A educação e formação
profissional de Certeau foi bastante eclética. Depois de obter graduação em
estudos clássicos e filosofia nas universidades
de Grenoble,
Lyon e Paris, passou a
receber educação religiosa em um seminário
em Lyon, onde ele
entrou na ordem dos Jesuítas em 1950 e foi ordenado em 1956. De Certeau
inicialmente entrara na ordem dos Jesuítas esperando atuar como missionário
na China.
No mesmo ano em que foi ordenado,
de Certeau tornou-se um dos fundadores da revista Christus,
com a qual ele estaria ativamente envolvido durante boa parte de sua vida. Em 1960 recebeu o
doutoramento em Teologia
pela Sorbonne
com uma tese a respeito dos escritos místicos de Jean-Joseph
Surin. De Certeau tornou-se conhecido após publicar um artigo
relacionado com os eventos da revolta estudantil de Maio de 1968 na França.
De Certeau lecionou em diversas
universidades espalhadas por todo o mundo, como Genebra, San Diego e
Paris. Durante as
décadas de 1970 e 1980, De Certeau
publicou uma série de trabalhos que deixaram nítido seu interesse pelo misticismo,
fenomenologia
e psicanálise.
Obras
Principais obras de Michel de
Certeau:
- La
Possession de Loudun. 1970.
- A
Cultura no Plural. 1974.
- A Invenção do Cotidiano. vol. 1 e vol.
2 1974.
A primeira edição de "A
invenção do cotidiano 1" é de 1980
- A
escrita da História. 1975.
- Une
Politique de la Langue: La Révolution Française et les :Patois,
l'enquête de Grégoire. Com Dominique Julia e Jacques Revel. 1975.
- La
Fable Mystique.
vol. 1, XVIe-XVIIe Siecle. 1982.
- La
Faiblesse de Croire.
1985.
- Histoire
et Psychanalyse entre Science et Fiction. 1986.
A Invenção do Cotidiano
É um livro escrito por Michel
de Certeau que examina as maneiras em que as pessoas individualizam a
cultura de massa, alterando coisas desde objetos utilitários até planejamentos
urbanos e rituais, leis e linguagem, de forma a apropriá-los. O livro foi
publicado originalmente em Francês sob o título L'invention du quotidien.
Vol. 1, Arts de faire' (1980). O livro é um dos textos-chave no estudo do cotidiano.
A Invenção do Cotidiano re-examina fragmentos e teorias
relacionadas de Kant e Wittgenstein com Bourdieu,
Foucault
e Détienne,
no contexto de um novo modelo teórico proposto pelo autor. Alguns consideram a
obra como sendo extremamente influente em um movimento onde o foco dos estudos
culturais é o consumidor, e não o produtor ou o produto.
Capítulo Introdutório
A Invenção do Cotidiano começa destacando que, apesar de as
ciências sociais possuírem a capacidade de estudar as tradições, linguagem,
símbolos, arte e artigos de troca que compõe uma cultura, lhe faltam
formalismos para examinar as maneiras em que as pessoas se reapropriam destas coisas
em situações cotidianas.
Certeau argumenta que esta é uma
omissão perigosa, pois na atividade do re-uso encontra-se uma abundância de
oportunidades para pessoas comuns subverterem os rituais e representações que
as instituições buscam impor sobre eles.
Sem um claro entendimento deste
tipo de atividade, as ciências sociais se limitam a criar nada mais do que um
retrato das pessoas que são não-artistas (significando não-criadores e
não-produtores), passivos e fortemente sujeitos à cultura recebida. De fato,
este mal-entendido nasce do termo "consumidor". Ao invés de
"consumidor", a palavra "usuário" é oferecida no livro, e o
conceito de "consumo" é expandido através da frase
"procedimentos de consumo" que eventualmente se transforma em
"táticas de consumo".
No livro, a vida comum é
retratada com uma luta subconsciente e constante contra as instituições que
competem para assimilar o homem comum do dia-a-dia [pessoa]. A principal meta
do livro é compilar um vocabulário de conceitos, questões e perspectivas que
tornariam possível a discussão formal das atividades "táticas" do
dia-a-dia que se escondem atrás da máscara da conformidade.
Os Conceitos-Chave
Certeau define dois tipos de
comportamento: o estratégico e o tático. Ele retira estes termos do seu
contexto militar e lhes atribui novos significados. Ele descreve as
instituições em geral como "estratégicas" e as pessoas comuns,
não-produtoras, como "táticas".
Uma estratégia
é uma entidade que é reconhecida como uma autoridade - pode ser qualquer coisa,
desde uma instituição ou uma entidade comercial até um indivíduo cujo
comportamento coincide com as definições propostas pelo autor para
"estratégico". Uma estratégia pode ter o status de ordem dominante,
ou ser sancionada pelas forças dominantes.
Ela se manifesta fisicamente por
seus sítios de operação (escritórios, matriz ou quartel-general) e nos seus
produtos (leis, linguagem, rituais, produtos comerciais, literatura, arte,
invenções, discursos). Ela usa recursos dedicados, e espera-se que a estratégia
possua um custo de operação considerável. Como ela representa um investimento
enorme de espaço (construções e bens concretos) e tempo (a sua própria história
e tradições), sua identidade e seu modo de operar já estão determinados. Não se
pode esperar que uma estratégia seja capaz de se desestruturar e se reagrupar
com facilidade, algo que um modelo tático faz com naturalidade. Em outras
palavras, uma estratégia é relativamente inflexível pois ela é amarrada a um
"próprio", que é a sua "localização espacial ou institucional".
O objetivo de uma estratégia
é se perpetuar através das coisas que ela produz. Eficiência máxima significa
ser capaz de vender o menor conjunto possível de produtos para o mercado mais
amplo possível. Portanto a sua preocupação maior é a produção em massa e a
homogenização do seu público-alvo. Além de criar os seus produtos, ela pode
trabalhar no sentido de criar o seu próprio mercado indiretamente, através da
criação da uniformidade e da necessidade. A uniformidade beneficia uma
estratégia. Portanto, a estratégia se engaja no trabalho de sistematizar, de
impor ordem.
A estratégia é capaz de definir a
si própria como uma produtora/fabricante ao invés de usuária, e só tem um
contato indireto com o seu público-alvo. Uma estratégia pode obter retorno de
seus usuários através de enquetes, grupos de foco e estudos de caso enquanto
seu contato com o mundo externo pode vir na forma de publicidade ou propaganda
e campanhas de relações públicas.
O modelo tático de Certeau
descreve indivíduos ou grupos que são fragmentados em termos de espaço e que
não mantém nenhuma base específica de operações (nenhum quartel-general), mas
que são capazes de realizar um agrupamento de forma ágil para responder a uma
necessidade que surja. Portanto, a necessidade faz uma tática
"surgir" no mundo, enquanto uma estratégia vê necessidades como
coisas que talvez tenham que ser criadas após o produto.
Sem ter posses de recursos
dedicados, uma tática consegue ser ágil e flexível (lean), se comparada com uma
estratégia. Toda tática é baseada em improvisação e não pode depender de um
"próprio"; ao invés disso, ela depende de uma economia
de presentes (gift economy), em tempo (ela espera por recursos que
não possui), e em explorar furos no sistema (loopholes). Uma tática infiltra,
mas não tenta dominar. Este último detalhe é o que distingue o conceito de
"tática" proposta por Certeau do termo "táticas
de guerrilha". Uma tática não tenta vencer ou dominar, e não se
envolve em sabotagem. Ciente de seu status de "fraco", a tática não
faz nenhuma tentativa de enfrentar a estratégia de frente, mas tenta preencher
suas necessidades enquanto se esconde atrás de uma aparência de conformidade.
Ciente de que as coisas à sua
volta foram criadas para satisfazer ao mínimo
denominador comum, a tática espera ter que trabalhar sobre as coisas
para transformá-las em coisas suas, ou torná-las "habitáveis". Seus
produtos não são necessariamente objetos (e.g. eles pode ser tão invisíveis e
pesoais como a alteração de uma estória durante o processo de leitura, ou de
uma receita enquanto alguém cozinha). O tático se manifesta não em seus
produtos mas na sua metodologia. Ele pode ser executado por um indivíduo ou um
grupo temporário que não dura o suficiente para precisar de um nome. Ao
contrário da estratégia, lhe falta a estrutura centralizada e a permanência que
lhe permitiria competir diretamente com alguma outra entidade.
Certeau fala que a forma difusa
da tática lhe causa duas coisas: ela efetivamente neutraliza a influência de
uma estratégia, e faz com que as próprias atividades da estratégia se tornem
uma forma de subversão impossível de ser mapeada ou descrita. Certeau afirma
que na dificuldade de identificar a tática está uma parte significativa do seu
poder. Isto ocorre através dos modos inconscientes em que as pessoas tentam
fazer coisas como livros e sistemas urbanos (quadras, ruas) "habitáveis"
para as suas mentes. As ciências sociais, ou a ciência em geral, não podem ter
a esperaça de mapear ou catalogar a atividade tática, mas pode ao menos tentar
tornar possível a sua discussão formal.
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