Por Michel
Goulart
O golpe militar de 1964 instaurou
no Brasil uma forte censura, praticada através dos Atos Institucionais (AI’s)criados para aumentar a repressão do
Estado sobre a população ou qualquer manifestação que fosse contrária ao
governo imposto no país. Não demorou para a música – enquanto manifestação
artístico-cultural de forte teor político – estar entre os principais alvos da
censura. Mas nem isso calava a voz dos artistas. Assim, conheça 10 músicas de protesto à Ditadura Militar.
Se você curte este tema e
deseja ler algo para aprofundar ainda mais no assunto, sugerimos a leitura do
livro Cale-se: Mpb e Ditadura Militar, que trata
das letras das canções compostas nos anos mais duros da ditadura (1964 a 1974),
e reforça a ideia de que a música serviu – e serve – como uma importante
ferramenta de comunicação, carregando mensagens (as mais variadas possíveis)
com as palavras e frases que formam suas letras.
Vale
ressaltar que nem todas as músicas foram criadas como forma de protesto. Por
exemplo, alguns cantores, como Caetano Veloso e Gilberto Gil, compunham músicas
com forte teor político e social, mas nem sempre faziam críticas diretas à
ditadura. Porém, são citadas por fazerem parte de um momento histórico único em
nossa história, caracterizado pela efervescência cultural.
1- Alegria, alegria
A música Alegria,
Alegria foi lançada em 1967, por Caetano Veloso. Valorizava a ironia,
a rebeldia e o anarquismo a partir de fragmentos do dia-a-dia. Em cada verso,
revelações da opressão ao cidadão em todas as esferas sociais. A letra critica
o abuso do poder e da violência, as más condições do contexto educacional e
cultural estabelecido pelos militares, aos quais interessava formar brasileiros
alienados.
Trecho: O sol se
reparte em crimes/Espaçonaves, guerrilhas/Em cardinales bonitas/Eu vou…
2- Caminhando
Caminhando (Pra
não dizer que falei das flores) é uma música de
Geraldo Vandré, lançada em 1968. Vandré foi um dos primeiros artistas a ser
perseguido e censurado pelo governo militar. A música foi a sensação do
Festival de Música Brasileira da TV Record, se transformando em um hino para os
cidadãos que lutavam pela abertura política. Através dela, Vandré chamava o
público à revolta contra o regime ditatorial e ainda fazia fortes provocações
ao exército.
Trecho: Há
soldados armados / Amados ou não / Quase todos perdidos / De armas na mão / Nos
quartéis lhes ensinam / Uma antiga lição: De morrer pela pátria / E viver sem
razão
3- Cálice
A música Cálice,
lançada por Chico Buarque em 1973, faz alusão a oração de Jesus Cristo dirigida
a Deus no Jardim do Getsêmane: “Pai, afasta de mim este cálice”. Para quem
lutava pela democracia, o silêncio também era uma forma de morte. Para os
ditadores, a morte era uma forma de silêncio. Daí nasceu a ideia de Chico
Buarque: explorar a sonoridade e o duplo sentido das palavras “cálice” e
“cale-se” para criticar o regime instaurado.
Trecho: De
muito gorda a porca já não anda (Cálice!) / De muito usada a faca já não corta
/ Como é difícil, Pai, abrir a porta (Cálice!) / Essa palavra presa na garganta
4- O bêbado e o equilibrista
O bêbado e o
equilibrista, foi composto por Aldir Blanc e João Bosco e
gravado por Elis Regina, em 1979. Representava o pedido da população pela
anistia ampla, geral e irrestrita, um movimento consolidado no final da década
de 70. A letra fala sobre o choro de Marias e Clarisses, em alusão às esposas
do operário Manuel Fiel Filho e do jornalista Vladimir Herzog, assassinados sob
tortura pelo exército.
Trecho: Que
sonha com a volta / Do irmão do Henfil / Com tanta gente que partiu / Num rabo
de foguete / Chora! A nossa Pátria Mãe gentil / Choram Marias e
Clarisses / No solo do Brasil…
5- Mosca na sopa
Mosca na sopa é
uma música de Raul Seixas, lançada em 1973. Apesar das controvérsias acerca do
sentido da música, a letra faz uma referência clara à ditadura militar. Através
de uma metáfora, o povo é a “mosca” e, a ditadura militar, “a sopa”. Desta
forma, o povo é apresentado como aquele que incomoda, que não pode ser
eliminado, pois sempre vão existir aqueles que se levantam contra regimes
opressores.
Trecho: E
não adianta / Vir me detetizar / Pois nem o DDT / Pode assim me exterminar /
Porque você mata uma / E vem outra em meu lugar…
6-É proibido proibir
É proibido proibir é
uma música de Caetano Veloso, lançada em 1968. Esta canção era uma manifestação
das grandes mudanças culturais que estavam ocorrendo no mundo na década de
1960. Na apresentação realizada no Teatro da Universidade Católica de São
Paulo, a música de Caetano foi recebida com furiosa vaia pelo público que
lotava o auditório. Indignado, Caetano fez um longo e inflamado discurso que
quase não se podia ouvir, tamanho era o barulho dentro do teatro.
Trecho: Me
dê um beijo meu amor / Eles estão nos esperando / Os automóveis ardem em chamas
/ Derrubar as prateleiras / As estantes, as estátuas / As vidraças, louças / Livros, sim…
7-Apesar de você
Depois de Geraldo Vandré,
Chico Buarque se tornou o artista mais odiado pelo governo militar, tendo
dezenas de músicas censuradas. Apesar de você foi lançada em
1970, durante o governo do general Médici. A letra faz uma clara referência a
este ditador. Para driblar a censura, ele afirmou que a música contava a
história de uma briga de casal, cuja esposa era muito autoritária. A desculpa
funcionou e o disco foi gravado, mas os oficiais do exército logo perceberam a
real intenção e a canção foi proibida de tocar nas rádios.
Trecho: Quando
chegar o momento / Esse meu sofrimento / Vou cobrar com juros. Juro! / Todo
esse amor reprimido / Esse grito contido / Esse samba no escuro
8- Acender as velas
A música Acender as
velas, lançada em 1965, é considerada uma das maiores composições do
sambista Zé Keti. Esta música inclui-se entre as músicas de protesto da fase
posterior a 1964. A letra deste samba possui um impacto forte, criado pelo
relato dramático do dia-a-dia da favela. Faz uma crítica social as péssimas condições
de vida nos morros do Rio de Janeiro, na década de 1960.
Trecho: Acender
as velas / Já é profissão / Quando não tem samba / Tem desilusão / É mais um
coração / Que deixa de bater / Um anjo vai pro céu
9- Que as crianças cantem livres
Que as crianças
cantem livres é uma composição de Taiguara, lançada em
1973. No mesmo ano, o cantor se exilou em Londres, tendo sido um dos artistas
mais perseguidos durante a ditadura militar. Taiguara teve 68 canções
censuradas, durante o período de maior endurecimento do regime, no fim da
década de 1960 até meados da década de 1970.
Trecho: E
que as crianças cantem livres sobre os muros / E ensinem sonho ao que não pode
amar sem dor / E que o passado abra os presentes pro futuro / Que não dormiu e
preparou o amanhecer…
10- Jorge Maravilha
Jorge Maravilha,
lançada em 1974, é mais uma música de Chico Buarque, agora sob o pseudônimo de
Julinho de Adelaide, criado para driblar a censura. Os versos “você não gosta
de mim, mas sua filha gosta” parecia uma relação conflituosa entre sogro, genro
e filha. Mas, na verdade, fazia alusão à família do general Geisel. Geisel
odiava Chico Buarque. No entanto, a filha do militar manifestava interesse pelo
trabalho do compositor.
Trecho: E
como já dizia Jorge Maravilha / Prenhe de razão / Mais vale uma filha na mão /
Do que dois pais voando / Você não gosta de mim, mas sua filha gosta
Nenhum comentário:
Postar um comentário