O que é a ciência?
A ciência tem de envolver mais do que a mera catalogação de factos
e do que a descoberta, através da tentativa e erro, de maneiras de proceder que
funcionam. O que é crucial na verdadeira ciência é o fato de envolver a
descoberta de princípios que subfazem e conectam os fenômenos naturais.
Apesar de a ciência ter começado na Europa, é universal e está
agora à disposição de todas as culturas. Podemos continuar a dar valor aos
sistemas de crenças das outras culturas, ao mesmo tempo que reconhecemos que o conhecimento
científico é algo de especial que transcende a cultura.
O
que é um mito?
Um mito é
um relato em forma de narrativa com carácter explicativo ou simbólico,
profundamente relacionado com uma dada cultura e/ou religião. O termo é, por
vezes, utilizado de forma pejorativa para se referir às crenças comuns
(consideradas sem fundamento obectivo ou científico, e vistas apenas como
histórias de um universo puramente maravilhoso) de diversas comunidades. No
entanto, até acontecimentos históricos se podem transformar em mitos, se
adquirem uma determinada carga simbólica para uma dada cultura. Na maioria das
vezes, o termo refere-se especificamente aos relatos das civilizações antigas
que, organizados, constituem uma mitolgia – por exemplo, a mitologia grega e
a mitologia romana.
Todas as culturas tiveram seus mitos, alguns dos quais são
expressões particulares de arquétipos comuns a toda a humanidade. Por exemplo,
os mitos sobre a criação do mundo repetem alguns temas, como o ovo cósmico, ou
o deus assassinado e esquartejado cujas partes vão formar tudo que existe.
Mito não é o mesmo que fábula, conto de fadas, lenda ou saga.
Considerados
há muito tempo como antagônicos, mito e filosofia protagonizam atualmente uma
(re)conciliação. Desde os primórdios, a Filosofia, busca do saber, é entendida
como um discurso racional que surgiu para se contrapor ao modelo mítico
desenvolvido na Grécia Antiga e que serviu como base de sua Paideia (educação).
A palavra mito é grega e significa contar, narrar algo para alguém que
reconhece o proferidor do discurso como autoridade sobre aquilo que foi dito.
Assim,
Homero (Íliada e Odisseia) e Hesíodo (Teogonia e Dos trabalhos e dos Dias) são
considerados os educadores da Hélade (como se chamava a Grécia) por excelência,
bem como os rapsodos (uma espécie de ator, cantor, recitador) eram tidos como
portadores de uma verdade fundamental sobre a origem do universo, das leis
etc., por reproduzirem as narrativas contidas nas obras daqueles autores.
Foi somente
a partir de determinadas condições (navegações, uso e invenção do calendário e
da moeda, a criação da democracia que preconizava o uso da palavra, bem como a
publicidade das leis etc.) que o modelo mítico foi sendo questionado e
substituído por uma forma de pensar que exigia outros critérios para a
confecção de argumentos. Surge a Filosofia como busca de um conhecimento
racional, sistemático e com validade universal.
De
Aristóteles a Descartes, a Filosofia ganhou uma conotação de ciência, de
conhecimento seguro, infalível e essa noção perdurou até o século XIX, quando
as bases do que chamamos Razão sofreu duras críticas com o desenvolvimento da
técnica e do sistema capitalista de produção. A crença no domínio da natureza,
da exploração do trabalho, bem como a descoberta do inconsciente como o grande
motivador das ações humanas, evidenciaram o declínio de uma sociedade
armamentista, excludente e sugadora desenfreada dos recursos naturais. A
tendência racionalista fica, então, abalada e uma nova abordagem do mundo
faz-se necessária.
O que era
tido antes como pré-cientifico, primitivo, assistemático, ganha especial papel
na formação das culturas. As noções de civilização, progresso e desenvolvimento
vão sendo substituídas lentamente pela diversidade cultural, já que aquelas não
mais se justificam. A releitura de um dos pensadores tidos como fundadores do
idealismo racionalista preconiza que já na Grécia o mito não foi meramente
substituído nem de forma radical, nem gradual pelo pensamento filosófico. Os
textos de Platão, analisados não somente pela ótica conceitual, mas também
dramática, nos proporciona compreender que um certo uso do mito é necessário
onde o lógos (discurso, razão, palavra) não consegue atingir ainda seu objeto,
ou seja, aquilo que era apenas fantasioso, imaginário, ganha destaque por seu
valor prático na formação do homem.
Dito de
outro modo, embora o homem deseje conhecer a fundo o mundo em que vive, ele
sempre dependerá do aperfeiçoamento de métodos e técnicas de interpretação. A
ciência é realmente um saber, mas que também é histórico e sua validade prática
depende de como foi construído argumentativamente. Interessa perceber que
Filosofia é amor ao saber, busca do conhecimento e nunca posse, como define
Platão. Então, nunca devemos confundi-la com ciência, que é a posse de um saber
construído historicamente, isto é, determinado pelas condições do seu tempo.
Portanto, Mito, Filosofia e Ciência possuem entre si não uma relação de
exclusão ou gradação, mas sim de intercomplementaridade, haja vista que um
sempre sucede ao outro de forma cíclica no decorrer do tempo.
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