Por Regina Beatriz Tavares
São relações interpessoais amorosas de natureza poligâmica,
em que se defende a possibilidade de relações íntimas e duradouras com mais de
um parceiro simultaneamente.
No plano dos afetos ou gostos ou preferências não discutimos
o poliamor.
Resta saber se esse tipo de relação múltipla pode ou não
gerar efeitos jurídicos e efeitos na órbita do direito de família.
Que dois casamentos não podem ser havidos como válidos, aí
não vai qualquer dúvida, havendo configuração de bigamia. A bigamia acarreta a
nulidade do segundo casamento (Código Civil, artigo 1.548, inciso II, c/c
artigo 1.521, inciso VI). A bigamia é crime, com imposição de pena de reclusão,
de dois a seis anos, para aquele que contrai novo casamento, já sendo casado
(Código Penal, artigo 235, caput) e pena de reclusão ou detenção, de um a três
anos, para aquele que, não sendo casado, contrai casamento com pessoa casada,
conhecendo essa circunstância (Código Penal, artigo 235, parágrafo 1º).
Indaga-se, então, como poderiam ser atribuídos efeitos
jurídicos e direitos à relação concubinária que concorre com o casamento.
Poder-se-ia atribuir natureza de união estável a essa relação extraconjugal?
Também é de indagar como poderiam ser atribuídos efeitos
jurídicos à relação que concorre com uma união estável. Poder-se-ia atribuir
natureza de união estável a duas uniões concomitantes?
O casamento e a união estável, no plano do direito de
família, são relações monogâmicas.
Em nosso ordenamento jurídico, assim como em nossa
sociedade, não é admitida a poligamia, não sendo possível o reconhecimento de
efeitos de união estável na relação extrafamiliar, ou seja, nas relações
concubinárias.
De acordo com o artigo 226, parágrafo 3º, da Constituição
Federal, a união estável é entidade familiar equiparada ao casamento, de modo
que, assim como não é possível que uma pessoa mantenha dois casamentos,
juridicamente também não é possível que viva em casamento e em união estável concomitantemente,
assim como não possível que uma pessoa viva duas uniões estáveis concomitantes:
“A união estável tem natureza monogâmica, sendo incabível o
reconhecimento de duas uniões concomitantes como relações de família, desse
modo, a relação que concorre com o casamento em que os cônjuges mantêm vida em
comum chama-se concubinato, nos termos do artigo 1.727 do Código Civil, e não
recebe a proteção do direito de família (...) Essa relação concubinária não
gera os efeitos da união estável, como reconhece nossa melhor jurisprudência
(...) Em suma, as relações adulterinas não tem as repercussões pessoais e
patrimoniais das uniões estáveis, pois não constituem família e não recebem a
respectiva proteção especial” (MONTEIRO, Washington de Barros e TAVARES DA
SILVA, Regina Beatriz. Curso de Direito Civil, vol. 2: direito de família. 42ª
ed., São Paulo: Saraiva, 2012, p. 63/64, 68 e 71).
O artigo 1.723, do Código Civil, estabelece:
“É reconhecida como entidade familiar a união estável entre
o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e
estabelecida com o objetivo de constituição de família. parágrafo 1o A união
estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do artigo 1.521; não se
aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar
separada de fato ou judicialmente”.
Assim, somente diante de separação de fato no casamento ou
de dissolução da união estável, é que pode ser constituída outra união estável.
A relação que concorre com casamento ou com união estável
somente pode caracterizar concubinato, nos termos do artigo 1.727 do Código
Civil: “As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar,
constitui concubinato”.
O Supremo Tribunal Federal distingue a união estável do
concubinato:
“Companheira e concubina – distinção. Sendo o Direito uma
verdadeira ciência, impossível é confundir institutos, expressões e vocábulos,
sob pena de prevalecer a babel. União estável – proteção do Estado. A proteção
do Estado à união estável alcança apenas as situações legítimas e nestas não
está incluído o concubinato (...) Percebe-se que houve um envolvimento forte,
projetado no tempo – 37 anos –, dele surgindo prole numerosa – nove filhos -,
mas que não surte efeitos jurídicos ante a ilegitimidade, ante o fato de haver
sido mantido o casamento com quem Valdemar contraíra núpcias e tivera onze
filhos (...) No caso, vislumbrou-se união estável, quando, na verdade,
verificado simples concubinato, conforme pedagogicamente previsto no artigo
1.727 do Código Civil. (...) O concubinato não se iguala à união estável
referida no texto constitucional, no que esta acaba fazendo as vezes, em termos
de consequências, do casamento. Tenho como infringido pela Corte de origem o
parágrafo 3º do artigo 226 da Constituição Federal, razão pela qual conheço e
provejo o recurso para restabelecer o entendimento sufragado pelo Juízo na
sentença prolatada” (STF, RE 397.762/BA, 1ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ
3.6.2008).
Cita-se, a seguir, o posicionamento do Superior Tribunal de
Justiça, no mesmo sentido da inexistência de efeito jurídico na relação que
concorre com o casamento:
“Ser casado constitui fato impeditivo para o reconhecimento
de uma união estável. Tal óbice só pode ser afastado caso haja separação de
fato ou de direito. Ainda que seja provada a existência de relação não
eventual, com vínculo afetivo e duradouro, e com o intuito de constituir laços
familiares, essa situação não é protegida pelo ordenamento jurídico se
concomitante a ela existir um casamento não desfeito (...) Diante disso,
decidiu-se que havendo uma relação concubinária, não eventual, simultânea ao
casamento, presume-se que o matrimônio não foi dissolvido e prevalecem os
interesses da mulher casada, não reconhecendo a união estável.” (STJ, REsp 1.096.539/RS,
4 Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 27/3/2012).
“(...) Inicialmente, necessário consignar que é
incontroverso que E. P. P. e A. L. V. mantiveram relacionamento concubinário
por 31 anos, a partir de 1971, até a morte do de cujus, em 2002, e que dele
resultou o nascimento de dois filhos (...). Contudo, a jurisprudência atual
desta Corte firmou que a relação concubinária simultânea com casamento em que
permanece efetivamente a vida comum entre marido e mulher, não gera direito à
indenização, por incompatibilidade do reconhecimento de uma união estável de um
dos cônjuges em relação a terceira pessoa (...)” (STJ. REsp 874.443/RS, 4ª
Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 24/08/2010).
“(...) Com mais razão, a distinção entre casamento e união
estável, de um lado, e concubinato, de outro, restou mais acentuada com a
vigência do atual Código Civil, tendo em vista a expressa separação realizada
no artigo 1.727, o qual, após listar as garantias dos conviventes em união
estável, silencia em relação ao concubinato (...) Quisesse o Código Civil
atribuir algum direito patrimonial ao concubino, assim teria o feito, e como
também é silente a Constituição Federal, não se há, deveras, reconhecer direito
patrimonial ao concubino, quanto mais em maior escala que ao cônjuge.(...).Com
efeito, por qualquer ângulo que se analise a questão, a concessão de
indenizações nessas hipóteses testilha com a própria lógica jurídica adotada
pelo Código Civil de 2002, protetiva do patrimônio familiar, dado que a família
é a base da sociedade e recebe especial proteção do Estado (artigo 226 da
CF/88), não podendo o Direito conter o germe da destruição da própria
família.(....)” (STJ. REsp 988.090/MS, 4ª T., Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j.
02/02/2010).
“(...) para a caracterização da relação de companheirismo, é
indispensável a ausência de óbice para o casamento, a teor do artigo 1.723,
parágrafo 1º, do Código Civil, exigindo-se, no mínimo, que os companheiros
detenham o estado civil de solteiros, viúvos, ou separados, nesse último caso,
judicialmente ou de fato. (...) Frente a esse quadro, não há como atribuir ao
relacionamento extraconjugal de que se cuida na espécie, mesmo em se tratando
de uma relação de longa data, a proteção conferida ao casamento e estendida ao
instituto da união estável, a fim de se permitir a concessão do benefício
previdenciário” (STJ, REsp 1.142.584/SC, 6ª Turma, Rel. Min. Haroldo Rodrigues,
j. 01/12/2009).
(...) Na orientação do STJ, a regra proibitiva é no sentido
de vedar a designação de concubino como beneficiário de seguro, com a
finalidade assentada na necessária proteção do casamento, instituição a ser
preservada e que deve ser alçada à condição de prevalência, quando em
contraposição com institutos que se desviem da finalidade constitucional. A
união estável, também reconhecida como entidade familiar, pelo parágrafo 3º do
artigo 226 da CF/88, tem tutela assegurada e o concubinato, paralelo a ambos os
institutos jurídicos – casamento e união estável –, enfrenta obstáculos à
geração de efeitos dele decorrentes (...)” (STJ. REsp 1.047.538/RS, 3ª T., Rel. Min. Nancy Andrighi, j.
04/11/2008).
Os artigos 2º, inciso II, e 7º da Lei nº 9.278, de 1996, e o
artigo 1.694, do Código Civil de 2002, instituíram uma nova fonte de aquisição
de direito a alimentos: a união estável. Por isso tais dispositivos legais não
se aplicam ao caso dos autos, pois trata de relação concubinária, estabelecida,
portanto, em paralelo ao casamento” (STJ. AgRg no Ag 670.502/RJ, 3ª T., Rel. Min. Ari Pargendler, j. 19/06/2008).
“No processo ora em julgamento, o falecido manteve
relacionamento concubinário com a recorrida ao longo de 16 anos enquanto
permanecia casado com a recorrente, desde 1958 até vir a óbito, sem nenhuma
indicação de separação de fato. Dessa forma, não poderia o Tribunal de origem
ter reconhecido a existência de união estável entre o falecido e a recorrida
exatamente porque alicerçada referida união em impedimento matrimonial pré e
coexistente, em absoluta similitude com o julgado colacionado. (...) Os
elementos probatórios, portanto, atestam a simultaneidade das relações conjugal
e de concubinato, o que impõe a prevalência dos interesses da recorrente, cujo
matrimônio não foi dissolvido, aos alegados direitos subjetivos pretendidos
pela concubina, pois não há, sob o prisma do Direito de Família, prerrogativa
da recorrida à partilha dos bens deixados pelo falecido. (...) não há como ser
conferido o status de união estável a relação concubinária simultânea a
casamento válido (...)” (STJ,
REsp 931.155/RS, 3ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 07/08/2007).
“(...) Realmente, não há como se admitir a coexistência de
um casamento nas circunstâncias ora expostas (sem separação de fato) com uma
união estável, sob pena de viabilizar a bigamia, já que é possível a conversão
da união estável em casamento (...)” (STJ, REsp 684.407/RS, 4ª Turma, Rel. Min.
Jorge Scartezzini, DJ de 27/6/2005).
Também está consolidada a jurisprudência do Superior
Tribunal de Justiça que nega efeito jurídico à relação paralela à união
estável:
“(...) no tocante ao mérito da controvérsia, este Tribunal
Superior consagrou o entendimento de ser inadmissível o reconhecimento de
uniões estáveis paralelas. Assim, se uma relação afetiva de convivência for
caracterizada como união estável, as outras concomitantes, quando muito,
poderão ser enquadradas como concubinato (...)” (STJ. AgRg no Ag 1130816, 3ª
T., Rel. Min. Vasco Della Giustina, j. 27/08/2010).
“Cinge-se a lide a definir, sob a perspectiva do Direito de
Família, a respeito da viabilidade jurídica de reconhecimento de uniões
estáveis simultâneas. (...) uma sociedade que apresenta como elemento
estrutural a monogamia não pode atenuar o dever de fidelidade – que integra o
conceito de lealdade – para o fim de inserir no âmbito do Direito de Família
relações afetivas paralelas e, por consequência, desleais, sem descurar que o
núcleo familiar contemporâneo tem como escopo a busca da realização de seus
integrantes, vale dizer, a busca da felicidade. (...) Ao analisar as lides que
apresentam paralelismo afetivo, deve o juiz, atento às peculiaridades
multifacetadas apresentadas em cada caso, decidir com base na dignidade da
pessoa humana, na solidariedade, na afetividade, na busca da felicidade, na
liberdade, na igualdade, bem assim, com redobrada atenção ao primado da
monogamia, com os pés fincados no princípio da eticidade. Emprestar aos novos
arranjos familiares, de uma forma linear, os efeitos jurídicos inerentes à
união estável implicaria julgar contra o que dispõe a lei. Isso porque o artigo
1.727 do CC/02 regulou, em sua esfera de abrangência, as relações afetivas não
eventuais em que se fazem presentes impedimentos para casar, de forma que só
podem constituir concubinato os relacionamentos paralelos a casamento ou união
estável pré e coexistente. (...)”
(STJ, REsp 1.157.273/RN, 3ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 18/05/2010).
Em relações concubinárias, concorrentes com o casamento ou
com a união estável, em nossos dias, em razão das redes sociais, da proximidade
virtual das pessoas, dos meios de comunicação e transporte, nem mesmo tem
cabimento falar em relação putativa, ou seja, em boa fé do terceiro ou da
terceira que convive com alguém casado ou que vive em união estável. Como uma
mulher que conviva com um homem casado pode desconhecer por longo tempo esse
casamento? Como um homem que se relacione com uma mulher que mantem uma união
estável pode alegar desconhecimento sobre essa união?
Embora excepcionalmente, quiçá para que quem viva em local
sem comunicação ou meio de transporte, isso seja possível, mas, em regra,
certamente não o é.
Embora a putatividade em bigamia, ou seja, na nulidade de
casamento celebrado em concomitância com outro casamento tenha previsão legal
(Código Civil, artigo 1.561, parágrafo 1º), essa regra é de absoluta
excepcionalidade prática em nossos dias. Além dos mais, o casamento é havido
como nulo.
Somente efeitos obrigacionais, de sociedade de fato, quando
houver, o que não se confunde com favores sexuais, pode ter a relação
extrafamiliar, mas para isso, nos termos do Código Civil, arts. 986 e ss., é
preciso provar que houve efetivo aporte de capital ou trabalho que contribuiu
na formação de patrimônio que fica em nome da outra pessoa. Depois dessa prova,
serão avaliados os direitos do sócio de fato. Mas, aqui, mais uma restrição
legal: a sociedade de fato não se prova somente por testemunhas, é necessário
que haja prova escrita nos termos do artigo 987 do Código Civil.
Está em tramitação no STF o RE 669.465/ES, que decidirá
sobre a existência ou não de direitos previdenciários no concubinato. Por
enquanto, o Supremo Tribunal Federal somente reconheceu a repercussão geral da
questão constitucional suscitada. Espera-se que a Suprema Corte tome a decisão
que melhor preserva a família brasileira, conforme os ditames constitucionais.
Fonte: http://dimitresoares.blogspot.com.br/
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