O Código, no art. 1º, admite duas espécies de
jurisdição: contenciosa e voluntária.
Por jurisdição contenciosa entende-se a função estatal exercida com o objetivo
de compor litígios.
Por sua vez, jurisdição voluntária cuida da integração e fiscalização de
negócios jurídicos particulares. Particularmente no que tange à jurisdição
voluntária, reina acirrada controvérsia na doutrina a respeito da sua natureza
jurídica.
A corrente dita clássica é capitaneada pelo administrativista Guido Zanobini e
pelo processualista Giuseppe Chiovenda. Para eles, a chamada jurisdição
voluntária não constitui, na verdade, jurisdição, tratando-se de atividade
eminentemente administrativa. No Brasil, o maior defensor dessa orientação foi
Frederico Marques, para quem a jurisdição voluntária é materialmente
administrativa e subjetivamente judiciária.
Em síntese, para tal corrente, a jurisdição voluntária não é jurisdição porque,
na medida em que o Estado-juízo se limita a integrar ou fiscalizar a
manifestação de vontade dos particulares, age como administrador público de
interesses privados. Não há composição da lide. E se não há lide, não há por
que falar em jurisdição nem em parte, mas em interessados.
Sustentam também que falta à jurisdição voluntária a característica de
substitutividade, haja vista que o Poder Judiciário não substitui a vontade das
partes, mas se junta aos interessados para integrar, dar eficácia a certo
negócio jurídico. Por fim, concluem que, se não há lide, nem jurisdição, as
decisões não formam coisa julgada. Para corroborar seu ponto de vista, invocam
o art. 1.111 do CPC, segundo o qual “a sentença poderá ser modificada, sem prejuízo
dos efeitos já produzidos, se ocorrerem circunstâncias supervenientes”.
Ao lado desta, tem ganhado cada vez mais espaço a corrente que atribui à
jurisdição voluntária a natureza de atividade jurisdicional. Conquanto
incipiente, essa orientação moderna conta com a adesão de Calmon de Passos,
Ovídio Baptista e Leonardo Greco.
Segundo a corrente moderna, não se afigura correta a afirmação de que não há
lide na jurisdição voluntária. Com efeito, o fato de, em um primeiro momento,
inexistir conflito de interesses não retira dos procedimentos de jurisdição
voluntária a potencialidade de se criarem litígios no curso da demanda. Em
outras palavras, a lide não é pressuposta, não vem narrada desde logo na
inicial, mas nada impede que as partes se controvertam.
Isso pode ocorrer no bojo de uma ação de alienação judicial de coisa comum, por
exemplo, em que os interessados põem dissentir a respeito do preço da coisa ou
do quinhão atribuído a cada um.
Acrescentam os defensores desse posicionamento que tanto na jurisdição
contenciosa quanto na voluntária, o juiz atua como terceiro imparcial,
desinteressado. Esse é o traço distintivo da função jurisdicional, uma vez que
a função administrativa é desempenhada no interesse do Estado, ou seja, no
interesse público.
A corrente moderna também adverte, de forma absolutamente correta, que não se
pode falar em inexistência de partes nos procedimentos de Jurisdição
voluntária. A bem da verdade, no sentido material do vocábulo, parte não há,
porquanto não existe conflito de interesses, ao menos em um primeiro momento.
Entretanto, considerando a acepção processual do termo, não há como negar a
existência de sujeitos parciais na relação jurídico-processual.
Em suma, há partes no procedimento de jurisdição voluntária.
Reforçando a tese de que a jurisdição voluntária tem natureza de função
jurisdicional, Leonardo Greco esclarece que ela não se resume a solucionar
litígios, mas também a tutela de interesses particulares, ainda que não haja
litígio, desde que tal tarefa seja exercida por órgãos investidos das garantias
necessárias para exercer referida tutela com impessoalidade e independência.
Nesse ponto, com razão o eminente Jurista. É que a função jurisdicional é, por
definição, a função de dizer o direito por terceiro imparcial, o que abrange a
tutela de interesses particulares sem qualquer carga de litigiosidade. Com o
fito de enfatizar as verdadeiras características da jurisdição, o mesmo jurista
chega a afirmar que:
“se o Estado instituir um órgão de qualquer poder, cujos titulares, com
absoluta independência em relação a qualquer outra autoridade e com absoluta
impessoalidade, administrem interesses privados, então ai haverá jurisdição:
tutela jurídica de interesses de particulares por órgãos independente.”
Por derradeiro, a corrente moderna sustenta a existência de coisa julgada nos
procedimentos de jurisdição voluntária. Curiosamente, os defensores dessa tese
se valem do mesmo dispositivo legal utilizado pela corrente clássica para
afastar a coisa julgada, ou seja, o art. 1.111 do CPC. Aduzem que, ao permitir
a modificação das decisões por fato superveniente, de forma excepcional, o
legislador está a admitir a existência da coisa julgada como regra geral.
Em suma, para a corrente moderna, a jurisdição voluntária reveste-se de feição
jurisdicional, pois: a) a existência de lide não é fator determinante da sua
natureza; b) existem partes, no sentido processual do termo; c) o Estado age
como terceiro imparcial; d) há coisa julgada.
A corrente clássica ainda predomina no Brasil. Mais adiante, no capítulo
pertinente, os procedimentos especiais de jurisdição voluntária e contenciosa
serão explicitados mais detalhadamente.
Resumo:
Jurisdição:
Conceito – Poder-dever do Estado de declarar e realizar o direito material.
Características:
- Unidade: a jurisdição não se subdivide.
- Secundariedade: a jurisdição só age quando surge um conflito.
- Imparcialidade: a jurisdição não tem interesse no desfecho da demanda.
- Substitutividade: atua em substituição às partes, quando essas não conseguem,
pelos meios ao seu alcance, compor os litígios.
- Criatividade: exercendo a jurisdição, o Estado criará, ao final do processo,
a norma individual que passará a regular o caso concreto, inovando a ordem
jurídica.
- Inércia: A jurisdição só age se provocada.
- Definitividade: O provimento jurisdicional tem aptidão para a definitividade,
quer dizer, suscetibilidade para se tornar imutável.
Princípios da jurisdição:
I. Juízo natural – investido na forma da Constituição da República; juiz
competente, em face das normas para processar e julgar o feito.
II. Improrrogabilidade – os limites da jurisdição são os estabelecidos na
Constituição.
III. Indeclinabilidade – o órgão jurisdicional não pode recusar nem delegar a
função que lhe foi cometida.
Jurisdição contenciosa – jurisdição propriamente dita, poder-dever atribuído
aos juízes para que possam compor os litígios.
Jurisdição voluntária – participação da justiça nos negócios privados, a fim de
conferir-lhes validade (v.g., nomeação de tutor, alienação judicial).
*DONIZETTI, Elpídio, Curso Didático de Direito Processual Civil, Editora Atlas,
São Paulo, 2011, p. 16 e s.
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