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quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

Resumo de Direito Civil ( Coisas – Posse )

Direito das Coisas é o conjunto das normas que regulam as relações jurídicas entre os homens, em face às coisas corpóreas, capazes de satisfazer às suas necessidades e suscetíveis de apropriação.
No Direito das Coisas estudaremos o que, modernamente, denominamos Direitos Reais. Os Direitos Reais, juntamente com os Direitos Pessoais estão inseridos na categoria dos Direitos Patrimoniais.

I. Introdução:

Os Direitos Reais atribuem ao titular poder de senhoria direto e imediato sobre a coisa. No Direito Pessoal, o poder do titular atua sobre uma pessoa, o devedor, que lhe deve fazer uma prestação de conteúdo econômico. Em ambos se configura uma relação jurídica: no Direito Real, ela se estabelece entre seu titular e todas as demais pessoas que, indistintamente, estão obrigadas (obrigação passiva universal) a não praticar ato que o turbe na utilização de seu direito; no Direito Pessoal, a relação jurídica é a que existe entre o titular do Direito Subjetivo (o credor) e uma pessoa (o devedor).
Os Direitos Reais estão protegidos por ações reais (actiones in rem) que se intentam, não contra uma pessoa determinada (devedor),como sucede no Direito Pessoal, mas contra quem quer que tenha turbado a sua utilização (erga omnes). Os Direitos Reais outorgam ao titular a faculdade de sequela, isto é, de perseguir a coisa nas mãos de quem quer que a detenha e dão ao titular a faculdade de preferência, ou seja, o poder de afastar todos aqueles que reclamem a coisa com base ou em Direito Pessoal ou em Direito Real posterior ao dele.
Além disso, vigora, em Direito Romano, o princípio de que os Direitos Reais constituem um numerus clausus (número fechado), isto é, só são Direitos Reais os criados pelas diferentes fontes de Direito, não havendo assim, a possibilidade de os particulares, por acordo de vontade, criarem Direitos Reais de tipo novo.
Entretanto, uma outra corrente de civilistas, inspirados na jurisprudência francesa, sustenta ser livre às partes atribuírem realidade a direitos resultantes de convenções havidas entre elas, desde que não contravenham à ordem pública e aos bons costumes.
Entre nós, há ainda alguma controvérsia, questionando-se o fato da enumeração do artigo 674 do Código Civil ser meramente exemplificativa ou, ao contrário, de ser taxativa. Porém esta enumeração pode ser ampliada pelo legislador quando lhe parecer mais conveniente admitir outro Direito Real.
Os jurisconsultos romanos não conheceram esses dois conceitos – Direito Real e Direito Pessoal. A própria denominação ius in re com a qual se designam os Direitos Reais não se encontra com esse sentido nas fontes. A distinção que hoje fazemos entre esses dois direitos, os romanos a faziam no plano processual, com a dicotomia actio in rem – actio in personam (ação real – ação pessoal). Partindo desta distinção, os autores do Direito Intermédio formularam os conceitos de Direito Real e Direito Pessoal.
O Direito Real pode ser classificado, quer tendo em vista o objeto sobre que recai, quer tendo em vista a sua finalidade.

Quanto ao objeto:

  • Direito de Propriedade;
  • Direito Real sobre Coisa Alheia (iura in re aliena).

Quanto a finalidade:

  • Direito Real de Gozo;
  • Direito Real de Garantia: penhor, hipoteca, anticrese.
Segundo o já referido artigo 674 do Código Civil, são Direitos Reais: propriedade, efiteuse, servidões, usufruto, uso, habitação, rendas expressamente constituídas sobre imóveis, penhor, anticrese e hipoteca.
Na exposição que se segue, examinaremos um instituto que não é um direito, mas um fato – a posse (possessio), um elemento de grande importância na aquisição dos Direitos Reais.

II. Conceito e Natureza Jurídica da Posse:

A palavra possessio provém de potis, radical de potestas, poder; e sessio, da mesma origem de sedere, significa estar firme, assentado. Indica, portanto, um poder que se prende a uma coisa.
Os romanos já distinguiam claramente a posse do Direito de Propriedade. A jurisprudência romana elaborou o conceito de posse com base na proteção pretoriana (pretor – magistrado da Roma Antiga), que, por sua vez, data do início do século II a.C..
A posse consiste numa relação de pessoa e coisa, fundada na vontade do possuidor, criando mera relação de fato, é a exteriorização do direito de propriedade. A propriedade é a relação entre a pessoa e a coisa, que assenta na vontade objetiva da lei, implicando um poder jurídico e criando uma relação de direito.
Entre os modernos há duas teorias importantes:
Teoria de Savigny (subjetiva):
A posse é o poder de dispor fisicamente da coisa, com ânimo de considerá-la sua e defendê-la contra a intervenção de outrem. Encontram-se, assim, na posse dois elementos: um elemento material, o corpus, que é representado pelo poder físico sobre a coisa; e, um elemento intelectual, o animus, ou seja, o propósito de ter a coisa como sua, isto é, o animus rem sibi habendi.
Os dois elementos são indispensáveis para que se caracterize a posse, pois se faltar o corpus, inexiste relação de fato entre a pessoa e a coisa; e, se faltar o animus, não existe posse, mas mera detenção.
Teoria de Ihering (objetiva):
Considera que a posse é a condição do exercício da propriedade. Critica veementemente Savigny, para ele a distinção entre corpus e animus é irrelevante, pois a noção de animus já se encontra na de corpus, sendo a maneira como o proprietário age em face da coisa de que é possuidor.
A lei protege todo aquele que age sobre a coisa como se fosse o proprietário, explorando-a, dando-lhe o destino para que economicamente foi feita. Em geral, quem assim atua é o proprietário, de modo que, protegendo o possuidor, quase sempre o legislador está protegendo o proprietário.
Concluindo, protege-se a posse porque ela é a exteriorização do domínio, pois o possuidor é o proprietário presuntivo. Tal proteção é conferida através de ações possessórias. Enquanto a ação reivindicatória é a propriedade na ofensiva, a ação possessória é a propriedade na defensiva. Desse modo, a proteção possessória é um complemento à defesa da propriedade, pois através dela, na maioria das vezes, vai o proprietário ficar dispensado da prova de seu domínio.
É verdade que, para se facilitar ao proprietário a defesa de seu interesse, em alguns casos vai o possuidor obter imerecida proteção. Isso ocorre quando o possuidor não é o proprietário, mas um intruso. Como a lei protege a posse, independentemente de se fundamentar ou não em direito, esse possuidor vai ser protegido, em detrimento do verdadeiro proprietário.
Ihering reconhece tal inconveniente. Mas explica que esse é o preço que se paga, em alguns casos, para facilitar o proprietário, protegendo-lhe a posse.
O Código Civil adotou a teoria de Ihering no artigo 485 que, caracterizando a pessoa do possuidor, fornece os elementos para extrair-se o conceito legal de posse: “Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno, ou não, de algum dos poderes inerentes ao domínio, ou propriedade.”
Quanto a natureza jurídica da posse, sustenta Savigny que a posse é ao mesmo tempo um direito e um fato. Considerada em si mesma é um fato; considerada nos efeitos que gera, isto é, usucapião e interditos, ela se apresenta como um direito.
Para Ihering, a posse é um direito. Partindo de sua célebre definição de direito subjetivo, segundo a qual aquele é o interesse juridicamente protegido, é evidente a natureza jurídica da posse.
Entretanto não são poucos os juristas que negam à posse a natureza de um direito. Aliás, não se pode considerar a posse Direito Real, porque ela não figura na enumeração do artigo 674 do Código Civil e segundo Silvio Rodrigues aquela regra é taxativa e não exemplificativa, tratando-se aí de numerus clausus.

III. Espécies e Qualificações da Posse

1. Posse Direta e Indireta:

O Direito Civil moderno distingue a posse, quanto ao seu exercício, em direta e indireta.
Diz-se indireta a posse quando o seu titular, afastando de si por sua própria vontade a detenção da coisa, continua a exercê-la imediatamente após haver transferido a outrem a posse direta.
Há um desdobramento da relação possessória. O Código Civil em seu artigo 486 nos mostra que o usufrutuário, o depositário, o credor pignoratício, o locatário e o comodatário são possuidores diretos, pois todos detêm a coisa que lhes foi transferida pelo dono, mas este, ao transferir a coisa, conservou a posse indireta, por força de seu direito dominial.
Assim, a lei reconhecendo o possuidor direto e o possuidor indireto, dá a ambos a possibilidade de recorrer aos interditos (ações) para proteger sua posição ante terceiros, além de conceder-lhes tais remédios possessórios um contra o outro, se necessário for.

2. Composse:

Desde o Direito Romano, decorre a simultaneidade da existência da posse por mais de um possuidor, desde que o exercício por mais de um compossuidor não impeça o exercício por parte do outro. Assim, os romanos não admitiam a possessio in solidum, ou seja, que várias pessoas possuíssem a mesma coisa sem recíprocas limitações.
A composse no Direito moderno não se alterou muito. O nosso Código Civil, por exemplo, em seu artigo 488 afirma: “Se duas ou mais pessoas possuírem coisa indivisa ou estiverem no gozo do mesmo direito, poderá cada uma exercer sobre o objeto comum atos possessórios, contanto que não excluam os dos outros compossuidores.”
Desta forma, os cônjuges no regime de comunhão de bens (compossuidores sobre patrimônio comum) e os condôminos que são compossuidores podem reclamar a proteção possessória caso sejam turbados, esbulhados, ou ameaçados em sua posse, contra terceiros ou mesmo seus consortes.

3. Posse Justa e Posse Injusta:

Tanto no Direito Romano como no Direito moderno, os conceitos de posse justa e injusta se fundamentam na presença ou não dos vícios da posse: clandestinidade, violência e precariedade.
A posse é clandestina quando alguém ocupa coisa de outro às escondidas, sem ser percebido, ocultando seu comportamento. A rigor, este caso não pode ser caracterizado como posse, pois se opõe à conceituação de exteriorização de domínio, onde a publicidade se faz mister para sua existência.
Apesar disto, o Código Civil em seu artigo 497 admite a convalescência do vício da clandestinidade, onde cessada esta característica, através de atos ostensivos do possuidor, que além de ocupar a terra alheia, ali constrói, planta e vive, e o proprietário deixa de reagir por mais de ano e dia, aquela posse de início viciada, deixa de o ser, ganhando juridicidade, possibilitando a seu titular a invocação da proteção possessória.
A tomada de posse por meio violento é viciada para fins de direito, mas a lei contempla a hipótese da violência cessar e, a posse, originalmente viciada, pode ganhar juridicidade. Isto ocorre quando o esbulhado deixa de reagir durante o período de ano e dia, e o esbulhador exerce a posse pacífica por tal lapso de tempo, o que faz com que este adquira a condição de possuidor, pela cessação da violência.
É precária a posse daquele que, tendo recebido a coisa para depois devolvê-la (como o locatário, o comodatário, o usufrutuário, o depositário, etc.), a retém indevidamente, quando a mesma lhe é reclamada.
A precariedade prejudica a posse, não permitindo que ela gere efeitos jurídicos e, diferentemente da violência e clandestinidade, segundo Silvio Rodrigues, não cessa nunca, não gerando, em tempo algum, posse jurídica.
O artigo 492 do Código Civil, presume manter a posse o mesmo caráter com que foi adquirida. Mas tal presunção (juris tantum) é relativa, pois se a posse for viciada por violência ou clandestinidade, há a possibilidade de convalescência de tais vícios – cessados há mais de ano e dia – como dito anteriormente.

4. Posse de Boa Fé e Posse de Má Fé:

Desde a época dos romanos (possessio bonae fidei e possessio malae fidei), esta classificação é feita sob um ângulo subjetivo do possuidor, a fim de se examinar a sua posição psicológica em face da relação jurídica.
O nosso Código Civil atual, por exemplo, em seu artigo 490, prescreve: “É de boa fé a posse, se o possuidor ignora o vício ou o obstáculo que lhe impede a aquisição da coisa, ou do direito possuído”; e em seu parágrafo único: “O possuidor com justo título tem por si a presunção de boa fé, salvo prova em contrário, ou quando a lei expressamente não admite esta presunção”. Do disposto, vemos que será a posse de má fé quando o possuidor a exercer a despeito de estar ciente de que esta é clandestina, precária, violenta, ou encontra qualquer outro obstáculo jurídico à sua legitimidade.
Vemos ainda que o legislador presume posse de boa fé quando o possuidor tem o título hábil para conferir ou transmitir direito à posse, como a convenção, a sucessão, ou a ocupação segundo Clóvis Beviláquia. Tal presunção, entretanto, admite prova em contrário, cabendo o ônus da prova à parte reclamante.
A importância da distinção entre uma espécie de posse e a outra é muito significativa, tendo em vista a variedade de seus efeitos no que tange aos frutos percebidos, benfeitorias, etc.
Para tal aplicação faz-se necessário identificarmos o instante da cessação da boa fé. Segundo o artigo 491 do nosso Código Civil: “A posse de boa fé só perde este caráter, no caso e desde o momento em que as circunstâncias façam presumir que o possuidor não ignora que possui indevidamente”. Portanto a posse de boa fé se transforma em posse de má fé ao tomar o possuidor conhecimento do vício que infirma sua posse, tendo a parte adversa o ônus de demonstrar as circunstâncias externas capazes de provar tal questionamento.
Cabe ressaltar aqui que a jurisprudência dominante entende que, havendo dúvida quanto à época em que a posse se tornou viciosa, o melhor critério é fixá-la a partir da data da propositura da ação, quando os efeitos de corrente da sentença acolhida retroagem a esta data.

5. Posse Nova e Posse Velha

O legislador atual distingue ambas com o intuito de consolidar a situação de fato, que possa remir a posse dos vícios da violência e clandestinidade, como fora mostrado anteriormente, ou seja, o prazo de ano e dia.
Assim, a posse é considerada velha quando ultrapassar este lapso de tempo (e do contrário, nova será) o que, conforme o Código Civil, artigo 508, dá ao possuidor a manutenção de sua posse, sumariamente, até que seja convencido pelos meios ordinários.

6. Possessio Naturalis

No Direito Clássico, possessio naturalis era posse caracterizada pela simples detenção da coisa, isto é, pelo seu elemento material, não produzindo conseqüências jurídicas, sequer sendo tutelada pelos interditos possessórios.

7. Possessio Civilis

Também no Direito Clássico, a possessio civilis é a posse oriunda de causa reconhecida como idônea pelo ius civile para a aquisição do domínio; a ela, além dos elementos de fato que constituem a possessio ad interdicta (o corpus e o animus possiendi, ou seja, o elemento objetivo e o elemento subjetivo), acresce um elemento jurídico (a causa apta à aquisição do domínio) que é a condição fundamental para a produção das conseqüências substanciais da posse, como o usucapião, a aquisição de frutos, a utilização da ação pública.
Os legisladores atuais apontam que para se conferir a proteção dos interditos à posse, basta que ela seja justa, ou seja que não venha eivada dos vícios já mencionados. Assim, o titular de uma posse justa pode reclamar e obter proteção possessória contra quem o esbulhe, o perturbe, ou o ameace em sua posse, incluindo o proprietário da coisa.
Se a posse for injusta, o possuidor será garantido em sua posse apenas contra terceiros que não tenham sido vítimas da violência, da clandestinidade, ou da precariedade, enfim, de terceiros que não tenham melhor posse.
Quanto à posse ad usucapionem, os juristas atuais a classificam como aquela capaz de deferir a seu titular o usucapião da coisa gerando o seu domínio. Para isto hão de ser supridos requisitos legais tais como a aquisição pela posse mansa e pacífica, com justo título e boa fé, por um período de dez anos entre presentes ou de quinze entre ausentes (Código Civil, artigo 551).
Todavia, a lei presume boa fé e justo título, se a posse ultrapassar o tempo de vinte anos, independentemente de como foi obtida (presunção absoluta).

IV. Aquisição e Perda da Posse:

De acordo com o Direito Romano a aquisição de posse ou início de posse, se dá quando concorrem os seus dois elementos constituintes: fato externo – o corpus ( apreensão) e um fato interno – animus (intenção), isto é, quando ocorre um ato material ligado a uma certa vontade.
A princípio o corpus deve manifestar-se na apreensão material da coisa, ou seja, que se entre em contato material com a coisa, porém, os jurisconsultos vão espiritualizando esse contato e admitem, por exemplo, que haja tomada de posse com a simples entrega das chaves de um celeiro ou, que preencha o requisito de corpus aquele que armou a armadilha em que caiu o animal, antes mesmo de saber da existência da presa.
Quanto ao animus, vimos que Savigny entendia que era o animus domini (intenção de ser proprietário), e Ihering entendia que era a simples consciência de ter a coisa consigo (affectio tenendi). Modernamente, os romanistas acreditam que essas duas correntes não levaram em conta a evolução do Direito Romano. Assim, analisando através do Direito Clássico, temos que o animus é visto como a intenção de assenhorar-se completamente da coisa, tendo sobre ela poder de fato exclusivo e independente (animus possidendi); e o possessio naturalis (a simples detenção) não exige esta intenção, bastando apenas o elemento físico (o corpus). Já no Direito Pós-Clássico o animus passa a ser para a posse o elemento preponderante, e no Direito Justinianeu, prevalece o animus domini.
Embora, em regra, seja o próprio possuidor que inicie por si a posse, esta também pode ser adquirida por meio de representantes, existindo então o corpus por outrem, que detém a coisa em lugar do que tem o animus de possuí-la. No início o pater familias adquiria a posse por meio do filho ou do escravo, que aparecem como instrumentos de sua vontade, mais tarde, a posse pôde ser adquirida por meio de um procurador, depois por terceiro (corpore alieno) e finalmente, por meio de qualquer estranho (per liberam personam), desde que houvesse a ratificação da pessoa em favor de quem a posse era iniciada.
É importante salientar que o detentor não pode transformar a detenção em posse sob a alegação de que passou a ter o animus possidendi, pois, no Direito Romano vigorava a regra de que a ninguém é dado, por si, mudar a causa de sua posse.
O Código Civil no seu artigo 493 dispõe sobre os modos de aquisição de posse nos seguintes casos:
  • Pela apreensão da coisa ou pelo exercício do direito.
  • Pelo fato de se dispor da coisa ou do direito.
  • Por qualquer dos modos de aquisição em geral.
Segundo Silvio Rodrigues, é de pouca utilidade esta enumeração, pois se a posse é uma situação de fato e se o possuidor é aquele que exerce poderes inerentes ao domínio é evidente que quem quer que se encontre no exercício de tais poderes é porque adquiriu a posse. E outra, se é possível adquirir a posse por qualquer dos modos de aquisição em geral (inciso III), isso torna inútil a enumeração feita nos incisos I e II. A lei foi mal redigida.
Os modos de aquisição da posse também podem ser classificados :
Tendo em vista a manifestação da vontade do agente: por ato unilateral, que são os casos de apreensão, de exercício do direito e de dispor da coisa ou do direito; ou ato bilateral, que é o caso da tradição, isto é, a transferência da posse de um possuidor a outro. A apreensão pode recair sobre coisa sem dono, com também sobre coisas de outrem, mesmo sem a anuência do proprietário.
Tendo em vista a origem da posse: distingue-se em originária, quando não há relação de causalidade entre a posse atual e a anterior (sem vícios anteriores); ou derivada quando acontece o contrário (com vícios anteriores). A regra está no artigo 492 do Código Civil, que presume manter a posse o mesmo caráter com que foi adquirida; e, aplicação prática dessa regra se vê no artigo 495 do mesmo código, que encarando a sucessão causa mortis, determina transmitir-se a posse com os mesmos caracteres, aos herdeiros e legatários do possuidor.
Vemos a influência marcante do Direito Romano na legislação, quando o artigo 494 do Código Civil declara poder a posse ser adquirida:
  • Pela própria pessoa que a pretende.
  • Pelo seu representante ou procurador.
  • Por terceiro, sem mandato, dependendo de ratificação .
  • Pelo constituto possessório.
A disposição mais importante desse artigo é a do inciso III, que possibilita a aquisição de posse por terceiro sem mandato, desde que ratificado o ato; e, o inciso IV se refere ao constituto possessório, que ocorre quando aquele que possuía em seu próprio nome , passa a possuir em nome de outrem.
No Direito Romano em geral se perde a posse (término da posse) quando desaparece um ou os dois elementos constitutivos: animus e corpus. Desta forma, a posse termina quando o possuidor abandona a coisa a terceiro; ou perde, contra a sua vontade, o poder de fato sobre a coisa; ou, embora continue a ter contato com a coisa, não mais a quer possuir.
Em alguns casos, excepcionalmente a posse se conserva mesmo não tendo o corpus, ou o animus. Estas atenuações eram admitidas mesmo no período clássico pelos jurisconsultos. O caso de ocupação clandestina do imóvel não acarretava a perda imediata da coisa pelo possuidor; também não terminava a posse se o possuidor se separasse brevemente da coisa, nem ocorria o término imediato da posse quando morria o locatário, por meio de quem o locador possuía. No caso dos terrenos destinados a pastagens hibernais ou estivas (saltus hiberni et aestivi), o possuidor não deixava de o ser na restante parte do ano, em que se afastou deles. Da mesma forma, a loucura do possuidor não ocasionava o término da posse, e por fim, do mesmo modo o senhor conservava a posse do escravo fugitivo.
Já no Direito Justinianeu, não há apenas atenuações, como no Direito Clássico, mas sim, a idéia de que a posse pode conservar-se unicamente pelo animus (animo solo), onde a posse não terminava com a perda apenas do corpus. Neste caso, com a prisão na guerra do possuidor conservava-se a posse, ao contrário do que ocorria no Direito Clássico. No entanto, se uma pessoa fosse desapossada violentamente de uma coisa e se mostrasse impotente para recuperá-la, deixava de ser possuidora.
O Código Civil atualmente prevê a perda da posse das coisas em algumas situações, de acordo com o seu artigo 520:
  • Pelo abandono.
  • Pela tradição.
  • Pela perda ou destruição delas, ou por serem postas fora do comércio.
  • Pela posse de outrem, ainda contra a vontade do possuidor, se este não foi manutenido, ou reintegrado em tempo competente.
  • Pelo constituto possessório.
Entretanto, a enumeração acima jamais poderá ser completa, cumprindo encará-la como meramente exemplificativa. Neste artigo, como no da aquisição da posse, o legislador se esquece que adotou a teoria de Ihering e deixa-se influenciar por Savigny, enumerando as possibilidades em que o possuidor adquire ou perde a posse, de acordo com a presença do corpus e/ou do animus.

V. Os Efeitos da Posse

Os efeitos da posse são as conseqüências jurídicas por ela produzidas. São eles:
• a proteção possessória;
• a percepção dos frutos;a responsabilidade pela perda ou deterioração da coisa;
• a indenização por benfeitorias e o direito de retenção para garantir seu pagamento;
• o usucapião.

1. Proteção possessória:

De todos os efeitos da posse, o mais importante é a proteção possessória. A proteção possessória consiste no consentimento de meios de defesa da situação de fato, que aparenta ser uma exteriorização do domínio. Para facilitar a defesa de seu domínio, a lei confere ao proprietário proteção, desde que prove que está ou estava na posse da coisa, e que fora esbulhado ou esteja sendo perturbado. Este não precisa recorrer ao juízo petitório, basta-lhe o ingresso em juízo possessório. Normalmente, o juízo possessório não ajuda alegar o domínio; já no juízo petitório, a questão de posse é secundária.
Normalmente, a defesa do direito violado ou ameaçado se faz através de recurso ao Poder Judiciário. Contudo, há casos em que a vítima tem a possibilidade de defender-se diretamente (defesa legítima) com seus próprios meios, contanto que obedeça aos requisitos legais. Porém, a reação deve seguir imediatamente à agressão e deve se limitar ao indispensável, ou seja, os meios empregados devem ser proporcionais à agressão, pois, caso contrário, haverá excesso culposo.
As ações possessórias são fundamentalmente três:
  • A ação da manutenção de posse – concedida ao possuidor que, sem haver sido privado de sua posse, sofre turbação. Através do interdito, pretende obter ordem judicial que ponha termo aos atos perturbadores.
  • A ação de reintegração de posse – concedida ao possuidor que foi injustamente privado de sua posse.
  • O interdito proibitório – concedido ao possuidor que, tendo justo receio de ser molestado ou esbulhado em sua posse, pretende ser assegurado contra a violência iminente. Pede, portanto, ao Poder Judiciário que comine a quem o ameaça pena pecuniária para o caso de transgressão do preceito.
Outras ações possessórias:
  • Imissão na posse: o proprietário, através da transcrição de seu título, adquire o domínio da coisa que o alienante, ou terceiros, persistem em não lhe entregar;
  • nunciação de obra nova: impede que nova obra em prédio vizinho prejudique o confinante;
  • embargos de terceiro senhor e possuidor: o legislador confere a quem, a fim de defender os bens possuídos, não sendo parte no feito, sofre turbação ou esbulho na posse de seus bens, por efeito de penhora, depósito, arresto, seqüestro, venda judicial, arrecadação, partilha, ou outro ato de apreensão judicial.
Ações possessórias no Direito Romano: No Direito Romano, a posse era defendida por interditos possessórios que visavam, alguns, a conservação da posse e outros sua recuperação.
interdita retinendae possessionis causa:
Visava a conservação da posse tendo caráter proibitório e duplo pois o pretor instituía proibição tanto ao possuidor quanto ao proprietário. Subdividia-se em :
interdito uti possidetis:
Visava a conservação da posse não violenta, clandestina ou precária de coisa imóvel. Poderia, excepcionalmente, acarretar a recuperação da posse ao ex-possuidor esbulhado através de outro interdito: exceptio uitiosae possessionis (exceção de posse viciosa) – se o possuidor violento, clandestino ou precário, molestado pelo antigo possuidor esbulhado por ele e que tentara recuperar a posse, requeria ao pretor um interdito uti possidetis contra o esbulhado, este podia opor exceptio uitiosae possessionis e, demonstrando o vício da posse recuperava-a.
b) interdito utrubi
Visava a conservação da posse de coisa móvel. A princípio, estendia-se somente a posse de escravos, passando posteriormente a abranger todas as coisa móveis cuja posse não fosse viciosa. Protegia apenas o possuidor que, no ano em curso, tivesse possuído por mais tempo a coisa em disputa.
Interdita reciperandae possessiones causa:
Visava a recuperação da posse e subdividia-se em três interditos:
a) interdito unde ui
Reintegrava a posse a quem a perdeu violentamente e subdividia-se em dois interditos, conforme a natureza da violência:
a.a) ui cotidiana
Em caso de violência comum. Válida para coisa imóvel incluindo todas as coisas imóveis nela presente. Os requisitos para valer-se deste interdito eram:
  • requerê-lo dentro de um ano;
  • que o desapossador ou seus escravos tivessem cometido violência;
  • que o desapossado não tivesse posse viciosa em relação ao desapossador.
a.b) ui armata
Em caso de violência extraordinária. Para valer-se deste interdito era necessário que tivesse havido uis armata (ação violenta por homens armados).
b) interdito de precário
Defendia o proprietário quando este, tendo concedido a posse da coisa a alguém a título provisório, solicitava sua restituição e esta lhe era negada pelo precarista.
c) interdito clandestina possessionis
Visava a recuperação do imóvel ocupado clandestinamente por terceiro.
Interdictum momentariae possessionis:
Concedido ao possuidor para recuperar provisória, mas imediatamente a posse podendo ser utilizado até trinta anos após o ocorrido.
A posse das servidões:
Basicamente só se admite a posse das servidões contínuas e aparentes, porque sendo a posse uma exteriorização do domínio, só as servidões aparentes, que também sejam contínuas, é que oferecem condições de publicidade compatíveis com a noção de posse.

2. A percepção dos frutos:

Sendo vencedor na ação reivindicatória, o proprietário reivindicante tem o direito de receber do possuidor vencido a coisa reivindicada. Porém, indaga-se qual o destino dos frutos pendentes ou das benfeitorias realizadas na coisa durante a posse, e, por outro lado, o prejuízo pelos estragos e deteriorações experimentadas pela coisa principal no período. Para solucionar estas questões, o legislador deve verificar se o possuidor agia de má ou boa fé.

3. A responsabilidade pela perda ou deterioração da coisa:

Também aqui é diferente a atitude do legislador, conforme a natureza da fé do possuidor.
Caso o possuidor tenha agido de boa fé, a lei determina que ele não responde pela perda ou deterioração da coisa a menos que tenha sido culpado. Entretanto, o possuidor de má fé responde pela perda ou deterioração da coisa em todos os casos, mesmo que decorrentes do fortuito ou força maior, só se eximindo com a prova de que se teriam dado do mesmo modo, ainda que a coisa estivesse em mãos do reivindicante.

4. As benfeitorias e o direito de retenção:

Ainda quanto às benfeitorias, o legislador discrimina entre o possuidor de boa e má fé. O primeiro tem direito à indenização pelas benfeitorias necessárias e úteis, podendo levantar as voluptuárias que não lhe forem pagas e que admitirem remoção sem detrimento da coisa. Pelo valor das primeiras, poderá exercer o direito da retenção, conservando a coisa alheia além do momento em que a deveria restituir. Ao possuidor de má fé serão ressarcidas somente as benfeitorias necessárias, porque estas deviam ser efetuadas estivesse a coisa nas mãos de quem quer que fosse, sob pena de deterioração ou destruição. Entretanto, ele não adquire o direito de retenção para garantir o pagamento de referida indenização.
O usucapião:
É o modo originário de aquisição do domínio, através da posse mansa e pacífica, por determinado espaço de tempo, fixado na lei. O usucapião será estudado nos trabalhos referentes à propriedade, pois este efeito da posse se fundamenta no propósito de consolidação da propriedade.

VI. Conclusão:

De acordo com o exposto neste trabalho, percebemos que a posse deriva de idéias primitivas extraídas do Direito Romano e que este direito influenciou decisivamente nossos legisladores na elaboração do Código Civil Brasileiro, base da relação do direito entre particulares.
Como vimos, a questão da posse, apesar de ser um tema antigo, ainda hoje é de grande importância, principalmente no Brasil, um dos poucos países que não realizou a reforma agrária. Diariamente, temos notícia de manifestações dos sem-terra e da política agrária do atual governo. Mais recentemente, acompanhamos com especial atenção à marcha dos sem-terra em Brasília, que avivou ainda mais a discussão da posse da terra e trouxe a tona a dificuldade na realização desta reforma devido a leis ainda ineficientes.
Torna-se necessário salientar que toda legislação a respeito da posse atende a uma preocupação de interesse social , e não apenas ao intuito de proteger a pessoa do possuidor. É importante destacarmos também que a propriedade, segundo o artigo 5º inciso XXXIII da nossa Constituição Federal, atenderá a sua função social. Aí está a base de toda a reforma agrária, afinal não podemos esquecer dos milhares de hectares de terras improdutivas que existem de norte a sul do país, propriedades rurais que não atendem a sua função social como podemos constatar no artigo 186 desta mesma Constituição, o qual enumera os requisitos para a observância desta função.
Portanto, o que se pode constatar é que tanto a sociedade como o Poder Público devem ajudar nesta luta do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra – MST, de forma a tornar as leis eficientes e vigentes. A questão é provar que, em um país que possui a extensão e a vocação agrícola como o Brasil, é, no mínimo, incoerente manter inutilizadas terras que poderiam alimentar milhares de pessoas, evitando assim o êxodo rural para as grandes cidades já tão repletas de problemas e diminuindo consideravelmente o número de desempregados, viabilizando, deste modo, o desenvolvimento nacional.

Bibliografia:

  • ALEXANDRE CORREIA E GAETANO SCLASCIA – Manual de Direito Romano – Vol. 1, Ed. Saraiva, 4ª edição, S.P., 1961.
  • José Carlos Moreira Alves – Direito Romano – Vol. 1, Ed. Forense, 5ª edição, R.J., 1983.
  • LIMONGI FRANÇA – A Posse no Código Civil, Ed. José Bushatsky – Livros Jurídicos, S.P., 1964.
  • Silvio Rodrigues – Direito Civil – Vol. 5 – Direito das Coisas, Ed. Saraiva, 20ª edição, 1993.
  • THOMAS MARKY – Curso Elementar de Direito Romano – Ed. Saraiva, 8ª edição, S.P., 1995.
Autoria: Ricardo Gomes da Silva (www.coladaweb.com)  

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