Autor do artigo: Alceu Cicco - Graduando do Centro Universitário de Brasília - CEUB
"O direito sem processo não
poderia alcançar sua finalidade; numa palavra, não seria direito. Sem o
processo, pois, o direito não poderia alcançar seus fins; mas o processo também
não os poderia alcançar sem o direito. A relação entre os dois termos é
circular. Por isso se constitui esse ramo do direito que se chama direito
processual".
Francesco Carnelutti
Resumo: Visa o presente trabalho a descrever,
em exposição didática e sistemática, a evolução do direito processual desde a
origem grega até a presente época, com ênfase no direito processual no séc. XIX
e XX. Relatar a evolução histórica e científica do Direito Processual tendo
como objetivo demonstrar a importância de tal conhecimento para uma melhor
assimilação da situação do direito processual e de seus institutos na sociedade
contemporânea.
Palavras-chave: ação, autonomia, cientificismo, direito alemão, direito germânico,
direito italiano, direito medieval, direito romano, dualismo, evolução,
instrumentalismo, jurisdição, processo, publicização, unitarismo.
É inquestionável que a vida em sociedade necessita de uma normatização
do comportamento humano. Foi partindo desta premissa que surgiu o direito como
um conjunto de normas que regula a vida em sociedade e assim, necessitamos não
só de uma norma, mas fundamentalmente de sua correta aplicabilidade. O direito
é uma idéia prática, isto é, implica em um fim, e toda idéia de tendência ou
direção é inevitavelmente dupla, porque contém em si uma antítese, o fim e o
meio, não bastando indicar o fim, é indispensável saber também o caminho que a
ele conduz.
Para o cumprimento desta árdua tarefa, o Estado utiliza o Direito
Processual, por meio do processo, pois é este o instrumento de atuação do
direito material capaz de solucionar um conflito de interesses estabelecidos
entre as partes.
De toda sorte, aqui se pretende explanar as diversas fases históricas
pelas quais o direito processual passou, procurando elucidar todas as
transições sofridas por este ramo do direito, pelas mudanças ocorridas em suas
teorias bem como nas diversas mutações presentes no pensamento dos estudiosos e
grandes nomes do direito processual até o presente século.
A priori, é necessário saber que o processo teve sua origem desde os
tempos remotos, não havendo, nesta época, as divisões de ramos do direito como
recentemente. Logo, é evidente afirmar que os legisladores antigos não
idealizavam ainda o que viriam a ser as normas processuais; neste sentido aduz
Câmara: "nesta fase não se pode falar propriamente em Direito Processual,
o que se faz por mera comodidade".
No entanto, o oposto ocorreu na segunda metade do século XX que se
caracterizou, na doutrina internacional do processo civil, como um tempo de
mudanças. O esforço dos mentores intelectuais da bandeira da efetividade do
processo propiciou o despertar para a conscientização da necessidade de se
pensar em um processo como algo dotado de distinções institucionais bem
definidas e que deve cumprir os seus escopos, sob pena de ser menos útil e tornar-se socialmente ilegítimo.
Com o crescente convívio entre os seres, chegou-se à conclusão que
qualquer conflito deveria ser submetido a uma autoridade pública, e não buscar
justiça com as próprias mãos (autotutela), como inicialmente era feito.
As primeiras regras sobre a conduta humana se referiam à solução de
conflitos civis e sanções penais, mas a necessidade iminente de uma autoridade
confiável e imparcial capaz de conduzir os conflitos e impor sanções tornou-se
evidente, função esta confiada mais tarde ao Estado. Este, por sua vez, já
regulamentando a atividade da administração da justiça, sente a necessidade
também do surgimento de normas jurídicas processuais. Assim, surgiram as
primeiras instruções sobre o que, futuramente, viria a ser conhecido como
direito processual.
Sobre o processo na Grécia antiga pouco se tem a mencionar. Destacam-se
os princípios utilizados nos meios de prova dos quais se afastavam os
preconceitos religiosos e as superstições comuns à época que buscavam meios de
convicção lógicos. Outras características também eram evidentes como as provas
testemunhais e documentais, o princípio da oralidade, o princípio dispositivo e
a livre apreciação da prova pelo julgador.
Constata-se também, por intermédio deste processo histórico, que o
princípio do contraditório tem origem na Antiguidade grega, como mencionado por Nicola Picardi apud
Leonardo Greco:
A audiência bilateral tem origem na Antiguidade grega, mencionada por
Eurípedes, Aristófanes e Sêneca, chegando ao direito comum como um princípio de
direito natural inerente a qualquer processo judicial, consistente no princípio
segundo o qual o juiz somente está apto a decidir o pedido do autor depois de
notificá-lo ao réu e de dar a este a oportunidade de se manifestar.
Ao discorrermos acerca da evolução do direito processual, é de
fundamental relevância fazermos menção ao direito processual romano que, em
conformidade com a doutrina, deu-se através de três fases, a saber:
Período primitivo: É o período mais antigo, conforme preleciona
Hespanha, "753 a.C. Fundação de Roma. O direito baseava-se exclusivamente
nas ações previstas e tipificadas na lei (nomeadamente, na Lei das XII Tábuas, legis
actiones)"(5)
até o ano de 149 a.C.
Desenvolvia-se, deste modo, o procedimento de forma oral, conforme
revela Theodoro Júnior quando expõe que se compreendiam duas fases: uma,
perante o magistrado, que concedia a ação da lei e fixava o objeto do litígio;
e outra, perante cidadãos, escolhidos como árbitros, aos quais cabia a coleta
das provas e a prolação da sentença. Não havia advogados e as partes postulavam
pessoalmente.(6)
Período formulário: Nesta fase as relações jurídicas se
tornaram mais complexas em virtude do avanço do Império Romano por grandes
territórios. Esta etapa é caracterizada pela presença de árbitros privados.
Entretanto, a sentença era imposta pelo Estado às partes. O procedimento era
ainda semelhante ao da fase anterior, com algumas modificações, quais sejam:
havia a intervenção de advogados, e eram observados os princípios do livre
convencimento do juiz ademais do contraditório das partes.(7)
Assim define Hespanha em relação ao princípio do livre convencimento do juiz
"atribui ao pretor a possibilidade de redigir uma fórmula, espécie de
programa de averiguação dos fatos e de sua valorização".(8)
Período da cognitio extraordinária: Esta fase vigorou entre o ano
200 e o ano 565 de nossa era. Apresenta como características principais: a
função jurisdicional pelo Estado desaparecendo os árbitros privados, o
procedimento assume forma escrita contendo o pedido do autor, a defesa do réu,
a instrução, a sentença e sua execução, admitindo também o recurso
Os dois primeiros períodos correspondem à chamada Justiça Privada (ordo
judiciorum privatorum). A seu respeito, escreveu Edson Prata:
O primeiro sistema processual vigorante em Roma foi o da justiça
privada: cabia às partes o encargo de fazer justiça, valendo-se de suas
próprias forças.
Em dois períodos da historia do direito romano vigorou o sistema da
justiça privada: a) no das ações da lei (legis actiones); b) no
formulário (per formulam).
Nesses períodos, o procedimento se divide em duas etapas:
- in iure, que transcorre frente ao magistrado, ou
pretor, que fala em nome do Estado, e encaminha as partes ao juiz;
- in iudicio, que se desenrola frente ao juiz, ou árbitro,
que é simples particular, encarregado da missão de receber as provas das
partes e prolatar sentença. São características do primeiro sistema de
justiça privada:
- existência de duas classes de juízes: o magistrado, ou pretor, e o
juiz propriamente dito, ou árbitro, sendo aquele um representante estatal e
este uma autoridade privada, eventualmente encarregada da jurisdição.
- a primeira etapa do procedimento – in iure – era exercida por
uma autoridade governamental, a saber: o rei, o cônsul (até 367 a.C., quando se
criou o cargo de pretor), o pretor, o interrex, o ditador, os tribunos,
os decênviros, os funcionários menores como os edis curuis;
- funcionava na segunda etapa, na fase de processamento e julgamento do
feito – in iudicio – o juiz (iudex) ou árbitro (arbiter),
eleito entre os senadores, mais pessoas do povo, que não dependia do governo e
não o representava quando praticava a jurisdição. Estes juízes podiam ser
singulares ou coletivos.
A justiça pública surgiu no terceiro desses períodos, quando o
"magistrado" romano (funcionário público graduado, investido de imperium),
além de ouvir e encaminhar as partes em litigo, passou também a decidir o
conflito. Surgiu, aí, a função jurisdicional stricto sensu, quando o
próprio Estado passou a dirimir o conflito, por um seu agente. E com essa função
surgiram o juiz oficial e a Justiça pública.
Ainda segundo a mesma fonte, são apontadas as seguintes características
desse período da "Justiça Pública", surgida em Roma a partir do séc.
IV:
- Desaparecimento da divisão do procedimento em
in iure e in iudicio;
- Desaparecimento da distinção entre magistrados
providos de imperium (representantes do Estado) e os iudices (simples
cidadãos encarregados de recolher provas e prolatar sentenças);
- Aparecimento do juiz único, que ouve as
partes, recolhe suas petições, coleta as provas e profere o julgamento,
não mais como simples cidadão, porém como órgão estatal;
- Já em 284 d.C., com o Imperador Diocleciano, a
justiça se torna pública, porém ainda vigorando o sistema formulário. Este
desaparece de vez em 342 d.C.;
- Torna-se desnecessária a presença das partes,
sendo considerada revel a que não comparece em juízo;
- A in jus vocatio cede lugar à citação por intermédio de um
auxiliar da justiça;
- Alteração substancial nos efeitos da litis
contestaio;
- Predominância do procedimento escrito sobre o
oral;
- Começa a desaparecer a publicidade dos atos
processuais, tão característica do sistema de justiça privada;
- Surgimento
do sistema de condenação não exclusivamente pecuniária, como na época da
justiça privada. O vencido, então, passa a ser condenado exatamente
naquilo que foi requerido ao juiz.
Importante mencionar que o processo sofreu forte influência da ideologia
dominante nos períodos da história, variando sua composição e estrutura
conforme o momento e o local tomados. Pode-se afirmar, todavia, inobstante esta
variabilidade, que há um sentido no movimento de evolução do processo que
aponta para uma publicização cada vez maior. Isto é reflexo da monopolização da
jurisdição pelo Estado e modernamente pela visão preponderante da jurisdição
como uma função do Estado.
Assim, vislumbram-se em Roma tais períodos de evolução em que se nota
uma redução das formalidades, denotando a redução do componente místico, e uma
publicização crescente no exercício da jurisdição, sem que se possa dizer que o
processo romano tenha deixado de ser um processo altamente privatista. No
período das legis actiones, que eram cinco, seguia-se um rito de rígido
formalismo em que a observância das formas era de capital importância, o
processo tomava um cunho cerimonial extremo e o desprezo de qualquer dessas
formas implicava a perda do direito de ação.
No período formulário deixou de existir o cunho quase religioso, mas o
processo adquiriu feições de um exacerbado privatismo posto que as partes
dirigiam-se ao magistrado para que este se lhes desse uma fórmula que era então
levada ao arbiter a quem incumbiria o julgamento. Somente no período da cognitia
extraordinem é que surgiu o processo mais próximo das feições que hoje se
apresenta com magistrado proferindo o judicium e com a existência de
auxiliares. Contudo, ainda assim, a jurisdição, e conseqüentemente o processo,
tomavam uma feição subsidiária, secundária, sendo centrada sua movimentação ao
interesse da parte.
É mister enunciar que o processo penal primitivo não acompanhou o
processo civil e tal se explica pelo fato de que processo e direito material
eram considerados duas faces do mesmo fenômeno, não havia um processo separado
do direito material, mas sim o direito material em movimento. Logo, é natural
que o direito processual civil encontrasse um desenvolvimento muito superior,
uma vez que este era extremamente mais desenvolvido que o penal.
Esta discrepância se deve ao fato de que o direito penal, por
tratar-se de um mecanismo de controle social mais eficaz, sempre apresentou uma
ingerência política maior, e manteve, ainda por longo tempo, um componente
político presente, tanto mais quando se implantou o processo canônico na Idade
Média. Destarte, o direito penal e o processo penal sempre serviram mais ao
aparelho repressor do Estado do que à comunidade e a isto se deve o fato de até
hoje demorarem as conquistas da ciência jurídica a surtir efeitos neste campo.
Com a queda do Império Romano e a dominação do povo germânico, também
chamado de "bárbaros", houve, a priori, um retrocesso na evolução do
direito romano em virtude dos costumes e do direito rudimentar trazido por
eles. Foi dado muito valor aos "juízos de Deus", pois acreditavam que
a divindade participava dos julgamentos. Neste raciocínio, Carreira ensina que:
No processo germânico, enfraquecida a idéia de Estado e da lei como
expressão da sua vontade, o processo apresenta-se como meio de pacificação
social, pela pacificação dos litigantes. O processo era encaminhado, menos a
decidir do que a dirimir as contendas, fazendo depender a solução delas, não do
convencimento do juiz, mas do resultado de certas experiências (juízos de
Deus). O fim do processo é obter a conciliação dos litigantes, através,
inclusive, da reparação do dano.
No processo dos povos germânicos a prova não era um meio de convencer o
juiz e sim um meio, rígido, de fixação da própria sentença. O juiz apenas
reconhecia sua existência, era basicamente um processo acusatório e o ônus da
prova cabia ao acusado.
Os procedimentos eram, no dizer de Jeremias Bentham citado por Theodoro
Júnior, "autênticos jogos de azar ou cenas de bruxaria, e, em vez de
julgamentos lógicos, eram confiados a exorcistas e verdugos".
No período germânico é a Assembléia dos membros livres do povoado a
titular da jurisdição, o juiz é somente um investigador do direito, isto é, um
diretor dos debates. A sentença é pronunciada pela Assembléia, seguindo uma
proposta, seja de um juiz permanente, assim sucedia na Alta Alemanha e Frísia,
seja de uma comissão nomeada de fato pelo juiz. O processo, ao lado do qual a
autodefesa segue ainda sendo praticada, é comum para as questões cíveis e
penais. O procedimento é público oral e descansa no princípio da controvérsia;
é muito formalista, como sucede em todo procedimento no qual o Direito material
é incerto e o poder do juiz, escasso. Neste sentido, o autor Carreira Alvim assevera que:
Os negócios judiciais eram tratados em assembléias (Ding). A
função do juiz era coordenar a atuação dos litigantes, proclamando a decisão da
causa. A função do juiz cinge-se a declarar o que há a provar e por que meio.
Depois disto, limita-se a assistir à experiência probatória e certificar-se
mecanicamente do seu resultado.
A este sistema processual, que perdurou até uma fase bem adiantada da
Idade Média, paralelamente a Igreja católica ainda preservava as instituições
de direito romano.
No processo germânico, a prova é dirigida mais ao adversário do que ao
juiz e se apresenta como uma vantagem que compete a quem é atacado, isto é, ao
réu. Os meios de provas são os duelos e as ordálias ou juízos de Deus, não
havendo, aqui, a coisa julgada.
No que tange a forma do processo, Carreira explana que esta era exercida
de forma oral, no entanto, não por causas íntimas – conforme o direito romano
-, mas por causas exteriores como a ausência de conhecimento da escrita, visto
que eram analfabetos.
Surge então, da fusão de normas e institutos do direito romano, do
direito canônico, do direito germânico, o direito comum e, com ele, o processo
comum.
Como características pode-se identificar que o processo comum era
escrito, complexo e lento, a prova e a sentença voltaram a se inspirar no
direito romano, o direito canônico trouxe o processo sumário, eliminando
algumas formalidades, porém ainda foram preservadas as torturas como meio de
obtenção da verdade no processo. Posteriormente, expandiu-se pela Europa e
alguns métodos aperfeiçoados serviram de base para o processo moderno,
conhecido como a fase científica.
Deste modo, o processo medieval é marcado pela influência germânica e
pelo processo canônico bem como romano. A influência germânica representou uma
involução nas conquistas romanas, embora não se negue que deixaram algumas
contribuições, em especial na sumarização da cognição. A involução se
caracteriza pelo forte componente religioso do processo germânico medieval,
fruto de uma cultura bastante rudimentar, sendo comum o uso de ordálias e
juízos divinos, além de ser corriqueira a prática de duelos. É relevante
lembrar que a pureza do direito Romano só se manteve no Império Bizantino e
seria depois trabalhada pela glosa para a formação do processo comum medieval
de origem italiana, sendo desta época, igualmente, o Processo Canônico,
aplicado pelo famigerado Tribunal do Santo Ofício que fazia da tortura o
instrumento básico de obtenção de confissões.
Logo, este processo procurava, na verdade, dar aplicação a uma política
de dominação e, assim como todo o processo praticado na época, não contemplava
garantia alguma, sendo o réu não sujeito do processo, mas sim objeto dele.
Ao tempo do processo comum medieval, o processo se apresenta como um
modo de resolução de questões. O processo é considerado, principalmente, como
campo de uma atividade privada, estudado exclusivamente do ponto de vista do
interesse e do direito privado. Somente era possível resolver a questão
principal, na medida em que o juiz resolvesse as questões envolvidas pela
questão principal. Tal processo não resultava de lei, havendo uma construção
doutrinária que se impunha como meio de solucionar as controvérsias.
No que se refere à função do juiz, Carreira Alvim explana em sua obra
que:
No processo comum medieval, a função do juiz era tomar conhecimento das
questões (nisto se assemelha ao romano). Mas esse processo reduziu a tarefa do
juiz a uma verificação quase aritmética do concurso do número de elementos
necessários para formar, no caso concreto, o que se chamava "verdade
legal". A atividade do juiz não era a de avaliar racionalmente a prova.
Obliterada a natureza jurídica do processo, como campo de exercício de uma
função pública (iurisdictio), o processo é considerado como campo de uma
atividade privada e estudado exclusivamente do ponto de vista do interesse e do
direito privado.
Importante também lembrar que nesse período histórico a prova era
regulada por um complexo de normas formais (sistema de prova legal) que
disciplinava minuciosamente os meios de provas admissíveis e o modo de serem
produzidas, bem assim a influência que devem ter no convencimento do juiz.
Destarte, a admissibilidade do testemunho dependia do sexo, da fama, da
fortuna, ou seja, o testemunho de umas tantas pessoas do povo não podia
prevalecer sobre o de um nobre.
Ademais, aqui, a coisa julgada não mais se compreende como a simples
expressão de exigência prática de certeza e segurança no gozo dos bens da vida,
mas como "presunção de verdade" daquilo que o juiz, como tal,
declara, vulgarizando-se a máxima "a coisa julgada faz do branco, preto;
do quadrado, redondo". Qualquer sentença era recorrível e passava em
julgado, inclusive as sentenças interlocutórias.
Por fim, o processo medieval, se contrapondo ao processo romano, era
inteiramente escrito, regulado por princípios opostos aos da imediação,
concentração, identidade do juiz e publicidade. O procedimento desenvolvia-se
em várias fases e juízes diferentes podiam funcionar (intervir) numa ou noutra.
O processo contemplava como características a excessiva lentidão e demora
processual, não obstante, adquiriu, posteriormente, como legado germânico, a
sumarização do processo. Ademais, apresentam-se também, como adjetivos deste
período processual, o fato de as partes não comparecerem, mas depositarem em
juízo seus escritos. Os depoimentos eram colhidos por escrito numa ata,
registrando, não apenas as respostas das partes ou das testemunhas, mas também
perguntas.
São essas, portanto, as principais características dos três tipos de
processo: romano, germânico e comum medieval
A situação alterou-se somente após a Revolução Francesa, quando as
declarações de diretos passaram a influenciar a aplicação da lei na condição de
princípios retores do sistema, quadro que permanecerá até o advento do Estado
Democrático Social de Direito. Modernamente, ou seja, a partir deste período,
podem ser identificadas uma série de construções teóricas que tentam explicar o
processo. Dividem-se em dois grandes grupos, conforme tenham inspiração
privatista (contrato) ou publicista.
No processo como contrato se tem o reflexo de uma atuação ainda oprimida
do Estado frente ao exercício da jurisdição e uma forma bastante privatista do
processo, concebido então sob a roupagem de um contrato. Tem-se então a litiscontestatio,
mediante a qual as partes vinham a juízo onde se lhes era concedida uma fórmula
(segundo período de evolução), primeiro ao autor depois ao réu, e segundo a
qual se comprometiam a aceitar a solução que fosse dada ao conflito por um
terceiro, arbiter ou iudex que não era o pretor estatal.
Na primeira fase de evolução a litiscontestatio servia para a
imposição da decisão às partes e então dizia Ulpiano que em juízo se contraía
obrigações como fora dele. O traço distintivo e relevante reside neste fato: a jurisdição
era exercida por um arbitro não pertencente ao corpo estatal.
A transmutação do conflito em lide judicial representava verdadeira
novação que colocou fim ao que existia antes, substituindo-se o negotia
pela sententia. Embora certa parcela da doutrina francesa, fundamentada
no contratualismo de Rosseau, ainda tenha dado vida a esta construção, o fato é
que o processo moderno jamais poderia ser concebido nesta formulação.
Nesta fase histórica, onde o processo era visto como quase contrato, a
sistemática romana no que concerne às obrigações e suas fontes eram rígidas. A
teoria do quase contrato nasceu exatamente da constatação de que o processo não
se enquadrava nas formas usuais de criação de obrigações.
Não era, certamente, um contrato porque sua criação não se dava por
exclusiva ação da vontade das partes, que eram necessariamente conduzidas a
esta solução por força da lei, tampouco se haveria de falar em delito, embora
pudesse existir na origem da controvérsia, mas uma coisa é haver um delito como
objeto do processo, outra é ser o próprio processo o delito.
A origem da teoria remonta a um fragmento no qual se lê: in judicium
quase contrahimus. É certamente visível a influência privatista desta
teoria, que jamais poderia ser tolerada no processo moderno. Coaduna-se, esta
visão, a uma concepção civilista de ação.
Este ensinamento tem como idealizador Jaime Guasp. Parte da premissa
sociológica de que o processo representa uma escolha do grupo social. As
escolhas de determinados valores e comportamentos, quando alcançam um grau de
abrangência significativo, sejam escolhas democráticas ou não, e neste último
caso são impostas por uma estrutura de poder apta a impô-las, atingem a
institucionalização, passando a valerem de per si, ou seja, adquirem dentro de
um determinado espaço de tempo, uma inquestionabilidade.
A associação do processo como situação jurídica trata-se de teoria
desenvolvida por James Goldschimidt. Na visão do processualista alemão o
processo representa uma situação jurídica de sujeição a um futuro comando
sentencial em que materializam as expectativas dos contenedores em relação a um
resultado, que pode ser favorável ou desfavorável. A norma jurídica, enquanto
estática, tem ínsito um provável direito subjetivo e quando esta mesma norma é
posta em atuação pelo processo, dito direito se converte em uma expectativa,
funcionando a norma como critério para o julgador. Na verdade, a teoria do
autor alemão peca por dar margem a um tecnicismo inconcebível e por
direcionar-se mais ao direito que constitui a res in judicio deducta.
O Processo como Relação Jurídica é, indubitavelmente, a teoria que maior
alcance obteve em termos de aceitação. Foi veiculada na revolucionária obra de
Oscar von Bülow " Teoria das exceções e os pressupostos processuais",
publicada em 1868 . Bülow soube captar a essência que se mantivera recôndita
sob o matiz do direito substancial, tendo plena consciência de que o direito
processual padecia de um grave atraso científico em relação ao direito
material. Até então, o processo é visto como mero rito, mas o autor localiza
nele uma verdadeira relação jurídica, estabelecendo um vínculo jurídico entre o
juiz e as partes, assim como já dizia o glosador Búlgaro: judicium est actum
trium personarum. O exercício da ação, dando vida ao processo, colocaria o
Estado-juiz em uma situação de sujeito de direitos e obrigações frente às
partes, dentre as quais a principal seria a da prestação jurisdicional final.
As partes igualmente teriam direitos e obrigações frente ao Estado-Juiz, mas
não só esta categoria, como também as faculdades processuais. A partir da
constatação da relação processual como uma realidade separada da relação de
direito material encartada no processo, é possível construir uma teoria acerca
dos pressupostos da relação processual, subjetivos e objetivos, hoje perfeitamente
assentada na doutrina e no direito positivo.(26)
Na construção de uma relação jurídica encontra-se fundamento para a
submissão das partes ao processo como uma relação dialética composta por um
feixe de atos concatenados ao atingimento de um fim. A teoria de Bülow ganhou
foros de quase unanimidade no direito ocidental moderno, coisa que não ocorreu
com a forma pela qual se revela esta relação. Com efeito, três teorias disputam
a proeminência na definição da estrutura da relação processual. Assim, Köhler
discerniu na relação processual um vínculo que unia apenas autor e réu, dando
origem à Teoria Linear. Hellwig, por seu turno, via na relação processual uma
relação angular em que se estabeleciam relações entre as partes e o juiz,
denominada Teoria Angular.
No entanto, Bülow e Wach viam na relação processual uma relação entre as
partes entre si e entre elas e o juiz, dando vida à Teoria Triangular. Hoje, com
a publicização do processo, a teoria triangular é a que melhor representa o
conjunto de relações existentes no processo.
Destarte, os comportamentos postos sob a denominação de litigância de
má-fé ferem um dever de lealdade entre as partes, corrompendo e indignificando
não só o processo enquanto exercício de uma potestade estatal, mas também como
relação entre as partes, são atitudes que não encontram guarida em uma ordem
político-jurídica marcada, acentuadamente, por um solidarismo jurídico que
requer uma postura individual ética, fazendo do processo um instrumento dela.
Isto é reflexo de uma visão mais ampla do fenômeno processual (Jurisdição, ação
e processo), que caracteriza o pensamento instrumentalista à luz do qual deve
ser feita a análise de qualquer instituto da técnica processual, seja qual for
o ramo do direito material invocado.(27)
A evolução científica ou doutrinária do direito processual é dividida em
três fases, quais sejam: Fase Sincretista, a qual engloba o Período Primitivo,
a Escola Judicialista, o Praxismo, como também o Procedimentalismo,
posteriormente há a Fase Autonomista ou Conceitual (Científica) e, por fim, a
Fase Instrumentalista.
Na primeira fase, Sincretista, não se deve falar propriamente em direito
processual, e sua principal característica era o processo ser considerado mero
apêndice do direito material. Afirma Ada Pellegrini:
Até meados do século passado, o processo era considerado simples meio de
exercício dos direitos (daí, direito adjetivo, expressão incompatível com a
hoje reconhecida independência do direito processual). A ação era entendida
como sendo o próprio direito subjetivo material que, uma vez lesado, adquiria
forças para obter em juízo a reparação da lesão sofrida. Não se tinha
consciência da autonomia da relação jurídica processual em face da relação
jurídica de natureza substancial eventualmente ligando os sujeitos do processo.
Nem se tinha noção do próprio direito processual como ramo autônomo do direito
e, muito menos, elementos para a sua autonomia científica. Foi o longo período
de sincretismo, que prevaleceu das origens até quando os alemães começaram a
especular a natureza jurídica da ação no tempo moderno e acerca da própria
natureza jurídica do processo.(28)
Nessa fase, que prevaleceu das origens até quando se começou a
especular, no século XIX, sobre a natureza jurídica da ação e do próprio
processo, tinha-se uma visão linear do ordenamento jurídico, caracterizando-se
pela confusão entre os planos material e processual.
Assim sendo, a jurisdição era vista como um sistema de tutela dos
direitos exercida com reduzida participação do juiz, a ação integrava o sistema
de exercício dos direitos, sendo compreendida como o próprio direito subjetivo
material que, uma vez lesado, armava-se para buscar a reparação sofrida. O
processo era visto como mero procedimento e até meados do século passado era
tido como instrumento de exercício dos direitos, não havendo noção de autonomia
do direito processual em relação ao direito material. Nesta fase, conforme já
mencionado, inclui-se o Período Primitivo, Escola Judicialista, Praxismo e
Procedimentalismo.
No pensamento do autor Iberê de Castro, a propagação dos ideais
iluministas, que culminou com a Revolução Francesa, em 1979, trouxe avanços
para a ciência processual, tornando-a similar a atual. Passaram, deste modo, a ser
adotados princípios comuns, tais como oralidade, publicidade, ademais do devido
processo legal e verdade real. Com isso, o magistrado deixa de ser simples
confrontador de provas, para atuar com maior subjetividade e liberdade,
valorando os elementos trazidos aos autos, que deixaram de ser tarifados,
hierarquizados.(29)
A segunda fase, científica, é caracterizada pela predominância dos
estudos voltados para a fixação dos conceitos essenciais que compõem a ciência
processual. O direito Processual, por sua vez, passa a ser considerado ramo
autônomo do direito, passando a integrar o Direito Público.
Nesta etapa, destacaram-se grandes nomes como: Giuseppe Chiovenda,
Francesco Carnelutti, Piero Calamandrei e Enrico Tullio Liebman na Itália,
Adolf Wach, James Goldschmidt e Oskar von Büllow na Alemanha e Alfredo Buzaid,
Lopes da Costa, Moacyr Amaral Santos, no Brasil, todos defensores de teorias da
autonomia científica deste ramo do direito. Deste modo, assevera Ada:
A segunda fase foi autonomista, ou conceitual, marcada pelas grandes
construções científicas do direito processual. Foi durante esse período de
praticamente um século que tiveram lugar as grandes teorias processuais,
especialmente sobre a natureza jurídica da ação e do processo, as condições
daquela e os pressupostos processuais, erigindo-se definitivamente uma ciência
processual. A afirmação da autonomia científica do direito processual foi uma
grande preocupação desse período, em que as grandes estruturas do sistema foram
traçadas e os conceitos largamente discutidos e amadurecidos.(30)
É nesta fase, por volta de 1940 quando se transferiu para o Brasil
Enrico Tullio Liebman, professor titular de direito processual civil da Itália,
que se iniciou um verdadeiro movimento científico no Brasil. Vieram, em
seguida, os trabalhos de alto nível de Alfredo Buzaid e José Frederico Marques,
discípulos de Liebman, trabalhos de Moacyr Amaral Santos como também Celso
Agrícola Barbi.
Já na terceira fase, instrumentalista, na qual se vive hoje, o
processualista passa a dedicar seus esforços no sentido de tornar mais célere a
prestação jurisdicional, sem se afastar dos princípios basilares do direito
processual, sendo um deles a segurança proporcionada às partes no processo.
Também nesta fase se destacam grandes nomes como Mauro Cappelletti, italiano,
além dos notáveis juristas brasileiros José Carlos Barbosa Moreira, Cândido
Rangel Dinamarco, Ada Pellegrini Grinover, dentre outros.
No que se refere a esse aspecto, Ada Pellegrini menciona que:
A fase instrumentalista, ora em curso, é eminentemente crítica. O
processualista moderno sabe que, pelo aspecto técnico-dogmático, a sua ciência
já atingiu níveis muito expressivos de desenvolvimento, mas o sistema continua
falho na sua missão de produzir justiça entre os membros da sociedade. É
preciso agora deslocar o ponto-de-vista e passar a ver o processo a partir de
um ângulo externo, isto é, examiná-lo nos seus resultados práticos. Como tem
sido dito, já não basta encarar o sistema do ponto-de-vista dos produtores do
serviço processual (juízes, advogados, promotores de justiça): é preciso levar
em conta o modo como os seus resultados chegam aos consumidores desse serviço,
ou seja, à população destinatária.(31)
A visão instrumentalista, que representa o terceiro momento de evolução
do processo, tem como conseqüências um alargamento dos horizontes do processo.
É uma visão que produz um processo que é a faceta judicial do Estado Social,
preocupado não só com o aspecto formal com que se debatia o Estado Liberal,
indo além. Dentre as suas correntes ganhou notoriedade o movimento pelo acesso
à justiça, capitaneado por Mauro Capeletti, dando um dos enfoques da
efetividade da jurisdição, também Niklas Luhman, autor alemão preocupado em dar
um enfoque maior ao procedimento como fonte de legitimação. No Brasil é a visão
instrumentalista que move as reformas processuais em curso desde meados da
década passada. Assim é que foram introduzidos em nosso processo civil a
antecipação da tutela (art. 273), a tutela inibitória (art. 461 e 84 do CDC), a
execução específica das obrigações de fazer e de não fazer, a simplificação do
processo de execução, excluindo-se a necessidade de cálculo por contador, a
audiência prévia de conciliação e saneamento, as alterações na sistemática
recursal (Leis 9.139/96 e 9.756/98), dentre tantas outras.
Em suma, instrumentalidade do processo representa a terceira fase de
evolução deste ramo do direito. Primeiro tivemos o sincretismo imanetista, fase
de fusão do direito material e de inexistência de uma separação rigorosa dos
planos processual e material. Posteriormente ocorreu o advento de outra fase
denominada autonomista, onde se clamava por independência, fase esta em que a
ciência processual procurava afirmar sua autonomia frente ao direito processual
e às demais ciências por intermédio de uma visão introspectiva, distanciando-se
da realidade. A instrumentalidade é a terceira fase. Aqui se busca uma visão
epistemiológica do Direito Processual, contrapondo-o à realidade e buscando a
ótica dos "consumidores" para a consecução de uma efetividade da
tutela jurisdicional e produção de uma "ordem jurídica justa".
Os defensores salientam que pelo aspecto técnico-dogmático o direito
processual já atingiu níveis bastante expressivos de desenvolvimento, no
entanto, o sistema permanece impotente na sua missão de produzir a participação
com justiça.
Por isso, salientam ser necessário ver o processo a partir de seu ângulo
externo, analisando-o em seus resultados práticos. Não basta mais encarar o
sistema processual do ponto de vista dos operadores jurídicos, é necessário
levar em consideração o modo como os resultados concretos chegam aos seus
destinatários, ou seja, à sociedade.
Em outras palavras, tem por fundamento tanto a instrumentalidade do
processo, sendo este um instrumento do Estado de pacificação social, bem como a
efetividade daquele como forma de possibilitar a justiça social.
Para a efetividade do processo, ou seja, para a plena consecução de sua
missão social de eliminar conflitos e fazer justiça, é preciso, de um lado,
tomar consciência dos problemas políticos e sociais, e por outro, superar os
óbices que ameaçam a qualidade da prestação jurisdicional.
Esta fase é caracterizada pela preocupação com a admissão ao processo
(ingresso em juízo), sendo preciso eliminar as dificuldades econômicas que
impeçam ou desanimem as pessoas de litigar ou dificultem o oferecimento da
defesa adequada. A oferta constitucional de assistência jurídica integral e
gratuita(32)
há de ser cumprida, seja quanto ao juízo cível como ao criminal, de modo que
ninguém fique privado de ser convenientemente ouvido pelo juiz, por falta de
recursos.
É preciso eliminar o óbice jurídico representado pelo impedimento de
litigar para a defesa de interesses supra-individuais (difusos e coletivos); a
regra individualista, segundo a qual só pode litigar para a defesa de seus
próprios direitos (CPC, art. 6º), está sendo abalada pela Lei da Ação Civil
Pública (Lei 7.347/85), que permite ao Ministério Público e às
associações pleitear judicialmente em prol de interesses coletivos e difusos,
assim como a garantia do Mandado de Segurança Coletivo (Art. 5, inciso LXX, da
Constituição Federal), que autoriza partidos políticos e entidades
associativas a defender os direitos homogêneos de toda uma categoria, mediante
uma só iniciativa em juízo. Ada adverte que:
Se temos hoje uma vida societária de massa, com tendência a um direito
de massa, é preciso ter também um processo de massa, com a proliferação dos
meios de proteção a direitos supra-individuais e relativa superação das
posturas individuais dominantes; se postulamos uma sociedade pluralista,
marcada pelo ideal isonômico, é preciso ter também um processo sem óbices
econômicos e sociais ao pleno acesso à justiça; se queremos um processo ágil e
funcionalmente coerente com os seus escopos, é preciso também relativizar o
valor das formas e saber utilizá-las a exigi-las na medida em que sejam
indispensáveis à consecução do objetivo que justifica a instituição de cada uma
delas.(33)
Há também uma preocupação com o modo-de-ser do processo. O juiz
não deve ser mero espectador dos atos processuais das partes. É preciso que a
ordem legal dos atos do processo seja observada: o devido processo legal e o
contraditório, como, por exemplo, o art. 130, do Código de Processo Civi(34)
e Art. 156, do Código de Processo Penal;(35)
Do mesmo modo, há um cuidado maior com a justiça das decisões, ou
seja, o juiz deve pautar-se pelo critério de justiça, seja ao apreciar a prova,
seja ao enquadrar os fatos em normas e categorias jurídicas ou ao interpretar
os textos de direito positivo. Não deve exigir uma prova tão precisa e
exaustiva dos fatos que torne impossível a demonstração destes e impeça o
exercício do direito material pela parte.
Igualmente, é relevante ter uma maior atenção no que se refere à
utilidade das decisões. Diante deste fator, faz-se necessário citar Ada
Pellegrini quando assevera que "todo processo deve dar a quem tem um
direito tudo aquilo e precisamente aquilo que ele tem o direito de obter".(36)
Portanto, a busca de soluções práticas para os problemas de acesso à
justiça inclui historicamente três momentos, assistência judiciária aos pobres;(37)
representação dos interesses coletivos e difusos(38)
e o acesso à representação em juízo a uma concepção mais ampla de acesso à
justiça - Lei dos Juizados Especiais - Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995,
artigo 9º: "Nas causas de valor até vinte salários mínimos, as
partes comparecerão pessoalmente, podendo ser assistidas por advogado; nas de
valor superior, a assistência é obrigatória.".
Tem-se, nessa fase, o reconhecimento dos matizes ideológicos do sistema
processual e a consciência de que, sem uma mudança de mentalidade em relação a
ele, não se viabilizará a efetividade do processo como meio de acesso à
justiça. Logo, é indispensável a consciência de que o processo não é mero
instrumento técnico a serviço da ordem jurídica, mas, acima disso, um poderoso
instrumento ético destinado a servir à sociedade e ao Estado.(39)
O direito moderno surgiu historicamente com o objetivo de ser um
instrumento de proteção do fraco contra o forte. A ordem jurídica era vista
como um elemento suficiente para colocar limites ao exercício arbitrário da
força por parte daqueles que detém o Poder (político, físico, econômico, etc).
Essa é uma das razões históricas apresentadas para justificar a necessidade do
estado democrático de direito.
Nesse sentido, pode-se afirmar que o direito busca a concretização da
justiça. No confronto entre o forte e o fraco, a sua inexistência seria a
continuada vitória do primeiro, por meio da imposição arbitrária da sua
vontade. A idéia da chamada igualdade proporcional, tratar com igualdade os
iguais e com desigualmente os desiguais, caminha exatamente neste sentido. No
conflito entre o forte e o fraco o Direito existe para garantir aquele que, na
sua ausência, não teria possibilidades de alcançar uma decisão justa para o
problema que enfrenta.
Se a função do direito moderno era proteger o fraco, constituindo-se no
limite e no freio do poder, possibilitando a efetiva concretização das
liberdades individuais, o direito contemporâneo passa a ter a justiça social o
seu objetivo fundamental.
Ocupando a jurisdição o centro da teoria processual enquanto exercício
de poder estatal, amplia-se o horizonte do processo strictu sensu para
abranger manifestações não jurisdicionais, concebendo-se, então, uma larga
margem de abrangência para uma Teoria Geral do Processo.
A ação ganha um conteúdo diferenciado, mais publicizado, fato que
podemos notar na Ação Civil Pública e na Ação Popular, verdadeiros mecanismos
de participação democrática. A Jurisdição adquire, como visto, uma amplitude
que não se restringe a um escopo somente, não se trata mais de fazer atuar o
direito objetivo, ou pacificar o conflito, unicamente. Busca-se a educação para
a vida em sociedade, a afirmação do Estado e do Direto, a pacificação com
justiça, enfim, a cidadania.(40)
Mas é preciso que se note que estas conquistas ainda são recentes e não
foram transportadas a todas as "faces" da ciência processual. O
processo penal sofre em especial deste mal. A secular confusão dos planos
processual e material fez com que o processo fosse cindido, aparentando que os
institutos processuais cível e penal foram erguidos sobre bases diferentes, o
que hoje se verifica não ter sentido.
Da mesma forma, não tem mais aceitação o isolamento do direito
processual em relação ao plano do direito material, como se propôs na segunda
fase de sua evolução. Significa, portanto, dizer que não devemos involuir para
retornar ao sincretismo, mas tampouco se pode desconsiderar a instrumentalidade
do processo ao direito material.
Em suma, é no exato equilíbrio destas tendências contrapostas que reside
o ideal.(41)
A conseqüência mais visível do instrumentalismo reside na busca incansável de
adequação do processo, enquanto forma, ao direito material que ele visa servir,
cumprindo, pela inserção de valores constitucionais no conteúdo de suas normas,
o papel de instrumento do Estado para que seja alcançada a máxima eficiência da
prestação jurisdicional.
Logo, os institutos processuais devem ser interpretados à luz deste
objetivos, ou seja, com uma visão exterior que concebe o meio com vistas ao
fim. O conteúdo da ciência processual se publiciza, priorizando-se o prisma que
vislumbra no exercício da jurisdição um interesse preponderante do Estado. A
jurisdição não apresenta, sob este ponto de vista, o caráter secundário, porque
nela não se está buscando prioritariamente a guarida dos interesses das partes,
mas sim o interesse maior da sociedade. (42)
A ação aparece como uma opção de política legislativa que concede o
direito de obter a tutela jurisdicional a julgo do interessado somente porque
se constata que o exercício ex offício da jurisdição representaria um
motivo de inquietude e instabilidade.
O processo, como conjunto de atos concatenados para o fim de obtenção da
tutela, ganha importância na medida em que é mecanismo de legitimação do
exercício do poder. Somente na medida em que as partes tenham a certeza de que
irão participar ativamente da preparação do provimento ou atividade do Estado
que se prepara por via do processo, é que ele logrará legitimar, aos olhos da
sociedade, destinatária do ato, a atividade desenvolvida.
Todavia, isto não significa perder de vista o caráter de instrumento do
processo de tal modo que o magistrado está autorizado a flexibilizar a forma,
na medida da legalidade, com o fito de moldar o instrumento ao fim que ele
visa.
Tudo isto sempre com vistas ao consumidor da prestação jurisdicional,
porque é na sua aceitação que se encontra a legitimidade do exercício do poder,
e quanto mais eficiente o mecanismo de prestação jurisdicional, maior a
aceitação, satisfação e confiança dos destinatários. Logo, é preciso verificar
efetivamente se está produzindo uma prestação conforme as expectativas dos seus
destinatários, não bastando mais as garantias meramente formais. Isto legitima
uma revisão de todos os institutos processuais para adequá-los à nova
realidade, pautando-se, o estudioso, por um método epistemiológico que não se
restrinja à tradicional visão introspectiva de puro tecnicismo processual.
Na visão que marca a terceira etapa de evolução do processo, passamos à
busca de uma efetiva instrumentalidade do processo ao direito material. O
fetichismo das formas deve ser abolido e o binômio processo - direito material
relativizado mediante tutelas aptas a se moldarem ao direito material
veiculado, afastando-se a supremacia absoluta do ordo judicum privatorum,
do rito ordinário, da cognição exauriente e plena do binômio condenação-
execução forçada.
Mais do que nunca, sobressai o caráter instrumental do processo, sem que
isto, como ocorria no sincretismo, represente uma menos valia para o processo,
ao contrário. O fato é que entre a certeza e a segurança jurídica e a
celeridade, o sistema orienta-se cada vez mais para a segunda, até mesmo no
processo penal, reduto fortificado da segurança jurídica (Lei dos Juizados),
campo este onde todos os cuidados são recomendáveis.
A técnica processual tem importante papel na busca da efetividade da
jurisdição, agora revigorada e revisitada, compondo-se à luz dos novos valores.
Atrela-se, assim, a forma a uma finalidade, o que é a máxima do
instrumentalismo.
As formas processuais só têm sentido na medida em que cumpram uma
finalidade, e elas, além da ordenação própria à ascensão de um sistema, também
são o veículo por excelência da infiltração e proteção dos valores sociais no
sistema processual, outrora hermeticamente fechado e estanque.
Sob a égide de uma Teoria Geral do Processo, condensam-se nos diversos
processos os valores axiológicos, tornando o processo um meio mais eficaz e
legítimo de exercício do poder estatal, fortalecendo o sistema e a justiça,
entendida esta como a qualidade de decisões que refletem o conjunto médio dos
valores preponderantes na sociedade em determinado momento.
Não há mais lugar para um processo exclusivamente judicial, fruto de uma
visão reduzida de jurisdição. Se o processo é o veículo da jurisdição, onde
houver jurisdição há processo, e jurisdição há também onde não há lide. Mas a
noção de processo transcende mesmo à de jurisdição, infiltrando-se na esfera
administrativa, pois lá também se exerce verdadeiro processo, que se submete
aos mesmos princípios constitucionais e está compreendido dentro da teoria
geral.
É hora de as grandes conquistas do processo civil de conhecimento
atingirem os outros ramos do processo, ou melhor, suas especializações, é
exatamente o que se busca nessa visão panorâmica: constatar a unidade do
processo e estender as conquistas da teoria processual a todos os rincões da
ciência do processo, na busca de sua efetividade concreta.
Existem duas correntes entre os cultores da ciência processual: a unitarista
e dualista. A unitarista sustenta que o direito processual civil e o direito
processual penal são dois ramos distintos de uma mesma ciência, que é o direito
processual, não sendo substancialmente distintos. Contrapõe-se com a teoria
dualista, visto que esta "sustenta que o direito processual civil e o
direito processual penal são substancialmente distintos, constituindo, pois,
duas ciências jurídicas distintas."
Destarte, é relevante acrescentar que na Itália, a frente da corrente
unitarista está presente Carnelutti, e, mais recentemente, Giovanni Leone,
enquanto que se encontra como expoente da teoria dualista Vicenzo Manzini e
Eugenio Florian.
Carnelutti diz que o direito processual é substancialmente uno e que o
processo civil se distingue do penal não porque tenham raízes distintas, mas
por serem dois grandes ramos em que se bifurca, a uma boa altura, um tronco
único. Giovanni Leone, por sua vez, defende que as pilastras do ordenamento
processual são comuns aos dois tipos de processo, ambos têm a mesma finalidade
que é a atuação do Poder Jurisdicional.
Em outras palavras, tanto no direito processual civil como no direito
processual penal a intervenção do Poder Jurisdicional é condicionada ao
exercício da ação e, por fim, ambos se iniciam, se desenvolvem e se concluem
com a participação de três sujeitos: autor, réu e juiz.
Carreira Alvim menciona, em sua obra,
alguns argumentos da corrente unitarista onde devem ser observados os
seguintes:
- No plano da doutrina, o processo é um só,
ainda que o conflito se produza nos distintos âmbitos do direito;
- Processo é sempre uma relação jurídica
(processual) entre três pessoas: autor, juiz e réu. A idéia de processo,
acrescenta Couture, é necessariamente teleológica, pois só se explica por
seu fim;
- Ação é um direito subjetivo público contra o
Estado; não há uma ação penal diferente da ação civil, apenas a natureza
da pretensão é que difere;
- Jurisdição é sempre função pública e soberana
do Estado, exercida pelo Poder Judiciário, pouco importando que o conflito
a ser dirimido seja de natureza penal ou extra penal.
Do mesmo modo, contempla Alvim na obra Teoria Geral do Processo(49)
pretextos amparados por aqueles que acreditavam nos alicerces da corrente
dualista:
- O objeto essencial do processo penal é o
direito público; no processo civil o objeto é sempre ou quase sempre uma
relação de direito privado, seja civil ou mercantil;
- O processo penal é instrumento normalmente
indispensável para a aplicação da lei penal; já o processo civil, nem
sempre é necessário para atuar as relações de direito privado;
- O poder dispositivo das partes é muito
restringido no processo penal; já no civil é grande o poder dispositivo
das partes e mínimo o do juiz;
- No processo civil o juízo é regido
exclusivamente por critérios jurídicos puros; no processo penal o juiz tem
de julgar um ser humano e, por tal motivo, tem de inspirar-se em critérios éticos sociais.
O direito processual, como ciência autônoma, dotada de princípios e
regras próprias, é relativamente recente, não tendo completado ainda cento e
cinqüenta anos. Isso não significa que o processo, como meio de solução de
conflitos, seja um fenômeno dos tempos atuais, visto que o processo moderno é
derivado do direito romano e germânico.
Em Roma, o processo como método de solução de conflitos teve excepcional
florescimento, uma vez que era a partir dele e da atividade estatal que se
formava o direito substancial. Havia confusão entre ação e lei e verdadeira
identificação entre o direito material e o processo, em outras palavras, o
direito e a ação eram uma só coisa, e o estudo de um confundia-se com o do
outro. Com a queda do império romano e as invasões bárbaras, o direito
altamente desenvolvido dos romanos sofreu o impacto de uma cultura muito
inferior, que utilizava métodos completamente diferentes. O sistema processual
dos bárbaros era fundado em superstições e ritos sacramentais, que não se
compatibilizavam com o sistema romano. Os invasores procuravam, portanto, impor
a sua forma de solução de conflitos aos vencidos.
Posteriormente, adveio o processo medieval que foi caracterizado por
essa simbiose entre o antigo direito romano e o dos bárbaros, não havendo
nenhuma elaboração científica a respeito do processo, como entidade autônoma, e
da relação processual, como distinta da relação material subjacente.
Entretanto, foi somente a partir de 1868, com a publicação, por Oskar
von Bulow, da obra Teoria dos pressupostos processuais e das exceções
dilatórias, que se concebeu a existência de uma relação processual, que
constitui um conjunto de ônus, poderes e sujeições entre as partes do processo,
distinta da relação material subjacente, e que pode existir ainda que se
conclua pela inexistência do direito material. Foi a partir daí que o processo
adquiriu autonomia, como ciência independente, passando a ter institutos e
princípios próprios, assim sendo, a nova ciência tratou logo de definir os
contornos de seus institutos fundamentais, como jurisdição, ação e processo.
Desde então, a ciência processual teve um notável desenvolvimento, em
especial a partir dos estudos de grandes juristas alemães (Wach, Degenkolb,
Goldschmidt, Rosemberg, Lent e Schwab) e italianos (Chiovenda, Carnelutti,
Calamandrei, Liebman e Cappelletti).
Atualmente, a ciência do processo civil passa por grandes modificações.
Ao lado do processo civil clássico, têm surgido novas tendências e instrumentos
diversificados, que se destinam a fazer frente às necessidades das sociedades
contemporâneas.
As atuais tendências não suprimem o processo tradicional, mas com ele se
harmonizam. Há, nos dias de hoje, notável preocupação com certos aspectos do
processo, para os quais as regas tradicionais não dão solução. São notórios,
por exemplo, os problemas relacionados ao acesso à justiça e à lentidão dos
processos, bem como à distribuição dos ônus decorrentes da demora na solução
dos conflitos.
Há ainda preocupação quanto à socialização da justiça, que provém da
tomada de consciência de que muitos dos conflitos de interesses deixavam de ser
levados a juízo, seja em virtude do custo que isso demandava, seja porque o
interesse não tinha um lesado direto, pois o dano pulverizava-se entre toda a
sociedade (interesses difusos e coletivos).
São exemplos das novas tendências do processo civil a criação dos
juizados especiais cíveis, que procuram facilitar o acesso jurisdicional
tornando consumidores da justiça pessoa que possivelmente não levariam a juízo
seus litígios de menor extensão; as tutelas de urgência, que buscam minimizar
os efeitos danosos da demora do processo, a tutela de interesses difusos e
coletivos,, atribuída a determinados entes, e que resultou na Lei da Ação Civil
Pública e na proteção coletiva do consumidor, entre outros.
O que se tem buscado, portanto, é a universalização da justiça, seja
facilitando-lhe o acesso a todos, seja distribuindo melhor os ônus da demora no
processo, seja permitindo a tutela de interesses que, fragmentados entre os
membros da coletividade, não eram adequadamente protegidos.