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terça-feira, 19 de novembro de 2013

Princípios do Direito Agrário

Na seara do Direito agrário existe uma sólida doutrina que cuida da pesquisa e da publicação de textos voltados para a atividade agrária e seus reflexos. Daí segundo MARQUES (2010, pág. 21), “a autonomia científica deste ramo do direito construiu princípios próprios, que se diferenciam dos princípios gerais do direito. Em sua obra, Benedito Ferreira Marques transcreve vários destes princípios específicos”.

Mas, com o devido respeito que o autor acima merece, também compulsamos outros doutrinadores e identificamos inúmeros outros princípios norteadores do Direito agrário. Assim, para fins objetivos neste texto, vamos apresentar alguns doutrinadores que fazem menção de princípios gerais de Direito agrário em suas obras e após iremos enfatizar três princípios agrários, de forma específica, nos tópicos seguintes.

Mas antes, também é interessante compreender que da análise dos princípios do Direito agrário, não há enlace uníssono com os princípios do Direito civil, cujas regras são mais individuais, dando uma autonomia de vontade mais larga, muito embora, o Código Civil de 2002 trate da questão intitulada função social do contrato.

Além disto, também precisamos reforçar a compreensão do que significa o vocábulo “princípio”. Segundo OLIVEIRA (2010, pág. 79), “esta palavra é derivada do latim principium, em sentido comum dá a entender o início da vida, ou então, aquele primeiro instante da existência. É, assim, uma acepção aberta, indicativo de origem, começo de alguma coisa”.

De outro lado, na acepção jurídica do termo, princípio significa normas elementares, ou então requisitos primordiais, necessários como fundamento ou base, ou mesmo alicerce para algum ramo do Direito.

Ainda bebendo na sabedoria o ilustre professor Umberto Machado de Oliveira, compreendemos que “em Vicente Ráo, a ignorância dos princípios, quando não induz ao erro, nos caminha à criação de rábulas em vez de juristas”. (OLIVEIRA, 2010, pág. 95).
Vê-se que o estudo dos princípios e sua perfeita compreensão, facilita o exercício da pesquisa e da efetivação do direito na sociedade civil. Em decorrência disto, reforçamos a compreensão de que os princípios de direito possuem funções fundamentadoras da ordem jurídica, funções interpretativas ou hermenêuticas e funções supletivas e limitadoras da discricionariedade judicial.

Em Umberto Machado de Oliveira a função fundamentadora dos princípios é apresentada de forma pedagógica e extremante compreensível. Vejamos:

“Eficácia derrogatória e diretiva. Por ela, segundo Espínola, as normas que confrontem os centros de irradiação normativa assentados nos princípios (constitucionais), perdem sua validade (no caso da eficácia diretiva) e/ou sua vigência (em se tratando da eficácia derrogatória), tudo isso em face do contraste normativo com normas de estalão constitucional”. (OLIVEIRA, 2010, pág. 96).

Extrai-se deste fragmento da obra do festejado professor a importância do estudo dos princípios jurídicos. De outro lado, a função interpretativa ou hermenêutica dos princípios também cumprem papel relevante no Direito. Segundo o mesmo professor, temos que:
“O papel de orientarem as soluções jurídicas a serem aplicadas em situações concretas submetidas à apreciação do intérprete. São, desse modo, vetores de sentido jurídico às demais normas, em face dos fatos e atos que exijam compreensão normativa. Assim, os princípios jurídicos desempenham o papel de guiamento do momento cognoscitivo do responsável pela aplicação das regras jurídicas, diante de um caso em que lhe é solicitada uma solução”. (OLIVEIRA, 2010, pág. 97).

Neste intuito, o estudo dos princípios de direito se mostra relevante, bem como, úteis na construção de uma solução para dúvidas interpretativas com o esclarecimento do sentido de determinada disposição legal.

Pois bem, após este reforço dado à importância dos princípios de direito, retomamos nossa trajetória para a seara específica do Direito agrário e seu núcleo que é a atividade agrária. Nela encontramos o assunto desta dissertação, que são os contratos agrários, ponto de destaque laborado ao longo destas linhas.

Firmando nesta ideia, enfatizamos que a formação dos princípios de Direito agrário nascem ou pelo menos tem uma íntima relação com a Política Agrária praticada pelo sistema brasileiro e está com os dados que a sociologia rural, a agronomia e todas as outras ciências vinculadas ao Direito agrário propiciam. Não é possível, enxergar uma visão neo-agrária, com a ausência destes outros conhecimentos.

Pois bem, compreendendo isto, o saudoso professor da faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás, Paulo Torminn Borges, fazia uma apresentação daquilo que ele considerava como princípio fundamental no Direito agrário. Vejamos:

“1º) a função social da propriedade; 
2º) o progresso econômico do rurícola; 
3º) o progresso social do rurícola; 
4º) o fortalecimento da economia nacional, pelo aumento da produtividade; 
5º) o fortalecimento do espírito comunitário, mormente da família; 
6º) o desenvolvimento do sentimento de liberdade (pela propriedade) e de igualdade (pela oferta de oportunidade concretas); 
7º) a implantação da justiça distributiva; 
8º) eliminação das injustiças sociais no campo; 
9º)o povoamento da zona rural, de maneira ordenada; 
10º) combate ao minifúndio; 
11º) combate ao latifúndio; 
12º) combate a qualquer tipo de propriedade rural ociosa; 
13º) combate à exploração predatória ou incorreta da terra; 14º) combate aos mercenários da terra”.

Na realidade, o emérito professor não comentada cada qual, apenas citava-os. De forma mais simples, Oswaldo Opitz e Sílvia C. B. Opitz apresentaram exemplos de princípios de Direito agrário, dentre os quais citaram:

“a) Princípio da justiça social; b)princípio do aumento da produtividade; c)princípio da função social da propriedade.” (OPITZ & OPITZ, 1970, pág.57).

Abordando os dois primeiros princípios estes autores, compreendem que a justiça social e o aumento da produtividade precisam ser enxergados sob o enfoque da desapropriação, defendendo o raciocínio de que este é o principal instrumento para lhe propiciar efetividade. Vejamos:

“A desapropriação afeta sobremodo o direito agrário, não somente por necessidade ou utilidade pública, mas principalmente quando é por interesse social, para que possa realizar sua função social, preconizada no Estatuto da Terra. [...] é por ela que se visa promover melhor a distribuição da terra improdutiva, mediante modificações no regime de sua posse e uso, a fim de atender aos princípios da justiça social e do aumento da produtividade” (arts. 1º, §1º, e 18 do Estatuto da Terra).

Já em relação ao terceiro princípio enfatizado, percebemos que sua compreensão sobre o assunto transmite-se o pensamento de que não é possível confundir função social da propriedade com a ideia de socialização das terras rurais. Vejamos:

“Mantém o direito subjetivo da propriedade, embora em caráter relativo. O princípio da função social da propriedade não é o caminho aberto, como vimos, para a socialização das terras rurais, por parte do Estado, porque há necessidade de justificativa da venda forçada, sempre mediante a indenização devida, como preço dela, embora este se concretize em dinheiro e títulos públicos. É a forma legal encontrada, pela Lei Maior, para realizar a reforma agrária, sem ferir o princípio do artigo 153, em seu parágrafo segundo.” (OPITZ & OPITZ, 1970, pág. 60).

O direito brasileiro assegura o direito à propriedade, porém de forma abrandada. Com isto, apresentamos a visão dos autores sulistas acima identificados. Neles, a função social da propriedade surge apenas na ficção. Acreditam os diletos autores que a terra em si nada vale, até porque precisa do trabalho do ser humano e do dinheiro para manejo e produção de riquezas. Assim, as regras de Direito agrário podem afetar a propriedade rural, mas não afetarão sua essência ou substância. Para eles, o que ocorre é apenas uma amplitude do conceito econômico de propriedade.

Assim, defendem a tese de que trata-se de uma questão econômica e jurídica, isto é, o Direito freia a economia com o propósito de permitir o desempenho social na propriedade, gerando bem estar para trabalhadores, propriedade, meio ambiente, enfim, assegurando um equilíbrio plausível nestas relações.

Outro festejado doutrinador que teceu estudos sobre a função social da propriedade, como princípio elementar do Direito agrário foi Raymundo Laranjeira. Em suas pesquisas e trabalhos publicados este doutrinador agrarista expunha seu pensamento da seguinte forma:
“É dele que se abrem todas as implicações socioeconômicas que cimentam o ordenamento jurídico agrário.” (LARANJEIRA, 1975, pág. 116).

O mesmo doutrinador defendia que a noção de função social na terra foi sendo desenvolvida a partir dos debates originários sobre o instituto da posse, dos escritos de Frederic Savigny e Rudolf Von Ihering. Raymundo Laranjeira argumentava que neste debate se compõem a gênese do conceito de função social da terra, quais sejam, a produtividade e a justiça distributiva.

Ele esclarecia que na teoria subjetiva, abria-se o campo da realidade social, mesmo estreitada pelo pensamento doanimus domini. Considera legítimo o interesse na posse sem a dependência de um título formal, e daí se anteveem, pela proteção que lhe deveria corresponder.

Já na teoria objetiva, em Ihering, evidenciava-se o direito absoluto do ser humano sobre a coisa, com o alicerce no conceito de propriedade, justificando o apossamento pelo uso econômico efetivo.

O desenvolvimento da idéia de função social também foi cunhado em Karl Marx e outros pensadores europeus, que proclamavam a necessidade do afastamento do caráter privado na propriedade, sem nenhuma produção social.

Outro doutrinador que aprofundou estudos sobre os princípios do Direito agrário foi Vicente Gonçalves de Araújo Júnior. Em sua obra vemos os princípios que ele enfatizou:

1º) função social da propriedade;
2º) progresso econômico do rurícola; 
3º) progresso social do rurícola; 
4º) fortalecimento da economia nacional, pelo aumento da produtividade; 
5º) fortalecimento do espírito comunitário, mormente de família; 
6º) desenvolvimento do sentimento de liberdade (pela propriedade) e de igualdade (pela oferta de oportunidades concretas); 
7º) implantação da Justiça distributiva; 
8º) eliminação das injustiças sociais no campo; 
9º) povoamento da zona rural, de maneira ordenada; 
10º) combate ao minifúndio 
11º) combate ao latifúndio 
12º) combate a qualquer tipo de propriedade rural ociosa, sendo aproveitável e cultivável; 13º) combate à exploração predatória ou incorreta da terra.” (JÚNIOR, 2002)

Desse modo, vemos também uma apresentação enfática dos princípios de Direito agrário, pelo autor, dando reforço a autonomia deste ramo jurídico. Também não poderia ser esquecida a visão do ilustre professor da faculdade de Direito da UFG, Benedito Ferreira Marques constrói os seguintes princípios em sua obra:

1º) o monopólio legislativo da União, conforme o artigo 22, inciso I da atual Constituição Federal; 
2º) a utilização da terra se sobrepõe à titulação dominial; 
3º)a propriedade da terra é garantida, mas condicionada ao cumprimento da função social; 4º) o Direito agrário é dicotômico: compreende política de reforma (Reforma Agrária) e política de desenvolvimento (Política Agrícola); 
5º) as normas jurídicas primam pela prevalência do interesse público sobre o individual; 
6º) a reformulação da estrutura fundiária é uma necessidade constante; 
7º) o fortalecimento do espírito comunitário, através de cooperativas e associações; 
8º) o combate ao latifúndio, ao minifúndio, ao êxodo rural, à exploração predatória e aos mercenários da terra; 
9º) a privatização dos imóveis rurais públicos; 
10º) a proteção à propriedade familiar, à pequena e à média propriedade; 
11º) o fortalecimento da empresa agrária; 
12º) a proteção da propriedade consorcial indígena; 
13º) o dimensionamento eficaz das áreas exploráveis; 14º) a proteção do trabalhador rural; 15º) a conservação e preservação dos recursos naturais e a proteção do meio-ambiente.(MARQUES 2010, pág. 22)

Jônathas Silva, outro brilhante professor da faculdade de Direito da UFG, em sua obra apresenta sua reflexão enaltecendo os princípios agrários, vejamos:

“A autonomia legislativa, científica e didática do Direito agrário tem, sem dúvida, como um de seus pressupostos fundamentais, a existência de princípios próprios desse ramo do Direito. Entre tais princípios, apontados pelos jus-agraristas, podem ser enumerados o da preservação dos recursos naturais renováveis, o do aumento da produção, o do bem-estar e condições de progresso social e econômico àqueles que exercem a atividade agrária, o da justiça social e o da função social da propriedade. Com efeito, esses e outros princípios, bem como a autonomia, levam o Direito Agrário e o Direito Constitucional a firmar uma parceria científica de natureza interdisciplinar. NO caso da função social da propriedade, essa interdisciplinaridade é também estabelecida com outras ciências sociais afins aos dois ramos do Direito.” (SILVA, 1996, pág. 35).

Destacamos ainda um dos mais eminentes doutrinadores agraristas da Espanha. Juan Jose Sanz Jarque comunga da ideia de que os princípios de Direito agrário são fundamentais para valorizar a autonomia deste ramo jurídico. Para ele, o aprofundamento no conhecimento dos princípios agrários transcende ao acadêmico e o científico, pois encontramos debates em assembleia sindicais, congressos e outros encontros.

Em sua obra, JARQUE (1985, pág. 57) o ilustre mestre espanhol indica como princípios do Direito agrário:

“En nuestro pensamiento, La enumeración que podemos hacer de los principios que caraterizan el Derecho Agrario es la siguiente: 
1)Carácter continuadamente renovador y finalista de La normativa agraria; 
2) La funcionalidad de La propriedad y tenencia de lat tierra como objetivo em los múltiplos fines de ésta; 
3)Professionalización de La actividad agrária; 
4) Organización empresaria de la agricultura, libre y racionalmente organizada, sobre el más amplio âmbito de las actividades agrarias y de la materia agraria; 
5) Acción coordenada de La actividad y legislación agraria com la ordenación del território; 
6) Creación de la normativa y de las intituciones agrárias sobre la realidad sociológica de cada comunidad; 
7) Universalidad y universalización de los mismos”. (JARQUE, 1985,pág.57)

Desta forma, Juan Jose Sanz Jarque apresenta princípios bem distintos, enaltecendo o Direito agrário como ramo autônomo do conhecimento jurídico. E para continuar a enaltecer o Direito agrário, esclarecemos que o primeiro princípio enumerado pelo doutrinador espanhol compreende que o estudo da normativa agrária deflui do caráter continuadamente renovador deste ramo jurídico, em três sentidos, o primeiro para que a terra continue servindo às necessidades dos agricultores, os proprietários da terra, do agronegócio, do mercado; e segundo, para que a propriedade agrária satisfaça de forma plausível e saudável as relações jurídicas dos trabalhadores rurais e os proprietários e terceiro para o equilíbrio ecológico.

O segundo princípio, Jarque sustenta uma visão mais ampla do que apenas a visão social. Para ele estão inseridas neste princípio funções inerentes à propriedade da terra e da empresa agrária, a saber, produção agrícola, a estabilidade e desenvolvimento harmônico dos serviços. Ele procura também, relacionar este princípio com a reforma agrária, reconhecendo ser ambicioso tal proposta.

O terceiro princípio amplia a compreensão da profissionalização do agricultor. Este trabalhador não pode mais ser considerado como somente aquela pessoa que trabalha e reside no campo. Para Jarque, a pessoa que incorpora no seu exercício profissional uma empresa agrária. Embora todo o respeito deva oferecido ao ínclito doutrinador, pensamos que o ser humano que trabalha a atividade agrária, poderá desenvolvê-la quer seja no roça ou na zona urbana, bastando que a finalidade agrária seja comprovada.

O quarto princípio exposto por Juan Jarque apresenta a organização empresarial na agricultura. Segundo o doutrinador, o planejamento empresarial no campo, permite uma produtividade melhor, gerando renda muito mais satisfatória.

Neste intuito, Jarque faz uma afirmação estrondosa que nos leva a pensar se realmente estamos caminhando para isto. O doutrinador espanhol argumenta que a organização empresarial é o caminho para a produção agrícola e que a produção agrícola familiar está fadada à extinção. Na teoria de Juan Jarque a produção em pequena escala, isto é, através do agricultor familiar esta é fase de extinção, ainda que de forma incipiente, mas está em fase de extinção.

O quinto princípio traduz a ordenação do imóvel rural, objetivando a utilização da terra de acordo com a sua vocação e características. Aqui, o aproveitamento racional dos recursos naturais encontra guarida, pois nele percebemos que determinadas culturas devem ser plantadas em solos propícios, adequados não ensejando a degradação do terreno e outros problemas.

O sexto princípio traduz os fracassos dos projetos legislativos que abrangem o tema Direito agrário. Segundo Jarque deveria existir uma coerência ou uma participação maior das pessoas afetadas diretamente e das comunidades políticas em que cada grupo dele se integra. A omissão das pessoas que irão absorver diretamente os efeitos da lei, gera um desastre social, econômico, ambiental e jurídico bastante desagradável.

Por último, o sétimo princípio exposto pelo espanhol entende que as características do Direito agrário podem ser compreendidas como comuns às demais legislações dos outros países. Podem ser considerados fenômenos universais do conhecimento jurídico agrário e da importância deste ramo jurídico.

A contribuição jurídica trazida por Juan Jose Sanz Jarque é notória e merece destaque neste texto, vez que nela conseguimos aperfeiçoar o nosso estudo, abordando seu pensamento diferente. Outrossim, ultrapassando os exemplos dos princípios gerais de Direito agrário conforme acima transcritos, abordaremos com ênfase três princípios agrários, de modo a criar um enlace com a problemática trabalhada neste texto.

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