenção da própria vida e da vida com dignidade. Ademais, a nova sistemática não traz prejuízo algum ao devedor de alimentos, pois a defesa pode ser deduzida, com amplitude, por meio da impugnação (CPC 475- L).[5]
  Incontestável que a sentença que impõe o pagamento de alimentos reconhece a existência de obrigação de pagar quantia certa (CPC 475-J), ou seja, dispõe de eficácia condenatória. O inadimplemento não pode desafiar execução por quantia certa contra devedor solvente, uma vez que essa forma de cobrança não mais se aplica quando a condenação é fixada por sentença. Portanto, o crédito alimentar está sob a égide da Lei nº 11.232/05, podendo ser buscado o cumprimento da sentença nos mesmos autos da ação em que os alimentos foram fixados. O mero descuido do legislador ao não retificar os artigos 732 a 735 do CPC não pode levar a nefastos resultados.[6]
  Penso que, por essa razão, os artigos 732 a 735 do CPC exigem, agora, uma releitura. A meu juízo, devem estes dispositivos ser reinterpretados à luz dos artigos 475-I a 475-R do CPC, os quais compõem, como sabido, o capítulo que rege o cumprimento da sentença.


    3. A nova interpretação dos artigos 732 a 735 do CPC


  Estabelece o artigo 732 que a execução de sentença, que condena ao pagamento de prestação alimentícia, far-se-á conforme o disposto no Capítulo IV deste Título. Esse artigo, não alterado pela Lei 11.232/05, determina que a execução de alimentos deva ser feita conforme os ditames do Livro II do CPC. Contudo, entendo que esse dispositivo deve ser lido como se fizesse alusão ao novo sistema executório. Assim, sugiro que de agora em diante se passe a ler o artigo 732 como se dissesse que a execução de sentença que condena ao pagamento de prestação alimentícia, far-se-á conforme o disposto no Livro I, Título VIII, Capítulo X (Do Cumprimento da Sentença), deste Código.

  Conseqüentemente, será preciso reinterpretar o parágrafo único desse mesmo artigo. Dispõe ele que: recaindo a penhora em dinheiro, o oferecimento dos embargos não obsta a que o exeqüente levante mensalmente a importância da pensão. Ora, não há mais que se falar em embargos quando se tratar de um módulo processual executivo fundado em sentença, mesmo que se trate de sentença que condena a pagar alimentos. Além disso, é preciso recordar que a impugnação à execução, via de regra, não tem efeito suspensivo, e só o terá se o juiz o atribuir.
  Por isso penso que se deve ler esse parágrafo único, a partir de agora, como se dissesse que recaindo a penhora em dinheiro, a concessão de efeito suspensivo à impugnação não obsta a que o exeqüente levante mensalmente a importância da prestação.
  Já o artigo 733 estabelece o modo como se inicia o módulo processual executivo para o cumprimento da sentença que condena a pagar alimentos. Como não foi alterado pela Lei 11.232/05, continua ele a falar em citação, quando o que deve acontecer agora é uma intimação. O texto do dispositivo é o seguinte: na execução de sentença ou de decisão, que fixa os alimentos provisionais, o juiz mandará citar o devedor para, em 03 (três) dias, efetuar o pagamento, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo. A meu ver, a partir de agora, onde se lê citação, deve-se ler intimação; já que a execução de sentença deixou de ser processo novo e passou a ser mera continuação do processo anterior.
  Neste ponto, mister destacar o entendimento de Ernane Fidélis dos Santos, que, mesmo após a Lei 11.232/05, continua a falar em citação, no que diz respeito à leitura do artigo 732.[7] Ocorre que este autor já sustentava que a execução de alimentos, ainda antes da Lei 11.232/05, poderia ser feita por dois procedimentos diferentes – um previsto no artigo 732 e o outro no artigo 733 –; o que o levou a afirmar que apenas no caso do artigo 732 deveria ser feita uma releitura à luz do novel artigo 475-J.
  Discordo, no entanto, do ilustre doutrinador. Isso porque, nas opiniões de Alexandre Freitas Câmara e de Barbosa Moreira, às quais me afilio, o artigo 733 não prevê um procedimento executivo, mas apenas um meio de coerção (a prisão).[8]
  É exatamente por isso que os parágrafos 1º, 2º e 3º do artigo 733 não sofrem qualquer influência da 11.232/05, uma vez que se limitam a regular a possibilidade de prisão civil pela dívida de alimentos; os quais deixam clara a natureza coercitiva, e não sub-rogatória, da prisão do devedor inescusável de alimentos.
  De igual forma, o artigo 734, que trata dos meios sub-rogatórios pelos quais se pode desenvolver a execução de alimentos, não sofre qualquer influxo da Lei 11.232/05. Continua, evidentemente, possível a execução de alimentos por desconto em folha, que deve ser feito mediante comunicação a ser dirigida à autoridade, empresa ou ao empregador pelo juiz da execução.
  E por ultimo, mas não menos importante, o artigo 735 – que faz alusão à aplicação de dispositivos do Livro II do CPC à execução de alimentos provisionais – deve também ser revisto à luz do sistema trazido pela Lei 11.232/05. Embora seu texto oficial continue a dizer que se o devedor não pagar os alimentos provisionais a que foi condenado, pode o credor promover a execução de sentença, observando-se o procedimento estabelecido no capítulo IV deste Título, deve ele ser lido, de agora em diante, como se dissesse que se o devedor não pagar os alimentos provisionais a que foi condenado, pode o credor promover a execução da sentença, observando-se o disposto no Livro I, Título VIII, Capítulo X (Do Cumprimento da Sentença), deste Código.
  Ressalto, finalmente, que a nova interpretação dos artigos 732 a 735, aqui sugerida, não pressupõe necessariamente uma alteração formal destes dispositivos; embora esta fosse a melhor solução para findar o embate doutrinário estabelecido em torno do tema.


    4. Conclusão


  A se considerar que nada foi modificado em relação à execução da prestação alimentícia, ter-se-ia de concluir que o credor de alimentos ficou prejudicado, não podendo valer-se das vantagens do novo sistema de execução de sentença e outros provimentos judiciais decorrentes da Lei 11.232/05. Com isso, por exemplo, continuaria cabível o oferecimento de embargos à execução, o demandado continuaria a poder nomear bens à penhora, não seria possível realizar-se a execução no lugar onde estiverem os bens a ser penhorados, entre outras vantagens que a referida lei trouxe para o credor cujo título executivo é um pronunciamento judicial condenatório.

  Assim, porém, não me parece. De todo o exposto neste trabalho, a única conclusão a que se pode chegar é que o fato de não ter a Lei 11.232/05 se preocupado em modificar os artigos do CPC que tratam da execução de alimentos em nada prejudica o sistema processual. É perfeitamente possível interpretar-se as regras referentes àquela modalidade de execução com base no novo modelo teórico inaugurado pela referida lei, passando-se a tratar o módulo processual executivo de alimentos também como mera continuação do processo em que a condenação a pagá-los tenha sido prolatada.
  O importante é deixar claro que o novo modelo de execução das sentenças, e outras decisões condenatórias, do direito processual civil brasileiro tem repercussão, também, sobre a execução de prestação alimentícia. Não havendo qualquer sentido em se modificar todo o sistema de execução de decisões judiciais, tendo por objetivo imprimir maior celeridade ao processo, e deixar de fora logo aquela hipótese em que a necessidade inerente ao crédito alimentar mais impõe a busca pela aceleração dos meios de entrega da prestação jurisdicional executiva. Penso que, com base em todo o exposto, as alterações da Lei 11.232/05 são, na verdade, uma oportunidade de se aprimorar o modelo de execução dos alimentos.



  Súmula 309 do STJ: "O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores à citação e as que vencerem no curso do processo".

Neste sentido: Humberto Theodoro Junior; Daniel Roberto Hertel; e Rolf Madaleno.
 MADALENO, Rolf. A Execução de Alimentos e o Cumprimento de Sentença. In: ____; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coords.) Direito de Família. Processo, teoria e prática. Rio de Janeiro, Forense. 2008. Pág. 255.
  Neste sentido: Leonardo Grecco;Alexandre Freitas Câmara; e Maria Berenice Dias.
Sérgio Gischkow Pereira, Direito de Família. Pág. 184.
  DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 5ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, pág. 501.
  SANTOS, Ernane Fidélis dos. As reformas de 2005 do Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2006. Pág. 96.
  CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil, volume II. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 11ª Ed., 2005. Pág. 347.

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