Os que mantêm essa posição o fazem em
especial com fundamento na monografia de Maria Emília Mendes Alcântara, que
supõe pelo menos cinco motivos capazes de obstaculizar o reconhecimento da
responsabilidade do Estado por atos legislativos. São eles: a) a lei é um ato
de soberania, e como tal se impõe a todos, sem que se possa reclamar qualquer
compensação; b) o ato legislativo cria uma situação jurídica geral, objetiva,
impessoal, abstrata, não podendo atingir situação jurídica individual e
concreta, pois se aplica a todos e por igual; está, por isso, segundo a maioria
da doutrina e jurisprudência, ao abrigo da responsabilidade, salvo se o
legislador, expressamente, reconhecer a responsabilidade extracontratual do
Estado; c) a lei nova não viola direito preexistente; d) a determinação da
responsabilidade estatal por atos legislativos paralisaria a evolução da
atividade legislativa, pois se se impedisse o legislador de desempenhar suas
funções, atender-se-ia mais aos interesses particulares, obstando o progresso
social; e) o prejuízo causado por ato legislativo foi provocado pelo próprio
lesado, que, por ser membro da sociedade, elegeu seus representantes para o
Parlamento, conseqüentemente, não se poderá falar em responsabilidade do Estado
pelas lesões dele oriundas.
Os argumentos acima expostos não
procedem, senão vejamos:
1.A lei como ato emanado do Legislativo
não é ato emanado de Poder soberano, uma vez que a soberania é atributo do
Estado como um todo, como entidade titular máxima do poder político. No máximo
os três Poderes, individualmente considerados, não obstante exerçam suas
atribuições como componentes do Estado, e o façam em seu nome, não são
soberanos. Apenas implementam e tornam factível, na medida em que exercem as
suas funções, a soberania estatal. Fosse o exercício de parcela da soberania
causa excludente da responsabilidade, não se cogitaria da obrigação de
indenizar do Executivo . Ademais, não só o legislativo quanto os demais Poderes
devem se submeter à Constituição;
2.A generalidade e abstração da lei por
si só não garantem a irresponsabilidade estatal por ato legislativo, vez que
foi "justamente com fundamento no cânone da isonomia, que se atribuiu a
responsabilidade do Estado quando, mesmo através da manifestação de sua
atividade legiferante em compasso com a Constituição, venha a prejudicar o
exercício de atividade lícita pelo particular, causando-lhe prejuízos. Não se
pode desconhecer que a crescente intervenção estatal tem acarretado o fenômeno
consoante o qual a lei, visando tutelar o interesse coletivo, culmina por impor
sacrifícios especiais e anormais a parcelas de administrados. Ademais, o mito,
tributado a Rousseau, de que a lei não pode conter injustiça, em virtude de
representar a decisão de todo um povo (vontade geral), deliberado para a
coletividade inteira, por intermédio de normas gerais e comuns, não mais
resiste aos tempos contemporâneos, sendo prova insofismável disto a supremacia
da Constituição, justificativa para a invalidação judicial dos comandos
daquela." ;
3.Não é verdade que a lei nova, por ser
um mecanismo de acompanhamento do progresso e evolução social, revogando (não
violando) o direito preexistente, é causa excludente da responsabilidade
estatal justamente porque não viola direitos. Pensar que a lei nova pode sempre
anular, sem violar, todo e qualquer direito preexistente é "aniquilar a
proteção dos direitos adquiridos que, no caso brasileiro, consubstancia-se em
franquia constitucional (art. 5°, XXXVI, da CF)." ;
4.A possibilidade de o Estado vir a
indenizar por atos legislativos não pode ser causa de paralisação da atividade
legislativa, primeiro porque não será o Legislativo o Poder que figurará no
pólo passivo da demanda indenizatória, por absoluta ilegitimidade passiva ad
causam, depois porque o Executivo já vem respondendo por seus atos sem que
isso seja apontado como causa de uma paralisação administrativa;
5.Não há porque cogitar da exclusão da
responsabilidade do Estado por ato legislativo em função de que o dano foi
causado pelo próprio lesado na medida em que os Parlamentares foram eleitos
pelo povo. O povo não dá a seus Parlamentares um cheque em branco,
garantindo-lhe a irresponsabilidade por todos os seus atos, inclusive os de
natureza política, vez que esses atos, por exemplo, deve obediência à
Constituição Federal. Aliás, o fato de o povo eleger os representantes do Poder
Executivo jamais foi utilizado para excluir a responsabilidade dos funcionários
público que, no mais das vezes, atuam em obediência às determinações
hierárquicas daqueles.
Quanto ao questionamento se esta
responsabilidade vai se dar de forma objetiva ou subjetiva pegamos carona nas
lições de Caio Mário da Silva Pereira, que apoiado em Brunet diz: "Ora, se
é impossível construir uma teoria subjetiva da responsabilidade do legislador,
é contudo viável entender que toda sociedade organizada supõe a realização de
um equilíbrio entre os direitos do Estado."
Lembramos ainda de Yussef Said Cahali,
que contestando Hely Lopes Meirelles, diz: "Parece-nos que este
entendimento sujeita-se a dupla contestação: a) a delegação popular objetiva o
fazimento de leis conforme a Constituição pelos representantes do povo; b) a
responsabilidade do Estado, segundo a regra constitucional, não pressupõe
"demonstração cabal de culpa"."
Ante os argumentos expostos, vê-se que,
vislumbrado a ocorrência de dano injusto, a regra é a da responsabilidade civil
objetiva do Estado por ato legislativo.
A responsabilidade civil objetiva do
Estado por ato legislativo inconstitucional
A primeira e mais comentada hipótese de
responsabilização do Poder Público por ato legislativo ocorre com a prática de
atos baseados em leis declaradas inconstitucionais ou pelo exercício
inconstitucional da função de legislar.
Neste diapasão concordamos com
Cavalieri quando este afirma que a lei inconstitucional enquanto permanecer na
abstração e não for aplicada não é capaz de gerar dano a ninguém, ou seja, não
atinge direitos subjetivos de quem quer que seja. Contudo, não é possível
concordar com o notável Magistrado e Professor carioca quando ele afirma que o
agente causador do dano passível de reparação é o ato administrativo que deu
aplicação à lei.
Se é verdade que, de regra, os danos
são causados diretamente por atos administrativos que visam executar os
comandos legais, salvo quando a lei dispõe sobre destinatários
individualizados, onde se vê que o dano advém diretamente da lei, também o é
que nas duas hipóteses a origem primeira do dano é a norma legal , sendo esta
conclusão razão suficiente para que a pessoa federativa responsável pela
promulgação (União, Estado ou Município) seja responsabilizada.
"O que é imprescindível é que se
verifique o nexo causal entre a lei inconstitucional e o dano ocorrido",
portanto é pressuposto do direito à indenização o reconhecimento da
inconstitucionalidade da norma legal.
Apesar do entendimento do Ministro
Demócrito Reinaldo no Resp. n° 121.812-PR (STJ, 1ª T., m.v., DJU de
19.10.1999) segundo o qual a responsabilidade do Estado por ato legislativo
somente se caracteriza quando a lei for declarada inconstitucional mediante
decisão do STF com efeito erga omnes, ficamos perfilados ao Doutor
Edilson Pereira, segundo o qual a inconstitucionalidade declarada mediante o
controle difuso já satisfaz a exigência.
Aliás, o STF ao julgar o RE nº
8.889-SP, declarando "O Estado responde civilmente pelo dano causado em
virtude de ato praticado com fundamento em lei declarada inconstitucional"
estabeleceu, naquele caso, o direito à indenização depois de ter reconhecido a
inconstitucionalidade da norma em então questão em outro recurso
extraordinário, portanto mediante o controle difuso, com validade inter partes
ou incidenter tantum. Vê-se, pois, que a jurisprudência não tem exigido
a declaração da inconstitucionalidade da lei por ação direta ou com efeito erga
omnes.
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