APELAÇÃO CÍVEL.
LICITAÇÃO E CONTRATO ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.
O Chefe do Executivo Municipal incorre nas sanções relativas à improbidade
administrativa ao adquirir medicamentos sem realizar licitação, nem justificar
a dispensa do certame.
APELAÇÃO PROVIDA E RECURSO ADESIVO PREJUDICADO.
Apelação Cível
Segunda Câmara Cível - Regime de Exceção
Nº 70005428917 Comarca de Cerro Largo
MINISTÉRIO PÚBLICO APELANTE/RECORRIDO ADESIVO
ADAIR JOSE TROTT RECORRENTE ADESIVO/APELADO
MUNICÍPIO DE CERRO LARGO APELADO/RECORRIDO ADESIVO
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Magistrados integrantes da Segunda Câmara Cível - Regime de Exceção
do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar provimento à apelação,
prejudicado o recurso adesivo.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des.
Roque Joaquim Volkweiss e Des. João Armando Bezerra Campos.
Porto Alegre, 17 de maio de 2006.
DR. TÚLIO DE OLIVEIRA MARTINS,
Relator.
RELATÓRIO
Dr. Túlio de Oliveira Martins (RELATOR)
Nos autos da ação civil pública por improbidade administrativa ajuizada pelo
MINISTÉRIO PÚBLICO contra ADAIR JOSÉ TROTT, o autor apelou e o réu interpôs
agravo retido da sentença que julgou improcedente a demanda.
Nas razões recursais, o Ministério Público sustentou haver ocorrido aquisição
irregular de medicamentos, contrariando o que determina a Lei de Licitações.
Disse que não está discutindo a prática dos atos de improbidade em si, bem como
a própria destinação dos remédios, e sim a irregularidade do ato em si, tendo
em vista sua prática durante o período eleitoral. Salientou que a lesão ao
erário no montante de R$ 12.286,27, na época do fato, está demonstrada,
situação que implica no ressarcimento de tal valor pelo apelado, devidamente
atualizado, aos cofres do Município de Cerro Largo. Pediu provimento.
Por outro lado, o réu, em seu recurso adesivo, postulou a condenação da parte
autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios.
Houve contra-razões.
Subiram os autos e, neste grau, a Dra. Procuradora de Justiça opinou pelo
provimento da apelação, restando prejudicado o recurso adesivo.
Vieram os autos conclusos por redistribuição, em face do Regime de Exceção
instaurado na Câmara.
Foi o relatório.
VOTOS
Dr. Túlio de Oliveira Martins (RELATOR)
Examino, primeiramente, a apelação, que merece ser provida.
Com efeito, adoto, como razões de decidir, os fundamentos constantes do bem
lançado parecer de fls. 492/498, da lavra da eminente Dra. Procuradora de
Justiça Maria de Fátima Dias Ávila, que passo a transcrever:
“(...)
No mérito, merece provimento o apelo interposto pelo Ministério Público.
Com efeito, nada há de se perquirir sobre a prática dos atos descritos na
petição inicial. Sua comprovação vem estampada tanto nas notas de empenho como
nas notas fiscais acostadas aos autos, bem como na própria admissão, pelo
requerido, da compra dos medicamentos. A dúvida reinante diz com a natureza dos
atos imputados, ou seja, se praticados ao arrepio das normas que regem o
processo de licitação e, por isso, configurando, em tese, as infrações da Lei
de Improbidade, ou não.
Por certo que nos casos como os que se mostram presentes, no qual várias foram
as condutas desencadeadas pelo gestor administrativo, cada uma elas deve ser
vista de forma global, de modo que o valor das aquisições a serem auferidos
para efeito da análise do montante mínimo a autorizar a dispensa do processo
licitatório, deva ser visualizado totalmente, ou seja, a partir da soma de cada
fração isoladamente considerada, formando um todo indissolúvel.
Ademais, mesmo que se considerasse a prática isolada das aquisições, tal fato,
por si só, não teria o condão de eximir o agente público as sanções cabíveis.
Isso porque o fracionamento dos atos não pode servir de fundamento para
dispensa do certame licitatório. O fracionamento é possível, mas desde que
precedido da licitação.
Essa a lição de Marçal Justen Filho:
‘(...) é perfeitamente válido (eventualmente, obrigatório) promover
fracionamento de contratações. Não se admite, porém, que o fracionamento
conduza à dispensa de licitação. É inadmissível que se promova dispensa de
licitação fundando-se no valor de contratação que não é isolada. Existindo
pluralidade de contratos homogêneos, de objeto similar, considera-se seu valor
global - tanto para fins de aplicação do art. 24, incs. I e II, como
relativamente à determinação da modalidade cabível de licitação.’
Vista a questão sob tal prisma, não resta dúvida de que o deslinde inevitável
do feito deveria ser a condenação do requerido às sanções da Lei de
Improbidade. Todavia, não só tal fato autoriza sua imposição.
A tese de dispensa do procedimento licitatório também não pode prosperar. Isso
porque a alegada urgência na aquisição dos medicamentos não encontra amparo no
conjunto fático articulado nos autos e tampouco comprovação proibitória.
Conforme é possível visualizar a partir das notas de empenho acostadas às fls.
22 e seguintes, as compras perduraram entre maio a dezembro de 1996, perfazendo
mais de um semestre, tempo suficiente para a formalização de um processo de
licitação.
Ademais, a própria medicação adquirida não revela, por si só, um cunho de
emergencialidade. Dentre os produtos catalogados nas notas a maioria não é
revestida das características ou da proficiência necessária para atender
necessidades que demandem tratamento urgente.
Tem-se como relevante, novamente, a menção à doutrina de Marçal Junten Filho:
‘Para a dispensa da licitação incumbe à Administração avaliar a presença de
dois requisitos:
a) Demonstração concreta e efetiva da potencialidade de não: a urgência deve
ser concreta e efetiva. Não se trata de urgência simplesmente teórica. Deve ser
evidenciada a situação concreta existente, indicando-se os dados que evidenciam
a urgência. Suponha-se, por exemplo, uma aquisição de medicamentos a ser
efetivada pela Administração Pública. Colocada a questão em termos gerais,
nunca caberia a licitação. Sempre seria possível argumentar que a demora na
aquisição de medicamentos traria prejuízo à saúde pública. A demonstração da
necessidade concreta significa que a Administração deve indicar as quantidades
necessária de medicamentos para atender aos doentes e as quantidades de que
dispõe em estoque.’
Exatamente isso não ocorreu. Não houve qualquer especificação ou relato, pelo
então chefe do Executivo Municipal de qual seria a espécie e a quantidade
necessárias de medicamentos, mesmo porque aquela autoridade também não indicou
o número e quais seriam as pessoas cujas necessidades e espécies de doenças
demandavam urgência na aquisição. A simples aquisição de medicamentos não
caracteriza a emergencialidade.
De tudo quanto dito conclui-se que, efetivamente, o demandado incorreu nas
sanções relativas à prática de improbidade administrativa, tendo em vista o
desencadeamento de atos de aquisição de bens sem o devido processo licitatório,
bem como a falta de justificativa para dispensar aquele certame.”
Ante o exposto, dou provimento à apelação, para condenar o réu ao ressarcimento
dos danos causados ao Município de Cerro Largo nos valores apontados pelo
relatório do Tribunal de Contas, com correção monetária e juros legais,
prejudicado o recurso adesivo.
Sucumbência na forma da lei.
Des. João Armando
Bezerra Campos (REVISOR) - De acordo.
Des. Roque Joaquim Volkweiss - De acordo.
- Presidente -
Apelação Cível nº 70005428917, Comarca de Cerro Largo: "DERAM PROVIMENTO À
APELAÇÃO, PREJUDICADO O RECURSO ADESIVO. UNÂNIME."
Julgador(a) de 1º Grau: VANCARLO ANDRE ANACLETO
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