Artigo produzido em co-autoria com Diego Schwartz
A análise do tema proposto requer
uma breve conceituação acerca do Direito Penal e Direito Processual Penal; bem
como sua finalidade. Assim, antes de iniciarmos as considerações acerca da
Legítima Defesa. Trataremos destes assuntos, pois é a partir do conhecimento
dos mesmos, que conseguiremos melhor entendimento para discernir, e
conseqüentemente, identificar a ocorrência de tal Tese de Absolvição.
A visão de Capez preceitua que:
O Direito
Penal é o segmento do ordenamento
jurídico que detém a função de selecionar os comportamentos humanos mais graves
e perniciosos à coletividade, capazes de colocar em risco valores fundamentais
para a convivência social, e descrevê-los como infrações penais,
cominando-lhes, em conseqüência, as respectivas sanções, além de estabelecer
todas as regras complementares e gerais necessárias à sua correta e justa
aplicação.
A ciência penal, por sua vez, tem
por escopo explicar a razão, a essência e o alcance das normas jurídicas, de
forma sistemática, estabelecendo critérios objetivos para sua imposição e
evitando, com isso, o arbítrio e o casuísmo que decorreriam da ausência de
padrões e da subjetividade ilimitada na sua aplicação. Mais ainda, busca a
justiça igualitária como meta maior, adequando os dispositivos legais aos
princípios constitucionais sensíveis que os regem, não permitindo a descrição
como infrações penais de condutas inofensivas ou de manifestações livres a que
todos têm direito, mediante rígido controle de compatibilidade vertical entre a
norma incriminadora e princípios como o da dignidade humana (grifo nosso).[1]
Complementando, Cintra, Grinover e Dinamarco apud
Capez descrevem, que “chama-se direito processual penal o conjunto de
normas e princípios que regem (...) o exercício conjugado da Jurisdição pelo
Estado-Juiz, da ação pelo demandante e de defesa pelo demandado (Teoria
geral do processo, 9. ed., Malheiros, p. 41)” (grifo nosso).[2]
Neste contexto, define ainda, José Frederico
Marques apud Capez que direito processual penal “é o conjunto de
princípios e normas que regulam a aplicação jurisdicional do Direito Penal, bem
como as atividades persecutórias da Polícia Judiciária, e a estruturação dos
órgãos da função jurisdicional e respectivos auxiliares (Elementos de
direito processual penal, 2. ed., Forense, v. 1, p. 20)”.[3]
Quanto à finalidade do Processo Penal, determina Capez que, “é propiciar adequada
solução jurisdicional do conflito de interesses entre o Estado-Administração e
o infrator, através de uma seqüência de atos que compreendam a formulação da
acusação, a produção das provas, o exercício da defesa e o julgamento da lide”.[4]
CONCEITO DE LEGÍTIMA DEFESA
Acquaviva conceitua Legítima Defesa,
da seguinte maneira:
Entende-se
em legítima Defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele
injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. É causa
excludente da antijuricidade e, por seu intermédio, qualquer bem jurídico pode
ser preservado, pertença ao próprio agente ou a terceiro, que pode ser a
própria coletividade ou o Estado. Por isso, a legítima defesa pode ser própria
ou de terceiro. A legítima defesa tem como pressuposto inarredável à vontade e
a necessidade de defesa, não havendo legítima defesa, p. ex., se A atira
dolosamente em B, ignorando que este, também, já estava na iminência de
agredi-lo. Não é o caso da legítima defesa putativa; nesta o agente supõe,
erroneamente, achar-se na iminência de sofrer a agressão injusta, à qual reage.
Questão de relevantes efeitos práticos é a determinação, em cada caso, do que
venha a ser moderação no emprego dos meios necessários à efetivação da legítima
defesa (grifo nosso).[5]
Indubitavelmente, confirma Morgado que, “nos termos
do artigo 25 do Código Penal, entende-se em legítima defesa quem, usando
moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou
iminente, a direito seu ou de outrem”.[6]
No mesmo sentido, aduz a Doutrina, nas palavras de
Teles apud Morgado:
‘Legítima defesa é a repulsa a
uma agressão injusta, atual ou iminente, a qualquer direito, próprio ou alheio,
por meio do uso moderado dos meios necessários. Seus requisitos são: agressão
injusta, atual ou iminente, a qualquer direito, e repulsa com a utilização dos
meios necessários, usados moderadamente, além, é claro, do elemento subjetivo:
consciência e vontade’ (TELES, Ney Moura. Direito Penal I – parte geral. Atlas,
2004, p. 259).[7]
Portanto, conforme estabelece o
Código Penal, em seu artigo 23, II:
“Art. 23 – Não há crime quando o
agente pratica o fato:
(...) II – em legítima defesa;”
(grifo nosso).[8]
O Superior Tribunal Justiça, na
ementa a seguir, confirma o acolhimento da tese de Legítima Defesa Putativa em
um Homicídio, senão vejamos:
EMENTA: “HABEAS CORPUS”. PROCESSO
PENAL. CRIME DE HOMICÍDIO. ACOLHIMENTO DA TESE DE LEGÍTIMA DEFESA
PUTATIVA.SÚMULA 156 DO STF. PRECEDENTES DO STJ. 1. Não há nulidade quando o
advogado do réu, regularmente intimado para apresentar contra-razões ao apelo
ministerial, deixa transcorrer in albis o respectivo prazo, não apresentando a
referida peça processual. Precedentes do STF e do STJ. 2. No caso em tela,
muito embora o Ministério Público somente tenha argüido o vício de quesitação
em sede recursal, constata-se que não se trata de mera irregularidade ou mesmo
defeito na formulação de quesito – hipóteses que se sujeitam à preclusão quando
não argüidas opportuno tempere – mas de efetiva inexistência de quesitos
obrigatórios, sem os quais resta irremediável e absolutamente nula a decisão.
Inteligência da Súmula nº 156 do Supremo Tribunal Federal. Precedentes do STJ.
3. Ordem denegada. ANULAÇÃO DA SENTENÇA PELO TRIBUNAL. ALEGAÇÃO DO CERCEAMENTO
DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. INEXISTÊNCIA DO QUESITO OBRIGATÓRIO. NULIDADE
ABSOLUTA. MATÉRIA NÃO SUJEITA À PRECLUSÃO.
Vistos, relatados e discutidos
estes autos, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de
Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por
unanimidade, denegar a ordem. Os Srs. Ministros Arnaldo Esteves Lima, José
Arnaldo da Fonseca, Felix Fischer e Gilson Dipp votaram com a Sra. Ministra
Relatora Laurita Vaz.
NÃO OCORRÊNCIA, NULIDADE,
JULGAMENTO, APELAÇÃO CRIMINAL, MINISTÉRIO PÚBLICO – INDEPENDÊNCIA, ADVOGADO
CONSTITUÍDO, RÉU, NÃO, OFERECIMENTO, CONTRA RAZÕES, RECURSO DA ACUSAÇÃO –
DECORRÊNCIA, EXISTÊNCIA, REGULARIDADE, INTIMAÇÃO, ADVOGADO NÃO CARACTERIZADO, CERCEAMENTO
DE DEFESA, OU, VIOLAÇÃO, PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO, E, AMPLA DEFESA –
OBSERVÂNCIA, JURISPRUDÊNCIA , STJ, E STF.
POSSIBILIDADE MINISTÉRIO PÚBLICO,
INTERPOSIÇÃO, APELAÇÃO CRIMINAL, ALEGAÇÃO, DEFICIÊNCIA, ELABORAÇÃO, QUESITO,
LEGÍTIMA DEFESA PUTATIVA, ÂMBITO, JULGAMENTO, TRIBUNAL DO JÚRI – HIPÓTESE,
OCORRÊNCIA, DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME, HOMICÍDIO QUALIFICADO, HOMICÍDIO CULPOSO
– NÃO OCORRÊNCIA, PRECLUSÃO, MINISTÉRIO PÚBLICO, ALEGAÇÃO, NULIDADE, QUESITO –
OBRIGATORIEDADE, DESDOBRAMENTO, QUESITO, LEGÍTIMA DEFESA, CARACTERIZAÇÃO,
NULIDADE ABSOLUTA, JULGAMENTO OBSERVÂNCIA, SÚMULA , STF. (STJ, HC 36048/MG,
publicado no DJ 01.08.2005, p. 481) (grifo nosso).[9]
Salienta Magalhães Noronha apud
Acquaviva, que:
Deve-se atentar-se para a
situação em que se viu o defensor, pesar e medir as circunstâncias que o
rodeavam, a fim de concluir se os meios foram os devidos. A proporcionalidade
que deve existir entre os meios agressivos e os defensivos é relativa, não pode
ser exigida com rigor absoluto” (Direito Penal, São Paulo, Saraiva, 1º v.,
1983, p. 242).[10]
Diante disso, esclarece Morgado
que, “assim, para a caracterização da legítima defesa, é necessário que haja,
inicialmente, uma agressão injusta a direito próprio ou alheio. Considere-se
que esta agressão consiste em um comportamento humano como socos, chutes,
disparos de arma de fogo, etc”.[11]
Agora é evidente, se não existir
ato humano, mas situações provocadas por outros fatores, onde haja somente
perigo, como em uma enchente ou incêndio, não haverá legítima defesa, mas sim
estado de necessidade.[12]
A Relatora do Distrito Federal,
Desembargadora convocada do TJ/MG, Ministra Jane Silva acorda juntamente, com
os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, os Srs. Nilton
Naves, Hamilton Carvalhido, Paulo Gallotti e Maria Thereza de Assis Moura, por
unanimidade, a concessão de Habeas Corpus para exame da Tese da Legítima Defesa
Putativa, que assim definiu:
EMENTA: PROCESSUAL PENAL – HABEAS
CORPUS – TENTATIVA DE HOMICÍDIO – IMPRONÚNCIA – RECURSO DAS PARTES. PROVIMENTO
DO RECURSO DA DEFESA PARA EXAME DA TESE DA LEGÍTIMA DEFESA PUTATIVA –
PREJUDICADO O RECURSO DA ACUSAÇÃO CONTRA A IMPRONÚNCIA. NOVA SENTENÇA EM QUE SE
REJEITOU A LEGÍTIMA DEFESA E PRONUNCIOU-SE O ACUSADO – REFORMATIO IN PEJUSnão
pode o Juiz, na nova sentença, pronunciar o paciente, sob pena de reformatio in
pejus indireta. 2. Ocorrendo reformatio in pejus indireta, deve ser anulada a
segunda decisão, proferindo-se outra, consoante o comando contido no acórdão,
permitindo-se às partes novo recurso, caso haja interesse recursal. 3. Ordem
concedida. (STJ, HC 91216/DF, publicado no DJ 10.03.2008, p. 1) (grifo nosso).[13] INDIRETA – ORDEM CONCEDIDA PARA ANULAR O
ACÓRDÃO E A SENTENÇA. 1. Se na fase da pronúncia entende o Juiz de primeiro
grau que o paciente deve ser impronunciado, não obstante a defesa pleitear a
absolvição sumária, anulando o Tribunal a guerreada decisão, por meio de
recurso defensivo, recomendando prolação de outra, com o exame da tese
olvidada,
Vale salientar que, de acordo com as palavras de
Morgado que “é necessário que tal agressão seja atual ou iminente, ou seja, que
ela esteja acontecendo ou prestes a acontecer. Não pode ser alegada excludente
contra aquela agressão que já cessou há algum tempo, bem como contra a que irá
ocorrer em um futuro remoto”.[14]
A seguir duas jurisprudências selecionadas por
Prado e Bitencourt, onde não podemos invocar a excludente de Legítima Defesa:
‘Se preferir o moralmente
ofendido reagir pelo emprego da força, não estará evitando que se consume uma
agressão, mas apenas, se vingando. Isto não constitui legítima defesa’ (TJSP –
AC – Rel. Onei Raphael – RT 439/366).
‘Não age em legítima defesa quem
de tocaia e de inopino atinge seu desafeto com quatro disparos de arma de fogo.
Tal procedimento não se harmoniza com a excludente’ (TJES – AC _ Rel. José
Eduardo Grandi Ribeiro – RT 624/346).[15]
Dando continuidade, destaca Morgado que, “um outro
requisito necessário à configuração da excludente é que o agente faça uso
moderado dos meios necessários. Neste sentido, esses meios devem ser utilizados
para repelir a agressão. Em caso de excesso, o agente será responsabilizado
pelo delito correspondente”.[16]
Concluindo, Morgado explana, que:
Finalmente, é fundamental
considerar que a legítima defesa é uma excludente da ilicitude, excluindo a
própria existência do delito, de acordo com o previsto no artigo 23, I, do
Código Penal.
Desta forma, ficando comprovado
que o acusado agiu em legítima defesa, a tese a ser alegada é a absolvição pela
circunstância que exclui o crime, nos termos do artigo 386, V, do Código de
Processo Penal.[17]
Ante ao aqui explanado, é o que gostaríamos de
finalizar apontando para o fato de que efetivamente a Legítima Defesa somente
exclui a ilicitude quando alguém reage a uma agressão injusta, agindo assim,
está de acordo com o direito, ou seja, dentro dos limites admitidos
juridicamente; aliás, por faltar deste modo, a indispensável antijuricidade,
não merece reprimenda penal.[18]
REFERÊNCIAS
ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Dicionário Acadêmico de
Direito. São Paulo: Editora Jurídica Brasileira, 1999.
BRASIL. Superior Tribunal Justiça. Habeas Corpus nº
36048, publicado no DJ em 01.08.2005. Disponível em: . Acesso em 29 abr. 2008.
_______. Superior Tribunal Justiça. Habeas Corpus
nº 91216, publicado no DJ em 10.03.2008. Disponível em: . Acesso em 29 abr.
2008.
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: Parte
Geral. 1. vol. São Paulo: Saraiva, 2000.
_______________. Curso de Processo Penal. 6. ed.
rev. São Paulo: Saraiva, 2001.
MORGADO, Leandro Batista. Teses de Defesa no
Direito Penal Brasileiro. Florianópolis: Conceito Editorial, 2007.
NORONHA, Magalhães apud ACQUAVIVA, Marcus Cláudio.
Dicionário Acadêmico de Direito. São Paulo: Editora Jurídica Brasileira, 1999.
PRADO, Luiz Regis; BITENCOURT, Carlos Roberto.
Código Penal Anotado e Legislação Complementar. 2. ed. rev. e atual. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 1999.
TELES, Ney Moura apud MORGADO, Leandro Batista.
Teses de Defesa no Direito Penal Brasileiro. Florianópolis: Conceito Editorial,
2007.
Notas:
[1] CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: Parte
Geral. 1. vol. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 1.
[2] Id. Curso de Processo Penal. 6. ed. rev. São
Paulo: Saraiva, 2001, p. 1.
[3] CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 6. ed.
rev. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 1.
[4] Ibid., p. 2-3.
[5] ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Dicionário Acadêmico de
Direito. São Paulo: Editora Jurídica Brasileira, 1999, p. 447.
[6] MORGADO, Leandro Batista. Teses de Defesa no
Direito Penal Brasileiro. Florianópolis: Conceito Editorial, 2007, p. 62.
[7] TELES, Ney Moura apud MORGADO, Leandro Batista.
Teses de Defesa no Direito Penal Brasileiro. Florianópolis: Conceito Editorial,
2007, p. 63.
[8] PRADO, Luiz Regis; BITENCOURT, Carlos Roberto.
Código Penal Anotado e Legislação Complementar. 2. ed. rev. e atual. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 94.
[9] BRASIL. Superior Tribunal Justiça. Habeas Corpus
nº 36048, publicado no DJ em 01.08.2005, p. 481. Disponível em: . Acesso em 29
abr. 2008.
[10] NORONHA, Magalhães apud ACQUAVIVA, Marcus Cláudio.
Dicionário Acadêmico de Direito. São Paulo: Editora Jurídica Brasileira, 1999,
p. 447.
[11] MORGADO, Leandro Batista. Teses de Defesa no
Direito Penal Brasileiro. Florianópolis: Conceito Editorial, 2007, p. 62.
[12] Ibid.
[13] BRASIL. Superior Tribunal Justiça. Habeas Corpus
nº 91216, publicado no DJ em 10.03.2008, p. 1. Disponível em: . Acesso em 29
abr. 2008.
[14] MORGADO, Leandro Batista. Teses de Defesa no
Direito Penal Brasileiro. Florianópolis: Conceito Editorial, 2007, p. 62.
[15] PRADO, Luiz Regis; BITENCOURT, Carlos Roberto.
Código Penal Anotado e Legislação Complementar. 2. ed. rev. e atual. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 102, 103.
[16] MORGADO, Leandro Batista. Teses de Defesa no
Direito Penal Brasileiro. Florianópolis: Conceito Editorial, 2007, p. 62.
[17] MORGADO, Leandro Batista. Teses de Defesa no
Direito Penal Brasileiro. Florianópolis: Conceito Editorial, 2007, p. 62, 63.
[18] Ibid., p. 63.
1 - DANIELA NAGEL DA SILVA: Administradora financeira,
Bacharel em Direito pela UNISUL, Pós-graduanda em Direito Lato Sensu Preparação
para a Magistratura pela ESMESC E UNESC.