Paulo César Gomes[1]
Partindo do questionamento dessa lacuna histórica e ideológica, trabalho reconstitui tópicos tais como o ambiente social, econômico e político em que os cativos campinenses construíram a sua experiência; os traços demográficos da escravidão em âmbito local, com especial destaque para o precoce crioulização de sua escravaria; o processo de trabalho em sua dimensão cotidiana; a importância do parentesco consanguíneo e espiritual no processo de formação de uma comunidade escrava de interesses; as variadas estratégias de lutas da escravaria local por dignidade e liberdade, expressas na criminalidade, no movimento de fugas e nos embates jurídicos com seus senhores, que foram atos propiciadores de um substrato político e cultural fundamental para a construção de uma identidade escrava forjada no tempo.
Em termos de perspectivas teóricas, metodológicas e historiográficas, a obra ancorou-se nos ensinamentos da história social inglesa, que teve com principais nomes (Eric Hobsbawm, Edward Thompson e Christopher Hill). Nos procedimentos de investigação da micro-história italiana, além da rica e diversificada tradição de estudos sobre o escravismo em nosso país.
Pelo fato dos homens serem as criaturas históricas e que eles são os construtores das condições em que atuam, mas também são condicionados por elas a partir das relações estabelecidas no âmbito social entre indivíduos e grupos, levando a tensão dialética entre liberdade e determinação, estrutura e processo, cujas relações têm múltiplas dimensões, tais como: políticas, morais, econômicas, culturais, jurídicas etc., se relacionando assim de maneiras particulares e dentro de campos de possibilidades determinadas sem espécies sobre determinações.
Durante muito tempo a resistência foi encarada como um fenômeno reativo ao processo de exploração e opressão sofrido pelos cativos, geralmente concentrado em momentos especificados que se manifestavam em certas ocasiões, a exemplo da irrupção das insurreições, a formação dos quilombos e os crimes cometidos contra seus algozes pessoais e de classe.
É impossível entender a resistência escrava sem atentar para o substrato político e cultural que a preside. Nesse sentido, foi importante o dialogo com a tradição da história social inglesa, a principal fonte de inspiração para o desenvolvimento da pesquisa, pois, possibilitou de operacionalização de alguns de seus principais conceitos da referida escola, particularmente seus desdobramentos sobre a historiografia da escravidão nas Américas.
Convém lembrar que a história social surgiu no contexto Político e intelectual dos anos 1950/1960, tanto como uma reação à “história inglesa oficialmente correta” quanto contra todas as formas de estruturalismo, cuja ideia matriz de transformar a história num Processo sem sujeito ameaçava contaminar o materialismo histórico, tradição de onde provinha o próprio Thompson.
Na visão thompsoniana a perspectiva da totalidade deve estar sempre no horizonte do historiador. Esse deve sempre estar munido de hipóteses iniciais que inquiram os fatos e as determinações objetivas, resultando assim na produção do conhecimento histórico. Esse processo tem como elemento unificador a “lógica histórica”, entendido como um: “um método lógico de investigação adequado a materialismo históricos, destinado, na medida do possível, a testar hipóteses quanto à estrutura, cassação etc., e a eliminar procedimentos autoconfirmadores (“ instâncias”, “ilustrações”).
Thompson também formulou o que ele mesmo denominou de “conceitos de junção”, um antídoto contra os perigos do determinismo e do reducionismo.
Para formular o seu próprio conceito, Thompson evoca Antônio Gramsci e sua se noção de hegemonia, para lembrar que nenhuma dominação social se mantém apenas pelo uso da força, trazendo consigo importantes mecanismos de persuasão.
A contribuição de Thompson para a historiografia contemporânea ficaria incompleta se não destacássemos um ponto fundamental de seu pensamento, que foi o de propor a ideia de uma história “vista de baixo”.
Em termos teóricos-metodológicos , esse trabalho foi fortemente inspirado pelo debate travado nos anos de 1970 e 1980, dentro da tradição marxista e da Escola dos Annales, em torno da teoria dos modos de produção, e pela discussão correlata sobre a natureza da agricultura brasileira. Subjacente e tudo isso, a critica aos esquemas explicativos usuais que tendiam a transforma o passado agrário brasileiro numa grande plantation, com o seu conhecimento caráter generalizador.
Importante ressaltar presença significativa na obra das reflexões metodológicas apresentadas por Carlo Ginzburg sobre a necessidade de o historiador ter “faro, golpe de vista, intuição”. Esse mesmo historiador e teórico italiano defende o uso do paradigma indiciário nas ciências humanas porque consiste na interpretação dos fatos a partir de partes que o constituem, ou seja, interpreta os fatos com o auxílio de indícios ou sinais que permitem decifrar uma verdade quase sem percepção.
Com este trabalho de pesquisa, Luciano Mendonça, comprova que o tema da escravidão ainda não está esgotado, independente da localidade ou região do país, além de aplicar com muita qualidade os métodos da escola social inglesa, em particular de Thompson. Sendo assim, os Cativos da Rainha da Borborema: uma história social da escravidão em Campina Grande-século XIX, torna-se um importante referencial para os jovens pesquisadores e estudiosos da escravidão no Brasil.
[1]Professor de História Geral e bacharelando em Direito pela FIS.
Publicado no webartigos: http://www.webartigos.com/artigos/cativos-da-rainha-da-borborema-e-a-historia-social-inglesa/105762/#ixzz2Oh9k3P6A
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