Por Jornal Nacional
Médicos e parentes de pessoas que morreram com suspeita de Covid-19 afirmam que essa informação, muitas vezes, não consta na certidão de óbito. E que por causa dessa lacuna e também pela falta de testes, o número de mortes pode ser maior do que o oficial.
Maria Luíza Santana do Nascimento, paraibana, moradora da Rocinha. A senhora de 72 anos morreu no dia 31 de março, com problemas respiratórios, pouco tempo depois de se tratar na UPA da comunidade. Os médicos suspeitaram de Covid-19 e fizeram o exame, só que o resultado não ficou pronto até o enterro.
A certidão de óbito traz como causa da morte septicemia não especificada, pneumonia e insuficiência cardíaca, por problema já existente, sem mencionar Covid-19. Mesmo assim, o sepultamento aconteceu com todas as orientações da vigilância sanitária: presença de poucos parentes e um grande esquema de segurança para evitar novas contaminações.
A Coordenadoria Municipal de Conservação registrou até o dia 6 de abril, 196 enterros de mortos suspeitos de Covid-19, só na cidade do Rio.
A Secretaria Estadual de Saúde tem hoje 121 mortes em investigação e descartou relação em outras 120.
Desde o início da pandemia, médicos do Rio vem afirmando que há dificuldades e falta de orientação para testar se um paciente morreu mesmo por Covid-19, já que não há testes para todos e os sintomas são parecidos com outras doenças. Muitos profissionais, na dúvida, escrevem apenas o que conseguem confirmar com os exames disponíveis nas unidades: pneumonia e insuficiência respiratória. E é isso que vai escrito no atestado de óbito e registrado em cartório.
São essas informações, que nem sempre levam em consideração a contaminação pelo coronavírus, que abastecem os cartórios cíveis e, de lá, seguem para um banco de dados criado pelo Conselho Nacional de Justiça.
“Os cartórios de registro civil não têm nenhuma atribuição de análise científica. O que nós fazemos exatamente é a transposição das informações emitidas pelos médicos, sem nenhuma alteração ou nem juízo de valor”, explica Luis Carlos Vendramim Junior, da Associação dos Registradores Civis de Pessoas, São Paulo.
Um levantamento nos cartórios do Rio, feito para o Jornal Nacional, revela um aumento de óbitos por insuficiência respiratória no estado. Em março de 2019, foram 1.117 registros. Em março de 2020,111 casos a mais, um aumento de 10%. E os registros de pneumonia subiram de 1.717, em março de 2019, para 1.834, em março de 2020: 6,8% de aumento.
O Cremerj lançou um guia para orientar os médicos no preenchimento dos atestados, por causa da subnotificação.
“A orientação do Cremerj é essa, que ele possa botar a percepção dele. Se ele acha que o paciente apresentou as alterações e para ele o diagnóstico estava fechado em Covid-19, ele coloca Covid-19", diz Flávio Sá Ribeiro, conselheiro do Cremerj.
Autoridades de saúde dizem que o ideal é que todos os pacientes graves, com suspeita de Covid, sejam testados. A recomendação da Organização Mundial de Saúde é que o atestado de óbito dos casos em investigação deve trazer o aviso da suspeita de Covid-19.
Mas, com as condições nas unidades de saúde, principalmente em áreas de risco do Rio, fica difícil cumprir a determinação.
“Soma com essas questões que estão relacionadas aí à falta de testes, à falta de equipamentos de proteção individual e, muitas vezes, isso é delegado mesmo à funerária, ao sistema funerário, sem a gente ter a devida atenção das autoridades da saúde pública”, conta Denize Ornellas, da Sociedade Brasileira de Medicina da Família.
As dificuldades talvez expliquem por que o seu José Félix, chef de cozinha, 48 anos, não entrou para a estatística. Ele ficou cinco dias internado no Centro de Emergência Regional, com quadro de dispneia progressiva, que é dificuldade de respirar, e pneumonia. Recebeu alta na sexta (10) e morreu no domingo (12), em casa, no Morro da Providência. O corpo ficou 24 horas esperando o resgate.
“Estamos aguardando aqui o rabecão para que leve o corpo do senhor José e faça os procedimentos para realmente tirar a dúvida se foi agravante com o coronavírus”, explicou o líder comunitário.
Segundo a família, não foi feito o teste para Covid nem antes nem depois da morte. O atestado de óbito traz causa indeterminada.
“É sem saber se realmente foi a morte, o que causou a morte dele”, lamentou o familiar.
Já o resultado da dona Maria Luíza, que morreu na Rocinha, saiu há poucos dias e deu positivo. Só que no registro oficial em cartório, pelo menos até agora, ela também não aparece na contagem de mortos da pandemia.
O Ministério da Saúde afirmou que a declaração de óbito, que precede a certidão, apresenta os eventos que levaram à morte. Inclusive aqueles que aguardam exames. O ministério afirmou que tem ampliado a aquisição e a distribuição de testes de diagnóstico da Covid-19.
A prefeitura do Rio declarou que os números da Secretaria Municipal de Saúde refletem as notificações dos laudos da Superintendência de Vigilância em Saúde, que são confrontados com as declarações de óbito.
A prefeitura informou que no fim de março, depois da resolução do Conselho Regional de Medicina, passou a incluir a expressão “suspeita de Covid-19" na declaração de óbito e que o número de mortes suspeitas e atestadas nos óbitos é de 84.
A Secretaria Estadual não respondeu ao contado do Jornal Nacional.
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