A matéria suscitou
polêmica, com base no argumento de que não se poderia permitir que o empréstimo
das interceptações para outro processo caso isto implique em burla ao disposto
nos artigos 5º, XII, da Constituição Federal, e 2º da Lei 9.296/96, os quais impõem
os seguintes requisitos para o deferimento deste meio especial de investigação:
a) a interceptação deverá se
dar em inquérito ou processo criminal;
b) o crime investigado deverá
estar sujeito à pena de reclusão;
c) não pode existir outra
forma de produzir a prova senão através da interceptação;
d) devem restar demonstrados
indícios razoáveis de participação do investigado na infração penal.
Isto é,
seria mesmo possível que o conteúdo de uma interceptação fosse utilizado como
prova em um processo onde se discutia crime punido com detenção, ou, pior, em
um procedimento administrativo?
Da mesma forma, seria preciso cuidar para garantir que o ingresso desta nova prova não implicasse em ofensa ao princípio do contraditório, nem fosse utilizada contra terceiro, contra quem não poderia ter sido deferida a interceptação.
Mas o que vem decidindo a jurisprudência?
Da mesma forma, seria preciso cuidar para garantir que o ingresso desta nova prova não implicasse em ofensa ao princípio do contraditório, nem fosse utilizada contra terceiro, contra quem não poderia ter sido deferida a interceptação.
Mas o que vem decidindo a jurisprudência?
Em virtude da
necessidade de não se ignorar uma prova colhida licitamente no processo de
origem, mas de sorte a evitar alegações de burla aos requisitos legais e
constitucionais, a jurisprudência vem aceitando o empréstimo com temperamentos,
isto é, sempre que a interceptação tenha se dado de forma lícita nos autos de
origem e que se garanta o contraditório na segunda ação penal.
Nesse sentido:
HABEAS CORPUS. CORRUPÇÃO ATIVA
E FRAUDE PROCESSUAL. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE. PROVA
EMPRESTADA. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. ILICITUDE. INEXISTÊNCIA. INQUÉRITO
POLICIAL. PEÇA INFORMATIVA. VIOLAÇÃO AO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA.
CONSTRANGIMENTO ILEGAL. INOCORRÊNCIA.
1. Conforme a jurisprudência
desta Corte, o trancamento da ação penal, pela via do habeas corpus, é medida
excepcional, só admissível quando despontada dos autos, de forma inequívoca, a
ausência de indícios de autoria ou materialidade delitiva, a atipicidade da
conduta ou a extinção da punibilidade, o que não ocorre no presente caso.
2. Inviável o trancamento da
ação penal quando a exordial descreve, ao menos em tese, fato delituoso com
todas as suas circunstâncias, possibilitando, dessa forma, o amplo exercício de
defesa (ex vi do art. 41 do CPP).
3. O Juiz de Direito da Vara
de Inquéritos de Vitória, por requerimento do MP, determinou a juntada e
utilização de prova produzida em operação policial, consistente em
escutas telefônicas autorizadas judicialmente, que redundou na apreensão das
máquinas caça níqueis para consequente oferecimento de nova denúncia. Assim, as
interceptações telefônicas foram colhidas licitamente, podendo ser usadas de
forma legítima, como prova emprestada em outro procedimento investigatório.
4. A assertiva de cerceamento
de defesa também não se verifica, uma vez que o procedimento inquisitório
constitui-se em peça meramente informativa, que objetiva reunir informações a
fim de respaldar eventual ação penal, em cuja instrução será dada ampla
oportunidade às partes para exercer seu direito ao contraditório. Precedentes.
5. Ordem denegada.
(HC 222.550/ES, Rel. Ministro
OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado em 19/06/2012, DJe 29/06/2012)
Igualmente, é
preciso salientar que as partes da segunda ação penal ou investigação não
precisam ser necessariamente as mesmas da origem, desde que ao menos um
dos investigados já figurasse como alvo no inquérito de origem, onde houve a
interceptação.
Nesse sentido:
RECURSO ESPECIAL. DIREITO
PENAL. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE ENTORPECENTES. 816,7 KG DE PASTA-BASE DE
COCAÍNA. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. PROVAS EMPRESTADAS. POSSIBILIDADE DE
UTILIZAÇÃO DESDE QUE OBSERVADO O DEVIDO PROCESSO LEGAL. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO
DE PREJUÍZO. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. STF. PENA-BASE DE 6 ANOS. ACIMA DO MÍNIMO.
POSSIBILIDADE. ACÓRDÃO A QUO EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTE
TRIBUNAL. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. STF. SÚMULAS 7 E 83/STJ.
1. A controvérsia essencial
refere-se à formação de associação criminosa, cujo desiderato seria o
arrebatamento de carregamento de droga de outros traficantes - 816,7 Kg
(oitocentos e dezesseis quilos e setecentos gramas) de pasta-base de cocaína -,
atestada por meio de depoimento de testemunhas e provas emprestadas.
2. No caso, as interceptações
telefônicas - embora autorizadas por juiz de comarca diversa daquela na qual
tramitou a presente ação penal - foram realizadas em obediência aos ditames
legais e em feito criminal no qual se apuravam crimes de tráfico de drogas
cometidos concomitantemente e em estrita vinculação com os apurados nos
presentes autos.
3. Os acusados contaram com
ampla oportunidade de se manifestar a respeito do conteúdo apurado nas
interceptações e, além disso, a condenação do atual recorrente não teve como
único fundamento a interceptação realizada pelo Juízo da comarca de Santa Luzia
no Estado da Paraíba.
4. O Superior Tribunal de
Justiça entende, na fixação da dosimetria da pena - nos delitos de tráfico de
entorpecentes -, ser adequada a imposição da pena-base acima do mínimo legal em
razão da natureza e da quantidade da droga (art. 42 da Lei n. 11.343/2006).
5. Inexiste dispositivo em lei
que determine a realização de perícia em gravações telefônicas para se atestar
a veracidade dos diálogos.
6. O acórdão recorrido
encontra-se em consonância com a jurisprudência assente do Superior Tribunal de
Justiça, assim sendo, aplica-se ao caso vertente a Súmula 83/STJ.
7. A violação do art. 5º,
XXXIX e LIV, da Constituição Federal revela-se quaestio afeta à competência do
Supremo Tribunal Federal, provocado pela via do extraordinário; motivo pelo
qual não se pode conhecer do recurso especial, nesse aspecto, em função do
disposto no art. 105, III, da Constituição.
8. Recurso especial improvido.
(REsp 1235181/RO, Rel.
Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 27/03/2012, DJe
11/04/2012)
Neste julgado, o
STJ aceitou a prova emprestada, pois as interceptações “foram realizadas
em obediência aos ditames legais e em feito criminal no qual se apuravam crimes
de tráfico de drogas cometidos concomitantemente e em estrita vinculação com os
apurados nos autos em apreço”.
Ademais, “depreende-se
do acórdão estadual que os acusados contaram com ampla oportunidade de se
manifestar a respeito do conteúdo apurado nas interceptações e que, além disso,
a condenação do atual recorrente não teve como único fundamento a interceptação
realizada pelo Juízo da comarca de Santa Luzia no Estado da Paraíba”.
Ou seja, neste
caso havia vínculo entre os fatos e a condenação não foi baseada apenas na
prova emprestada, o que facilitou a sua aceitação por parte do Superior
Tribunal de Justiça.
No HC 155.424,
contudo, o STJ entendeu lícita a juntada de interceptação oriunda de
investigação envolvendo o PCC - Primeiro Comando da Capital - em ação penal
proposta contra um de seus membros.
Veja-se a ementa do referido
julgado:
HABEAS CORPUS. CONDENAÇÃO
PELOS DELITOS PREVISTOS NOS ARTS. 297 E 288, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO PENAL,
E 35, DA LEI N.º 11.343/06. ALEGAÇÃO DE QUE NÃO FOI OPORTUNIZADO À DEFESA
VERIFICAR A LEGALIDADE DA DECISÃO QUE DECRETOU A INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA REALIZADA
E A REGULARIDADE DO CUMPRIMENTO DAS DILIGÊNCIAS. TESE QUE NÃO SE SUSTENTA.
DECISÃO E DADOS DEGRAVADOS COLACIONADOS AOS AUTOS, NO DECORRER DA INSTRUÇÃO.
UTILIZAÇÃO DE PROVA PRODUZIDA EM OUTRO FEITO CRIMINAL, CUJOS ELEMENTOS
INDICIÁRIOS SÃO INTIMAMENTE LIGADOS. POSSIBILIDADE. HABEAS CORPUS DENEGADO.
1. Se a degravação dos dados
colhidos em interceptação telefônica é juntada aos autos da ação penal no
decorrer da instrução, não resta configurada nulidade por mitigação ao
contraditório, pois se conferiu à Defesa, oportunamente, acesso integral aos
referidos elementos probatórios, bem assim à decisão que deferiu o pedido, para
o devido exercício da ampla defesa.
2. É lícita a utilização de
prova produzida em feito criminal diverso, obtida por meio de interceptação
telefônica - de forma a ensejar, inclusive, a correta instrução do feito -,
desde que relacionada com os fatos do processo-crime, e, após sua juntada aos
autos, seja oportunizado à Defesa proceder ao contraditório e à ampla defesa.
Precedentes.
3. Ordem denegada.
(HC 155.424/MG, Rel. Ministra
LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 07/02/2012, DJe 24/02/2012)
Observe-se que, em
todos os casos, restou superada a alegação de ofensa ao contraditório pela
simples constatação que as partes poderia questionar a prova no segundo
processo.
O Supremo Tribunal Federal também vem adotando este mesmo entendimento, como se dessume do seguinte julgado:
O Supremo Tribunal Federal também vem adotando este mesmo entendimento, como se dessume do seguinte julgado:
HABEAS CORPUS. INTERCEPTAÇÃO
TELEFÔNICA. COMPETÊNCIA DO JUÍZO. DESDOBRAMENTO DAS INVESTIGAÇÕES. IDENTIFICAÇÃO,
NO CURSO DAS DILIGÊNCIAS, DE POLICIAL MILITAR COMO SUPOSTO AUTOR DO DELITO
APURADO. DESLOCAMENTO DA PERSECUÇÃO PARA A JUSTIÇA MILITAR. VALIDADE DA
INTERCEPTAÇÃO DEFERIDA PELO JUÍZO ESTADUAL COMUM. ORDEM DENEGADA.
1. Não é ilícita a prova
obtida mediante interceptação telefônica autorizada por Juízo competente. O
posterior reconhecimento da incompetência do Juízo que deferiu a diligência não
implica, necessariamente, a invalidação da prova legalmente produzida. A não
ser que “o motivo da incompetência declarada [fosse] contemporâneo da decisão
judicial de que se cuida” (HC 81.260, da relatoria do ministro Sepúlveda
Pertence).
2. Não há por que impedir que
o resultado das diligências encetadas por autoridade judiciária até então
competente seja utilizado para auxiliar nas apurações que se destinam a cumprir
um poder-dever que decola diretamente da Constituição Federal (incisos XXXIX,
LIII e LIV do art. 5º, inciso I do art. 129 e art. 144 da CF). Isso, é claro,
com as ressalvas da jurisprudência do STF quanto aos limites da chamada prova
emprestada.
3. Os elementos informativos
de uma investigação criminal, ou as provas colhidas no bojo de instrução
processual penal, desde que obtidos mediante interceptação telefônica
devidamente autorizada por Juízo competente, admitem compartilhamento para fins
de instruir procedimento criminal ou mesmo procedimento administrativo
disciplinar contra os investigados. Possibilidade jurisprudencial que foi
ampliada, na Segunda Questão de Ordem no Inquérito 2.424 (da relatoria do
ministro Cezar Peluso), para também autorizar o uso dessas mesmas informações
contra outros agentes.
4. Habeas corpus denegado.
(HC 102293, Relator(a):
Min. AYRES BRITTO, Segunda Turma, julgado em 24/05/2011, ACÓRDÃO ELETRÔNICO
DJe-239 DIVULG 16-12-2011 PUBLIC 19-12-2011)
Recomenda-se a
leitura do inteiro teor de todos os julgados, os quais demonstram uma aceitação
dos Tribunais Superiores com o uso das interceptações como prova emprestada,
desde licitamente colhidas e respeitado o contraditório no feito em que estas
forem juntadas.
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