Eduardo Luiz Santos
Cabette
Na
atual conformação da legislação penal, com o advento da Lei 12.015/09, há dois
crimes de favorecimento à prostituição. Um referente a sujeitos passivos
menores de 18 anos ou enfermos ou deficientes mentais sem discernimento (artigo
218 – B, CP) e outro para condutas que atinjam sujeitos passivos maiores e
mentalmente hígidos ou ao menos que tenham discernimento de seus atos sexuais,
ainda que portadores de algum distúrbio mental (artigo 228, CP).
Não
houvesse o legislador previsto o § 1º., do artigo 228, CP, na Lei 12.015/09,
com a redação abaixo exposta e não se teria maiores dúvidas quanto à aplicação
das normas sobreditas. Vejamos:
Ҥ
1º. Se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge,
companheiro, tutor ou curador,
preceptor ou empregador da vítima, ou se assumiu,
por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância.
Pena – reclusão, de 3 a 8 anos”
(grifo nosso).
Algumas
hipóteses da qualificadora supra exposta referente ao crime do artigo 228, CP,
confundem-se com o crime do artigo 218 – B, CP, gerando dificuldade em
distinguir quando se trata de um crime de favorecimento à prostituição comum ou
de um crime de favorecimento à prostituição de vulnerável.
Se
a diferença entre as tipificações criminais encontra-se no sujeito passivo, o
qual deve ser maior e capaz de discernimento no artigo 228, CP, e menor ou
enfermo ou deficiente mental sem discernimento no artigo 218 – B, CP, como
diferenciar o crime qualificado do artigo 228, § 1º., CP, do crime do artigo
218 – B, CP? A menção no § 1º., do artigo 228, CP, de pessoas responsáveis de
alguma forma pela vítima (ascendentes, padrastos, madrastas etc.) dá a entender
tratar-se esta segunda de pessoa “vulnerável”, o que faria com que os tipos
penais coincidissem.
Obviamente
essa não pode ser a interpretação. É preciso pôr ordem no caos. Com relação aos
casos de “ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro,
preceptor e empregador” a solução não exige maiores malabarismos. É claro que
qualquer pessoa, ainda que não menor ou portadora de enfermidade ou deficiência
mental incapacitante pode ter um ascendente, irmão, empregador, preceptor etc.
Então se a vítima é maior e capaz de discernimento e o criminoso satisfaz
alguma das condições acima elencadas, aplica-se o artigo 228, § 1º., CP e não o
artigo 218 – B, CP, reservado aos menores e enfermos ou deficientes mentais sem
discernimento.
A
questão já se complica quando o § 1º. do artigo 228, CP, faz referência ao tutor e ao curador. Neste passo é
preciso ter noção de que o Direito não se constitui de compartimentos estanques
incomunicáveis, de modo que seus diversos ramos compõem um conjunto que deve
harmonizar-se e complementar-se. Ora, quando se fala em tutor este só pode ser alguém responsável por um menor de 18 anos, conforme estatui o
Código Civil em seus artigos 1728 e seguintes. Se o explorado sexualmente ou
prostituído é um menor, então o crime só pode ser aquele previsto no artigo 218
– B, CP e não o do artigo 228, § 1º., CP. Essa linha de pensamento conduz ao
entendimento de que o § 1º., do artigo 228, CP, no que tange à figura do tutor, é inaplicável, e por isso não
parece ser aquela que abriga a melhor solução. Aliás, não se coaduna com o
pensamento defendido quanto à definição de “vulnerável” aplicável ao artigo 218
– B, CP, abrangendo tão somente os menores de 14 anos no que tange ao aspecto
etário, inobstante sua dicção equivocada fazendo menção aos menores de 18 anos
indistintamente.
Pode
haver outro caminho interpretativo com certa sustentabilidade. Pode-se entender
também que o artigo 228, § 1º., CP, quando se refere à qualificadora do tutor estaria tratando de menores entre
14 e 18 anos, ao passo que o artigo 218 – B, CP, inobstante a redação que faz
menção expressa a todos os menores de 18 anos, deveria ser interpretado como
referindo-se somente aos menores de 14 anos. Isso considerando o fato de estar
no Capítulo intitulado “Dos Crimes Sexuais contra vulnerável”, sendo
considerados como “vulneráveis”, numa interpretação sistemática, somente os
menores de 14 anos e não todos os menores de 18 anos.[7] Essa linha
interpretativa teria algumas consequências: em primeiro lugar a diferenciação
no aspecto etário entre os crimes, ainda que não qualificados, dos artigos 228
e 218 – B, CP, já não poderia ser dada pela singela distinção entre vítimas
menores de 18 anos e maiores. A diferença passaria a ser que o artigo 218 – B,
CP, atingiria aqueles que prostituíssem apenas menores de 14 anos e o artigo
228, CP, alcançaria aqueles que prostituíssem maiores de 18 anos e mesmo
menores, desde que compreendidos na faixa entre 14 anos completos e 18 anos
incompletos. Por seu turno, aquele que mantivesse relação sexual com maior de
14 anos e menor de 18 anos prostituído responderia nos termos do artigo 218 –
B, § 2º., I, CP. Agora se um indivíduo mantém relação sexual com menor de 14
anos, prostituído ou não, responde nas penas mais gravosas do artigo 217 – A,
CP (“Estupro de Vulnerável”). Este seria o entendimento mais condizente com a
definição de pessoa “vulnerável” defendida neste trabalho e observável numa
tentativa de interpretação sistemática da legislação.
Efetivamente,
a opção legislativa em tratar a condição de pessoa “vulnerável” sem uma
definição legal segura, deixando o trato da questão disperso por vários
dispositivos incongruentes, ocasionou muita dificuldade interpretativa,
conforme já mencionado no item 2 deste trabalho. De qualquer forma, se é que
não é um sonho impossível realizar uma interpretação sistemática em meio a esse
emaranhado legal, parece que a melhor solução é realmente enxergar um erro
material na redação do “caput” do artigo 218 – B, CP, quando se refere a
menores de 18 anos em geral, quando certamente deveria referir-se a menores de
14 anos. Isso porque o dispositivo encontra-se em meio ao Capítulo que trata
dos crimes sexuais praticados contra “vulneráveis” e estes seriam, pelo critério
etário, ao menos a princípio, os menores de 14 anos.
Resta
analisar a questão do curador e da
pessoa que assumiu, por lei ou outra
forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância. Também aqui os
beneficiários da curatela ou do cuidado, proteção ou vigilância, somente
podem ser menores ou hipossuficientes de alguma espécie (portadores de doenças
mentais, deficiências mentais ou de outra espécie que as torne dependentes de
terceiros, idosos etc.).
Quanto
aos menores, que podem, por exemplo, serem aqueles submetidos não à tutela, mas à guarda de alguém, valem os mesmos argumentos acima expostos.
No
que se refere à curatela ou à
obrigação assumida por lei ou outra forma de cuidado, proteção ou vigilância, semelhantemente ao caso anterior,
deve-se buscar uma integração entre o Direito Penal e o Direito Civil para
melhor compreensão do tema.
É
preciso ter em mente que os “vulneráveis” que são abrangidos pelo artigo 218 –
B, CP, afora a questão etária, são os portadores de enfermidade ou deficiência
mental que não têm o necessário
discernimento para a prática do ato, no caso a prática da prostituição.
Dessa forma, hipossuficientes que necessitem de curatela ou qualquer forma de
cuidado, proteção ou vigilância, nos termos do artigo1767, I a V, do Código
Civil, mas que não se enquadrem na situação acima especificada, não são
atingidos pelas disposições do artigo 218 – B, CP, mas sim pelo artigo 228, §
1º., CP. São exemplos doentes ou deficientes mentais com algum discernimento,
idosos dependentes, mas com discernimento de seus atos etc. Ressalte-se neste
ponto a importância da perícia médico – legal para constatação do grau de
alienação ou deficiência mental para uma correta distinção entre situações
relativas ao artigo 218 – B, CP ou ao artigo 228, § 1º., CP.
5 – RUFIANISMO (ARTIGO 230, CP),
FAVORECIMENTO DA PROSTITUIÇÃO OU OUTRA FORMA DE EXPLORAÇÃO SEXUAL COM FIM DE
LUCRO (ARTIGO 228, §3º., CP) E FAVORECIMENTO DA PROSTITUIÇÃO OU OUTRA FORMA DE
EXPLORAÇÃO SEXUAL DE VULNERÁVEL COM O FIM DE OBTER VANTAGEM ECONÔMICA (ARTIGO
218 – B, 1º., CP)
Sempre foi questão tormentosa a
distinção entre o crime de rufianismo e o crime de favorecimento à prostituição
com intuito de lucro. Entretanto, a doutrina e a jurisprudência costumam
posicionar – se pela absorção do rufianismo pelo favorecimento à prostituição
com intuito de lucro nos casos de conflito em que o agente pratica as duas
condutas para evitar “bis in idem”.[8] Outro fator discriminante comumente
apontado é o de que o rufião não favorece ou facilita a prostituição, mas
apenas aufere as vantagens econômicas perante a pessoa que se prostitui.[9]
Também há quem indique como critério distintivo o fato de que o crime de
rufianismo é habitual, enquanto o favorecimento à prostituição é
instantâneo.[10] Tais distinções e entendimentos jurisprudenciais e
doutrinários acerca dos conflitos entre o rufianismo e o favorecimento à
prostituição não parecem ter sofrido alguma alteração com o advento da Lei
12.015/09, podendo permanecer como critérios válidos.
Vale
acrescentar que no rufianismo (artigo 230, CP) o intuito de lucro integra o
tipo penal em seu “caput”, enquanto que no favorecimento à prostituição, seja
no artigo 228 ou 218 – B, CP, constitui-se em qualificadora prevista
respectivamente nos seus §§ 3º. e 1º., os quais ensejam o acréscimo de uma pena
pecuniária (multa) cumulada com a pena privativa de liberdade.
O crime de rufianismo em seu cotejo
com o crime de favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração
sexual de vulnerável, enseja mais um reforço à interpretação de que quando o
artigo 218 – B, CP, refere-se aos menores de 18 anos, na verdade deve ser
interpretado como fazendo menção aos menores de 14 anos (“vulneráveis”). Isso
porque o artigo 230, § 1º., CP, com a nova redação dada pela Lei 12.015/09,
prevê uma figura qualificada de rufianismo “se a vítima é menor de 18 e maior
de 14 anos”. Certamente a razão da delimitação dessa faixa etária encontra-se
no fato de que os menores de 14 anos são os denominados “vulneráveis”, de modo
que sua exploração sexual por qualquer forma tipifica o artigo 218 – B, CP,
instalado no Capítulo denominado “Dos crimes sexuais contra vulnerável”.
Portanto, agrega-se atualmente às distinções entre o rufianismo e o
favorecimento à prostituição mais este aspecto específico com relação ao
favorecimento à prostituição de vulnerável, qual seja, aquele que explora a
prostituição de menores de 14 anos, ainda que não pratique atos de
favorecimento explícitos, limitando-se a auferir vantagens ou sustentar-se pela
prostituição alheia, incide mesmo assim no artigo 218 – B, CP, o qual comporta
tal interpretação extensiva, considerando sua capitulação dentre os crimes
sexuais contra vulnerável, bem como sua menção não somente à submissão, indução
ou atração, facilitação, impedimento ou criação de óbices ao abandono da
prostituição, mas também à prática de qualquer outra forma de exploração
sexual.
6 – CONCLUSÃO
No
decorrer deste trabalho foram cotejados os tipos penais de rufianismo (artigo
230, CP), favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual
(artigo 228, CP), favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração
sexual de vulnerável (artigo 218 – B, CP) e também o crime de favorecimento à
prostituição de crianças e adolescentes previsto no artigo 244 – A, da Lei
8069/90, sob a égide da reforma promovida pela Lei 12.015/09. Também foi
abordada a questão crucial da definição de pessoa “vulnerável” atualmente
mencionada com ênfase na legislação.
A falta de técnica
legislativa cria um emaranhado de árduo deslinde, o qual se procurou esclarecer
com algumas propostas iniciais de interpretação e aplicação dos dispositivos.
Doravante o tema deverá ser desenvolvido no dia a dia forense, pelas
orientações jurisprudenciais que se conformarão e pela doutrina que se
assentará, ensejando alguma segurança, bastante desejável, mas realmente
difícil em face das falhas sistemáticas do diploma em estudo.
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