“Embora a posse
seja, por sua natureza, exclusiva, sendo, assim, inconcebível mais de uma posse
sobre a mesma coisa, admite o legislador possa ela desdobrar-se, não só no que
diz respeito ao campo de seu exercício, como também no que concerne à
simultaneidade desse exercício” (Silvio Rodrigues, 2002, 24).
a) Quanto
à extensão da garantia possessória: posse direta
e posse indireta.
Direta é a posse
daquele que tem a coisa em seu poder e indireta é a de quem cede o uso da
coisa. Apenas é possível fazer esta classificação no ius possidendi,
podendo ocorrer nos contratos (consensuais ou reais) ou quanto aos direitos
reais limitados (ex.: usufruto). Disto se observa que é necessária certa
relação jurídica entre o possuidor direto e o indireto.
Essa classificação
tem o efeito de proteção possessória. Na situação de posse indireta, o
proprietário será o possuidor indireto da coisa. O possuidor direto tem
prerrogativa possessória, mas não poderá usucapir a coisa, tendo em vista a
posse ser precária (estabelecida por uma relação de confiança), existindo a
proteção à posse indireta.
Art. 1.197 CC/02
prevê que: “A posse direta, de pessoa que tem a coisa em seu poder,
temporariamente, em virtude de direito pessoal, ou real, não anula a indireta,
de quem aquela foi havida, podendo o possuidor direto defender sua posse contra
o indireto”.
Como bem coloca
Venosa (2002, 61), “nada impede que haja um sucessivo desdobramento da posse.
No usufruto, por exemplo, o nu-proprietário tem a posse indireta, e é possuidor
direto o usufrutuário. Este pode dar a coisa em locação, originando a posse
direta do locatário. O primitivo possuidor direto passa a ser também possuidor
indireto”.
b) Quanto
à simultaneidade do exercício: composse.
Art. 1.199 CC/02
dispõe que: “Se duas ou mais pessoas possuírem coisa indivisa, poderá cada uma
exercer sobre ela atos possessórios, contanto que não excluam os dos outros
compossuidores”. Desta forma, pode-se dizer que composse é a posse comum, exercida
por duas ou mais pessoas, sobre parte ideal da coisa. A composse gera dois
efeitos: os compossuidores podem exercer proteção possessória e usucapião e
proteção possessória uns contra os outros.
Chama a atenção
Venosa (2002, 65) sobre a possibilidade de ocorrer a composse ainda que dela
não tenham ciência os compossuidores, tal como acontece na hipótese de herdeiro
que se acredita único, quando de fato não o é. “Ainda que ele não saiba da
existência de outros herdeiros, todos têm a posse dos bens hereditários desde o
momento da morte do autor da herança, por força do princípio da saisine mencionado”.
Não se pode
olvidar que além da composse pro indiviso, aquela exercida sobre
parte ideal, podemos encontrar também a composse pro diviso, aquela
exercida sobre parte específica da coisa. Nesta segunda hipótese, apesar de não
existir uma divisão de direito, já existe uma repartição de fato.
Advindo a composse
da indivisão da coisa, ela se extinguirá quando assim o quiserem os indivíduos
ou cessar a causa que a determinou. Por exemplo, quando ocorrer a partilha da
herança, desaparecendo a indivisão e recebendo cada herdeiro a sua parte, sobre
a qual exercerão individualmente a posse. Da mesma forma ocorre na hipótese
prevista na 1ª parte do art. 1.411 CC/02, quando “Constituído o usufruto em
favor de duas ou mais pessoas, extinguir-se-á a parte em relação a cada uma das
que falecerem”.
c) Quanto
aos vícios subjetivos: posse justa e posse
injusta.
A posse justa é
aquela que está em conformidade com o ordenamento jurídico, independente do
exame da vontade do agente. Em conformidade com o art. 1.200 do CC/02 “É justa
a posse que não for violenta, clandestina ou precária”.
A posse injusta é
aquela contrária ao ordenamento jurídico, podendo ser:
- Violenta:
obtida ou mantida mediante força física ou coação moral injustificada. Ocorre,
por exemplo, no primeiro caso quando se adentra um imóvel expulsando o
possuidor e, no segundo, quando se invade propriedade onde não há ninguém e,
posteriormente, impede-se o proprietário de adentrá-la. Observa-se, que pelo
menos em sua origem, a posse violenta vem maculada pela má-fé.
“A violência
estigmatiza a posse, independentemente de exercer-se sobre a pessoa do
espoliado ou de preposto seu, como ainda do fato de emanar do próprio
espoliador ou de terceiro” (Caio Mário, 2003, 28). Atenção para o fato de que a
violência dirige-se contra pessoas e não contra a coisa. Assim é que “Não
atenta contra posse quem rompe obstáculos para ingressar em imóvel abandonado,
não possuído e por ninguém reclamado, ou nas mesmas condições se apossa de
coisa móvel de ninguém ou abandonada, porque nessas hipóteses não existe posse
anterior” (Venosa, 2002, 69-70).
O
art. 1.208, in fine, do CC/02 menciona a possibilidade de
cessar a violência. Tendo em vista esta disposição, Silvio Rodrigues (2002, 28)
explica que: “Com efeito, pode-se dar que após a violência o esbulhado se
conforme, deixando de reagir durante lapso de tempo de ano e dia. Isso
ocorrendo, exercendo por conseguinte o esbulhador posse pacífica pelo período
de ano e dia, aquela situação de fato se consolida e sua posse passa a ser
protegida. Adquiriu ele a condição de possuidor, pela cessação da violência”.
Traz Caio Mário (2003,29) o exemplo de conversão da posse injusta por violência
tornar-se justa pelo fato de quem tomou por violência comprar do esbulhado.
- Clandestina:
obtida às escondidas daquele que tem interesse em conhecê-la; não havendo a
prática de ato material, como plantações ou construções. Importante observar
como o faz Venosa (2002, 70) de que o momento da análise deste vício é o de
aquisição da posse em que se avalia o mesmo, já que “Não é clandestina a posse
obtida com publicidade e posteriormente ocultada” e também que “Não é
necessária a intenção de esconder ou camuflar, porque o conceito é objetivo,
como vimos”.
Também aqui o
citado art. 1.208, in fine, alude a cessação da
clandestinidade. “Com efeito, se a posse nasceu clandestina, mas depois se
tornou pública, mediante atos ostensivos do possuidor, que, além de ocupar a
terra alheia, ali constrói, planta e vive; se após a cessação da
clandestinidade o proprietário se acomoda, deixando de reagir por mais de ano e
dia, então aquela posse, que de início era clandestina, deixa de o ser, ganha
juridicidade, possibilitando ao seu titular a invocação da proteção
possessória” (Silvio Rodrigues, 2002, 28). Cita Caio Mário (2003,29) o exemplo
de conversão da posse injusta por clandestinidade tornar-se justa pelo fato de
quem possui clandestinamente herdar do desapossado.
- Precária:
obtida por meio de uma relação de confiança entre as partes, mas retida
indevidamente. Presente estará sempre a obrigação de restituir. Diz Venosa
(2002, 70) que não há presunção de precariedade, em não havendo expressa menção
ou não decorrendo de fenômeno de circunstâncias usuais, a posse não assume o
caráter de precariedade. “É necessário que o outorgado da posse concorde com a
cláusula de poder a concessão ser revogada a qualquer tempo, tornando-se
precarista da posse. Ordinariamente a posse imediata é precária”.
Como
visto, o art. 1.208 CC/02 faz referência à cessação dos vícios da violência e
da clandestinidade. Silencia-se, no entanto, em relação à precariedade, do que
se conclui não cessar jamais este vício pelo fator tempo. Até mesmo porque se
concorda com Silvio Rodrigues (2002, 29) quando afirma que a precariedade não
cessa nunca. Uma vez que “O dever do comodatário, do depositário, do locatário
etc., de devolverem a coisa recebida, não se extingue jamais, de modo que o
fato de a reterem, e de recalcitrarem em não entregá-la de volta, não ganha
jamais foros de juridicidade, não gerando, em tempo algum, posse jurídica”.
Washington de
Barros Monteiro (1979, 29) defende que apesar de ser contrária ao ordenamento
jurídico, a posse injusta pode ser defendida pelos interditos, claro que não
perante aquele de quem se tirou, pela violência, clandestinidade ou
precariedade, mas contra terceiros que eventualmente desejem arrebatar a posse
para si. Neste mesmo sentido salienta Caio Mário (2003, 29) que os vícios da
violência e da clandestinidade, por serem relativos, apenas podem ser acusados
pela vítima, pois em relação a qualquer outra pessoa a posse produz seus
efeitos normais.
Devemos lembrar
que a posse injusta poderá tornar-se justa quando o vício for sanável. Esse
vício será sanado após um ano e um dia, cessada a violência ou a
clandestinidade. A precariedade, entretanto, não convalesce jamais pelo decurso
do tempo, ou seja, o vício não poderá ser sanado por este motivo.
d) Quanto à
subjetividade: posse de boa-fé e posse de má-fé.
Enfatiza Venosa (2002, 71) que a
conceituação da posse de boa-fé está relacionada à aquisição da coisa por
usucapião e à questão dos frutos e benfeitorias da coisa possuída. Isto porque
para a defesa da posse não se questiona a boa-fé e sim se a posse não é
violenta, precária ou clandestina.
A definição se extrai da simples
leitura do caput do art. 1.201 e seu parágrafo único: “É de
boa-fé a posse, se o possuidor ignora o vício, ou o obstáculo que impede a aquisição
da coisa” e “O possuidor com justo título tem por si a presunção de boa-fé,
salvo prova em contrário, ou quando a lei expressamente não admite esta
presunção”.
Analisando citado parágrafo único,
deve-se deixar claro que justo título segundo a doutrina é aquele que tem
aparência de ser hábil para transferir o domínio ou a posse. Atente-se que esta
presunção é juris tantum, pois que admite prova em contrário ou
expressa previsão legal de que não se admite esta presunção. Fala Silvio
Rodrigues (2002, 33) que desejando demonstrar o contrário, caberá à parte
adversa articular circunstâncias que desmintam tal presunção. “Desse modo, por
exemplo, se a posse foi adquirida de um procurador e o litigante provar que o
possuidor tinha ciência da falsidade da procuração, sua má-fé se manifesta”.
Ensina Venosa (2002, 75) que o justo
título a que se refere o parágrafo único do art. 1.201 não é um documento ou
instrumento, mas sim um fato gerador do qual a posse deriva. Justifica citando
o seguinte entendimento jurisprudencial: “Reintegração de posse – Bem Móvel –
Ajuizamento por espólio contra concubina do de cujus – aquisição na constância
do concubinato – possibilidade de demonstração, pela concubina, da vida em
comum more uxório há mais de dez anos, em função do (de) que tinha posse a
justo título” (JTASP 115/129). Cita também o caso do herdeiro aparente cujo
título e ignorância da existência de outros herdeiros faz presumir ser ele
justo possuidor. “Destarte, um título defeituoso faz presumir a boa-fé até que
circunstâncias demonstrem o contrário”.
Quando se fala da posse de boa-fé,
trata-se aqui do elemento subjetivo da posse. A posse de boa-fé é aquela cujo
titular desconhece qualquer vício que macule a posse. Tanto assim o é que o
art. 1.202 prevê que “A posse de boa-fé só perde este caráter no caso e desde o
momento em que as circunstâncias façam presumir que o possuidor não ignora que
possui indevidamente”. Disto se insere que a posse de má-fé se dá quando o
titular sabe do vício. São citadas por Maria Helena Diniz (2002, 57) como
circunstâncias presuntivas de má-fé: citação judicial; nulidade manifesta do
título; confissão do possuidor de que nunca teve título; a violência no esbulho
ou outros atos proibidos por lei; e o fato de ter o possuidor, em seu poder, instrumento
repugnante à legitimidade de sua posse, como a venda de pai e filho, compra
pelo testamenteiro de bens da testamentária.
Segundo Venosa (2002, 73), “Não
bastará, contudo, alegar apenas ausência de ciência de ilicitude, atitude
passiva do sujeito. A consciência de possuir legitimamente deve vir cercada de
todas as cautelas e investigações idôneas para caracterizar o fato da posse. Há
necessidade, portanto, de um aspecto dinâmico nessa ciência de boa-fé. Não
basta ao possuidor assentar-se sobre um terreno que se encontra desocupado, sem
investigar se existe dono ou alguém de melhor posse”.
Disposições ligadas à cessação da
boa-fé encontram-se nos arts. 1.214, caput: “O possuidor de boa-fé
tem direito, enquanto ela durar, aos frutos percebidos” e parágrafo único: “Os
frutos pendentes ao tempo em que cessar a boa-fé devem ser restituídos, depois
de deduzidas as despesas de produção e custeio; devem ser também restituídos os
frutos colhidos com antecipação”; e no 1.216: “O possuidor de má-fé responde por
todos os frutos colhidos e percebidos, bem como pelos que, por culpa sua,
deixou de perceber, desde o momento em que se constitui de má-fé; tem direito
às despesas de produção e custeio”.
No ordenamento jurídico brasileiro
prevalece a presunção da posse de boa-fé, tendo o titular direito a frutos,
benfeitorias, retenção e notificação.
e) Quanto
aos seus efeitos: posse ad interdicta e posse ad usucapione.
A posse ad interdicta visa
à proteção possessória. Para que a posse dê direitos de reclamar e obter proteção
possessória de quem quer que seja, até mesmo do próprio proprietário, basta ser
ela justa. A posse injusta apenas dá direito aos interditos perante terceiros
que não tenham sido vítimas da violência, da clandestinidade ou da
precariedade.
A posse ad usucapione é
aquela que visa à aquisição do domínio, da propriedade. A posse capaz de gerar
o domínio pode ser além da justa, aquela que tenha advindo da violência ou da
clandestinidade, desde que cessados esses vícios pelo decurso do tempo
exigido em lei. Lembrando que até mesmo a posse sem boa-fé pode gerar
o domínio.
f) Quanto à
questão temporal: posse nova e posse velha.
A posse nova é aquela cujo prazo não
excede um ano e um dia. A posse velha é aquela superior a um ano e um dia. A
importância dessa distinção é que um dos requisitos, para que seja concedida a
liminar na ação possessória, é que o possuidor não tenha deixado ultrapassar um
ano e um dia (art. 924 do CPC). Caso esteja ultrapassado este prazo, o rito
será o ordinário, não perdendo a ação caráter possessório; sendo possível a
concessão de tutela antecipada (art. 273 do CPC).
Outro reflexo desta classificação
encontra-se na 1ª parte do § 1º do art.1.210: “O possuidor turbado, ou
esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que
o faça logo”. O desforço imediato só se confere, então, ao titular da posse
nova.
Este prazo de ano e dia é importante
também para efeito de cessação dos vícios da violência e da clandestinidade
(art. 1.208 CC/02).
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