RELATO HISTÓRICO DE 1856 SOBRE SURTO DE CÓLERA EM SERRA TALHADA
“Ilmº. Sr. – Ligado por analogia de ministério a V. S., e reconhecente da dedicação, desinteresse e caridade cristã, com que V. S. se houve na crise emergente que acabara de atravessar as suas ovelhas, cumpre-me neste fausto dia de hoje, em que exultamos de prazer pelo feliz aniversário de nossa Independência, comunicar a V. S. a alegre notícia da completa extinção da epidemia de cólera morbus nesta Comarca.
A Divina Providência, ouvindo nossos votos e nossas preces, se amerceou de nós, que passamos pela mais aflita provação, por efeito de nossos grandes pecados; e, pois, rendendo graças ao Todo Poderoso, lhe roguemos que nos ampare com sua infinita misericórdia, e cubra com o seu divino manto este grande Império, destinado a altura das grandes nações, e ao nosso ínclito e adorado monarca, que por si e por seu governo tantas provas nos têm dado de sua católica dedicação, suavizando os nossos males e zelando a nossa prosperidade.
O clero e os médicos, tocados por afinidade, e evocados naquela conjuntura, souberam por mais esta vez, pela prática de suas elevadas virtudes, por sua decidida coragem, e completa filantropia, fazer ressaltar o importante papel que na sociedade devem representar; congratulo-me, portanto com V. S. por seus reconhecidos feitos! Mas conforta-me a convicção de nada ter poupado, senão para preencher as vistas do governo e dos sofredores, ao menos para fazer quanto em mim coube.
Aproveito o ensejo para testemunhar a minha alta consideração, profundo respeito, e particular estima.
Deus proteja os seus dias.
Vila Bela, 7 de setembro de 1856.
Ilmº e reverendíssimo Sr. Padre Manoel Lopes Rodrigues de Barros, digno vigário de Vila Bela. – Dr. Thomas Antunes de Abreu, inspetor e diretor do Serviço de Saúde nas Comarcas de Pajeú de Flores e Boa Vista.
“(…) em Vila Bela deu-se o primeiro caso que foi fatal, no dia 7 de abril, e na Baixa Verde apareceu logo seis dias depois. Casos registrados tiveram lugar no Riacho do Navio e febres intermitentes na freguesia de Fazenda Grande. Diante da noticia que correu do desenvolvimento do mal na Serra do Catolé a 26 léguas de Flores (…)Tendo-me sido exigido o pagamento de medicamentos fornecidos em Vila Bela pelo negociante Simeão Correia Cavalcanti Macambira antes de chegarem às ambulâncias do governo, e reconhecendo eu exorbitantes os preços pedidos, propus-lhe a indenização por meio de iguais ou de outros medicamentos, ao que anuiu, recebendo-os das ambulâncias, conforme participei em ofício de trinta de julho a V. Ex., que se dignou aprovar esta minha resolução.
Enfim, no glorioso dia 7 de setembro, pude graças à Divina Providência, levar ao conhecimento das câmaras municipais, e mais autoridades da Comarca de Pajeú de Flores, a agradável notícia da completa extinção da epidemia da cólera morbus que tanto flagelou os habitantes desta bela província, e de outras do Império, e que causou incansáveis males à agricultura, comércio e indústria, ainda não bem desenvolvidas em nosso rico país predestinado a altura das grandes nações. No dia 9 do dito mês de setembro de 1856, fiz celebrar na Igreja Matriz de Vila Bela um “Te Deum”(…) “RELAÇÃO DAS PESSOAS QUE MAIS SE DISTINGUIRAM EM SERVIÇOS À HUMANIDADE, POR OCASIÃO DA EPIDEMIA DA C&Oa cute;LERA MORBUS NA COMARCA DO PAJEÚ DE FLORES
DR. IGNÁCIO JOSÉ DE MENDONÇA UCHOA, juiz de direito da Comarca de Flores, termo de Vila Bela. – Portou-se com a maior solicitude no desempenho das ordens do governo em relação à epidemia, e prestou relevantes serviços aos enfermos, ministrando-lhes, com proveito, medicamentos homeopáticos.
DR. RODRIGO CASTOR DE ALBUQUERQUE MARANHÃO, juiz municipal dos termos de Vila Bela e Ingazeira. – Cumpriu como autoridade seus deveres mui satisfatoriamente, e se interessou pelos doentes, aos quais também socorreu.
PADRE MANOEL LOPES RODRIGUES DE BARROS, vigário da Serra Talhada, termo de Vila Bela e seus contornos. – Desempenhou esplendidamente todos os deveres de seu ministério, mostrando a maior dedicação pelos enfermos.
PADRE PEDRO MANOEL DA SILVA BURGOS, vigário da freguesia de Flores. – Estão acima de todo o elogio os serviços deste distinto pároco, quer como ministro da Igreja, quer como verdadeiro filantropo; sua mão caridosa se estendeu em grande escala aos desvalidos.
PADRE FELIPE BENÍCIO MOURA, vigário de Ingazeira. – Prestou-se com zelo e prontidão, ministrando os socorros espirituais aos doentes.
CAPITÃO MANOEL DA CUNHA WANDERLEY, delegado e comandante da força volante da Comarca de Flores. – Como autoridade e como filantropo prestou os mais admiráveis serviços; ministrou por suas próprias mãos medicamentos e mais socorros aos enfermos; nada deixou a desejar.
TENENTE-CORONEL CRISTOVÃO JOSÉ DE CAMPOS BARBOSA, delegado do termo de Vila Bela. – Desempenhou com zelo e atividade os deveres do seu cargo, e socorreu aos desvalidos.
CAPITÃO JOÃO DO PRADO FERREIRA, delegado do termo de Ingazeira, cumpriu seus deveres com dedicação e atividade; prestou-se ao socorro dos desvalidos.
ANTÔNIO LOPES DE SIQUEIRA, subdelegado de Baixa Verde, empregou no desempenho de seus deveres zelo e atividade, interessando-se pelos doentes, aos quais socorreu.
ALFERES SEVERINO JOSÉ DE ALMEIDA PEDROSA, vereador da Câmara Municipal de Ingazeira. – Ninguém mais do que este cidadão caridoso se prestou ao serviço da humanidade, ministrando por suas mãos os remédios, e socorrendo à sua custa em grande escala; seu procedimento foi exemplar.
E faço votos para que o Supremo Deus se amerceando de nós afaste esse tão cruel mal para sempre do Império de Santa Cruz, a cujos destinos preside o nosso muito sábio, muito virtuoso, e muito amado monarca Dom Pedro II, que por si e por seu governo emprega a mais decidida solicitude no provimento dos meios os mais conducentes ao alívio da humanidade aflita, e a prosperidade do país; e nesta conjuntura muito se tem V. Ex. distinguido.
Recife, 12 de dezembro de 1856.
Dr. Thomas Antunes de Abreu
Médico em comissão do governo.
Fontes de pesquisa:
“O Correio da Tarde” (RJ), Edição: 3, de 3 de janeiro de 1857.
PRIORE, Mary del. “Condessa de Barral”. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008. p. 137.