1. Introdução
O assunto escolhido para este artigo “O conflito entre o poder do
empregador e privacidade do empregado no ambiente de trabalho” é polêmico e
desafiador. O tema provoca calorosas discussões, pois não se trata somente de
discutir os limites dos poderes do empregador no ambiente de trabalho. É
necessário definir o novo conceito de “privacidade” no século XXI
frente à introdução de novas tecnologias no trabalho de modo à assegurar a
almejada dignidade da pessoa do trabalhador (art. 1º, inciso III, da CF).
Preliminarmente, antes de iniciarmos o debate jurídico, a primeira
questão que se coloca é a análise do conflito existente entre empregado e
empregador As empresas têm o
direito de fiscalizar o trabalho dos seus empregados, já que estes são pagos
pelo empregador e ao mesmo tempo podem colocar em risco o patrimônio da
empresa? Os empregados têm direito à proteção de sua privacidade e intimidade
no ambiente de trabalho, já que são acima de tudo cidadãos antes de
trabalhadores?
A fim de analisar os limites do poder do empregador no ambiente de
trabalho, estudaremos o direito constitucional de propriedade da empresa nos
limites da sua função social. Por outro lado, será necessário discorrer também
sobre o direito constitucional de privacidade e intimidade inserido dentro do
contexto do contrato de trabalho, já que este tipo de contrato tem como um de
seus elementos a confiança (fidúcia), sendo assim, é razoável que o empregador
proceda fiscalizações diariamente sobre o caráter de seus empregados a pretexto
de defender sua propridade?
Não há dúvidas que o assunto é atual e envolve uma ampla discussão,
principalmente nos nossos tribunais. A jurisprudência trabalhista é recente e
escassa. Portanto, a minha pretensão no presente artigo não é apresentar
conclusões, mas contribuir para este apaixonante debate técnico e jurídico.
2. O poder diretivo do
empregador e a função social da propriedade
A legislação trabalhista confere a todo empregador o direito de admitir,
assalariar e dirigir a prestação pessoal de serviço (artigo 2o da
CLT[i])
Para Amauri Mascaro do Nascimento[ii], esse poder de
direção nada mais é que uma “faculdade atribuída ao empregador de determinar
o modo como a atividade do empregado, em decorrência do contrato de trabalho,
deve ser exercida”.
O mesmo autor explica que o poder do empregador divide-se em: 1.
poder de organização - parte do princípio que ordenar é ato inerente do
empregador; 2. poder de controle ou de fiscalização - fiscalizar a execução das
ordens conferidas ao empregado e 3. poder disciplinar - aplicar penalidade ao
empregado que descumpra ordens gerais ou dirigidas especificamente a ele.
Segundo Ari Possidonio Beltran, a subordinação é o outro lado do poder
diretivo do empregador no contexto do contrato de trabalho[iii]: “é da essência
do contrato de trabalho a existência de um estado de dependência em que
permanece uma das partes, o qual se não verifica pelo menos tão incisivamente,
nos demais contratos de atividade [...] “.
A atual Constituição Federal afirma que “é garantido o direito
depropriedade” (artigo 5º, XXII, CF) e que “a propriedade atenderá a
sua função social” (artigo 5º, XXIII, CF). A constituição assegura toda e
qualquer propriedade, desde a imobiliária até a intelectual.
A expressão “função social da propriedade” é um conceito que implica num
caráter coletivo, não apenas individual. Significa dizer que a
propriedade não é um direito que se exerce apenas pelo dono de alguma coisa,
mas também que esse dono exerce em relação a terceiros.
A propriedade, além de direito da pessoa, é também um encargo contra
essa, que fica constitucionalmente obrigada a retribuir, de alguma forma, ao
grupo social, um benefício pela manutenção e uso da propriedade. Neste sentido,
deve-se entender também a propriedade da empresa e o poder de direção do
empregador.
Neste contexto, Sandra Lia Simon[iv] esclarece a
relação entre o poder de direção do empregador e os demais direitos de
personalidade dos empregados:
Numa relação de emprego, ainda que o poder de direção do empregador seja
incontestável, encontrando fundamento em outra das liberdades públicas, qual
seja, o direito de propriedade, não há negar a ampla incidência dos mesmos, no
que diz respeito aos trabalhadores. Mesmo que se encontrem em patamar
hierarquicamente inferior em relação aos empresários, o poder de mando
encontrará limites no exercício das liberdades públicas. (grifos
nossos).
Segundo Ari Possidonio Beltran[v], o poder diretivo do
empregador deve buscar um novo significado no século XXI:
O conteúdo desse elemento caracterizador do contrato de trabalho não
pode assimilar-se ao sentido predominante na Idade Média: o empregado não é
‘servo’ e o empregador não é ‘senhor’. Há de partir-se do pressuposto da
liberdade individual e da dignidade da pessoa humana do trabalhador.
O grande problema é que não há uma linha exata e distinta que estabeleça
onde começa e termina o poder de subordinação do empregado e nem sempre é fácil
distinguir tal poder com as novas tecnologias de trabalho e os novos meios de
informação.
Apesar da expressão previsão constitucional do direito de propriedade da
empresa que detém o empregador, a nossa Carta Magna não deixa de defender os
direitos de personalidade dos empregados, pois garante a todo cidadão a
proteção da sua intimidade e vida privada.
3. A intimidade e a privacidade do empregado no
ambiente de trabalho
O direito fundamental de privacidade e intimidade do empregado amparado
constitucionalmente (artigo 5o, inciso X, CF e arts. 20 e 21 do CC)
representa um espaço íntimo intransponível por intromissões de terceiros,
principalmente do empregador.
A maioria dos doutrinadores utiliza as expressões “intimidade” e “vida
privada” de forma indistinta. Alguns autores procedem à diferenciação quanto a
sua amplitude, visto que a vida privada seria mais extensa do que a intimidade.
Sandra Lia Simon[vi] apresenta a
diferença entre as expressões “intimidade” e “vida privada”: “Vida privada
seria tudo aquilo que o indivíduo quer ocultar do conhecimento público e
intimidade seria tudo aquilo que ele quer deixar apenas no seu próprio âmbito
pessoal, oculto, também de pessoas de seu convício mais próximo”.
Desta forma, a intimidade qualquer pessoa tem, em qualquer lugar onde se
encontre, pois ela significa a esfera mais íntima, mais subjetiva e mais
profunda do ser humano, com as suas concepções pessoais, seus gostos, seus
problemas, seus desvios, etc... A privacidade é uma forma de externar essa
intimidade, que acontece em lugares onde a pessoa esteja ou se sinta protegida
da interferência de estranhos, como a casa onde mora.
O direito à privacidade constitui-se na escolha entre divulgar ou não o
que é íntimo, e, assim, construir a própria imagem. A privacidade é um
direito natural.
A intimidade relaciona-se às relações subjetivas, de trato íntimo da
pessoa, isto é, suas relações familiares e de amizade, além de também se
relacionar com as relações objetivas, envolvendo as relações comerciais como,
por exemplo, no trabalho. Por íntimose deve entender tudo o
que é interior ou simplesmente pessoal (“somente seu”, como se costuma dizer
popularmente), e porprivado,o caráter de não-acessibilidade às
particularidades contra a vontade do seu titular.
Para Hubmann, o homem vive com personalidade em duas esferas: uma esfera
individual e uma privada. Os direitos da 1a servem de proteção da
personalidade dentro da vida pública; os da 2a protegem a inviolabilidade da
personalidade dentro de seu retiro. Na expressão “direito a intimidade”
são tutelados dois interesses, que se somam: o interesse de que a intimidade
não venha a sofrer agressões e o de que não venha a ser divulgada.
De qualquer forma, a Constituição Federal atual procurou preocupar-se
com a proteção ampla de ambos os direitos de forma indistinta: o direito
a intimidade e à vida privada. Além disso, deixou claro que quaisquer conflitos
que surgirem na relação de trabalho, referentes às violações dos direitos de
personalidade dos empregados, tais como o direito à intimidade e à sua vida
privada, poderão ensejar reparações por dano material, moral ou à imagem (art.
5º, incisos V e X, CF).
Sandra Lia Simon exemplifica uma situação de conflito no ambiente de
trabalho[vii]:
Tome-se, por exemplo, o armazenamento e a divulgação, por parte da
empresa, de dados pessoais do trabalhador. Se ele não tem acesso a tais
informações, se essas informações são – sem sua autorização – repassadas para
um possível futuro empregador, se dessas informações constam dados inverídicos
ou imprecisos sobre a sua pessoa (que não puderam ser retificados, pois o
trabalhador sequer teve acesso a eles), poderá não conseguir o emprego
almejado. Lesando-se a intimidade e a vida privada, caracterizou-se o dano material.
A questão da revista no ambiente de trabalho (seja pessoal ou íntima) é
um exemplo de possível conflito oriundo do poder de direção do empregado versus
intimidade e privacidade do empregado.
O tema provoca algumas indagações, tais como:
“O empregador pode ao fiscalizar seus empregados proceder revistas íntimas nos
seus empregados? Qual é a diferença entre revista íntima e revista pessoal? A
“revista íntima” refere-se apenas ao corpo do trabalhador ou também a seus
pertences? Uma trabalhadora se sentiria à vontade em exibir ao empregador seus
contraceptivos ou preservativos que carrega em sua bolsa?
Em 1999, a Lei 9.799 foi editada proibindo o “empregador
ou seu preposto de proceder a revistas íntimas nas empregadas ou funcionárias”
(art. 373-A foi acrescentado a CLT). Desta forma, não há polêmica mais
sobre a revista íntima[viii], pois esta é expressamente proibida no nosso
ordenamento jurídico e a jurisprudência trabalhista já vem entendendo desta
forma, conforme arresto a seguir:
De mão no bolso - Trabalhador revistado nu ganha indenização de R$
13 mil. A transportadora de valores Transprev foi condenada a reparar um
ex-empregado em R$ 13 mil por dano moral. Motivo: o ex-funcionário, que
trabalhava como auxiliar de tesouraria, era obrigado a ficar totalmente nu para
ser revistado. O trabalhador era colocado numa sala com paredes de vidro que
proporcionava visão da revista para todas as pessoas que estivessem do lado
fora. Para se defender, a Transprev alegou que a revista era um “meio
inibitório” de eventuais furtos. O relator do Recurso, considerou ser
irrelevante o fato de o empregado ter concordado com a revista “uma vez que
a coação econômica à qual está submetido no curso do contrato o pressiona a
admitir atos patronais que podem ser considerados abusivos”. Segundo
o juiz, “o empregador detém o poder diretivo, que lhe permite traçar as
diretrizes para o atingimento de suas metas. Todavia, esta prerrogativa não se
sobrepõe jamais ao princípio da dignidade humana”. O relator considerou
ainda que a “a revista do empregado não pode resultar em injustificada
invasão de privacidade, pois são invioláveis a intimidade, a vida privada, a
honra e a imagem das pessoas, direitos estes assegurados por norma de status
constitucional, acrescentando que “o constrangimento causado por
uma nudez infligida por terceiro, como provado no caso sob exame, é patente e
impõe a correspondente reparação à vítima”. A decisão da 4ª Turma do TRT-SP
foi unânime. (RO 01100.2004.054.02.00-6).
Em relação à revista pessoal, inclusive de pertences do empregado
(bolsas, mochilas e etc), a polêmica ainda continua na jurisprudência
trabalhista, conforme se percebe do teor da decisão destacada abaixo:
Invasão de privacidade. Empresa deve pagar por submeter empregados a
revista. A Justiça do Trabalho condenou mais uma empresa a pagar indenização
por danos morais por submeter empregados a revistas. Os ministros
determinaram que a central de medicamentos Reydrogas Comercial pague R$ 20 mil
a uma ex-empregada. Consta da ação que a empresa mantinha um supervisor
nos vestiários para observar os empregados a se despir.Segundo o site do
TST, a ex-auxiliar de estoque contou que havia duas vistorias por dia, na saída
para o almoço e ao final do expediente. Ela levantava a blusa e baixava
a calça diante de uma supervisora
O relator do processo, ministro João Oreste Dalazen[ix], entendeu que essa
revista visual equivale à revista pessoal de controle e, portanto, ofende o
direito à intimidade:
“Penso que nem em nome da defesa do patrimônio, tampouco por interesse supostamente
público pode-se desrespeitar a dignidade humana”, disse. Para o relator, o fato
de haver uma supervisora para observar as empregadas no vestiário já constitui
agressão à intimidade. Para o ministro, a circunstância de
a supervisão ser feita por pessoa do mesmo sexo é irrelevante, pois o
constrangimento persiste, ainda que em menor grau. Ele afirmou que a
empresa teria outras opções de controle, que não agrediriam a intimidade de
seus empregados, tais como o controle numérico dos medicamentos, o
monitoramento por câmeras de vídeo nos ambientes em que há manipulação dos
produtos e a verificação contábil mais detalhada do estoque.“Em conclusão,
embora não se cuide,aqui, a rigor, de revista pessoal, o comportamento da
empregadora traduz nítido desrespeito à intimidade da empregada”, firmou.
(grifos nossos).
Em função do princípio da isonomia, este dispositivo tem sido aplicável
indistintamente a homens e mulheres (a referência ao sexo feminino deveu-se ao
fato de que a lei foi publicada para assegurar direitos específicos da mulher
no mercado de trabalho).
A 1ª Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do
Trabalho, realizada no TST em 23/11/2007, entre os enunciados aprovados 2
(dois) tratam sobre o conflito entre poder de direção versus intimidade e
privacidade do empregado:
I – REVISTA – ILICITUDE. Toda e qualquer revista, íntima ou não,
promovida pelo empregador ou seus prepostos em seus empregados e/ou em seus
pertences, é ilegal, por ofensa aos direitos fundamentais da dignidade e
intimidade do trabalhador.
II – REVISTA ÍNTIMA – VEDAÇÃO A AMBOS OS SEXOS. A norma do art. 373-A,
inc. VI, da CLT, que veda revistas íntimas nas empregadas, também se aplica aos
homens em face da igualdade entre os sexos inscrita no art. 5º, inc. I, da
Constituição da República.
4. A solução de conflitos entre direitos fundamentais na relação privada
de emprego
Os novos rumos de modernização que têm tomado nossas vidas nos últimos
tempos têm se chocado com os direitos de preservação a intimidade com os
direitos do empregador, quanto mais com a presença de máquinas, filmadoras,
computadores, em todos os lugares. Não há como negar que o avanço da tecnologia
nas últimas décadas vem fazendo grande revolução às relações e vínculos de
trabalho.
O conflito entre o direito de propriedade e poder diretivo do empregador versus direito
à privacidade e intimidade do empregado é evidente. Como equilibrar ambos os
direitos? Como estabelecer tais limites, sem se fazer do local de trabalho um
lugar opressor e pesado para o empregado?
A recente doutrina trabalhista vem destacando os Direitos Fundamentais e
Sociais esculpidos pela Constituição Federal, como uma das formas de solucionar
tais conflitos oriundos da relação capital x trabalho.
Deste modo, um estudo acerca dos Direitos Fundamentais torna-se
imprescindível, eis que as evidências demonstram que o Direito do Trabalho sempre
terá de se aperfeiçoar, graças à sua dinâmica, porém, isso não quer dizer que
tenha de conformar-se com a situação na qual se encontra.
Os Direitos Fundamentais preenchem espaço de grande responsabilidade no
corpo constitucional e são tidos como importantes fundamentos para a base de
todo o ordenamento jurídico. Não obstante, apesar da divergência de
entendimentos sobre os direitos fundamentais, sabe-se que tal expressão ainda é
a mais aceita pela doutrina.
Segundo Rodrigo de Lacerda Carelli[x], Direitos Fundamentais
“são aqueles direitos do homem que determinada sociedade escolheu por bem
inseri-los em seu direito positivo, sendo resguardados a Constituição.”
Arion Sayão Romita acrescenta o relevante papel do Estado na efetivação
dos Direitos fundamentais[xi]:
No tocante à posição do Estado em face dos direitos fundamentais, estes
podem ser visualizados em dupla perspectiva: como direitos de defesa e como
garantias à proteção do Estado contra a agressão de terceiros. Na primeira
visão, os direitos fundamentais obrigam o Estado a respeitar os direitos de
qualquer indivíduo em face de investidas do próprio Poder Público:atuam como
direitos de defesa (Abwehrrechte). Na outra perspectiva, o Estado se
obriga a garantir os direitos de qualquer pessoa contra a agressão perpetrada
por terceiros, quando invocado o seu dever de proteção (Schutzpflicht des
Staats).
Quanto à incidência dos direitos fundamentais nas relações de Direito do Trabalho ,
Júlio Ricardo de Paula Amaral[xii] entende que é
plenamente aplicável em conflitos trabalhistas: “a relação de emprego enquanto
uma estrutura de poder, mostra-se detentora do diversas faculdades de atuação,
razão pela qual possui elevada potencialidade de afrontar os direitos
fundamentais dos trabalhadores”.
A fim de enfatizar a importância da aplicação da teoria dos direitos
fundamentais no Direito do Trabalho ,
o autor[xiii] ressalta que
atualmente há uma tendência de estabelecer a denominada “cidadania da
empresa”, ou seja, com a finalidade de dar ênfase aos que se
passou a designar como direitos fundamentais dos trabalhadores.
Nascimento[xiv], complementando a
referida idéia: “direitos fundamentais significam também uma relação não entre
o cidadão e o Estado, mas entre particulares, como as relações que se
estabelecem entre o empregador e o empregado, na defesa deste contra a
exacerbação do poder diretivo daquele”.
Maurício Godinho Delgado[xv] ressalta a
importância do valor social do trabalho para a nossa sociedade:
Os princípios e regras de proteção à pessoa humana e ao trabalho
constituem parte estrutural da Constituição da República brasileira.
Sabiamente, a Carta Magna percebeu que a valorização do trabalho é um dos mais
relevantes veículos de valorização do próprio ser humano, uma vez que a larga
maioria dos indivíduos mantém-se e se afirma, na desigual sociedade
capitalista, essencialmente, por meio de sua atividade laborativa.
Amaral[xvi] aponta como
método verificador: o princípio da proporcionalidade. Tal princípio, além
de servir como método verificador da legitimidade de eventuais intromissões dos
poderes públicos dos poderes públicos na esfera privada dos direitos e
liberdades públicas dos cidadãos, mais do que isso, deve servir como
critério orientador para a resolução do conflitos entre os direitos
fundamentais dos indivíduos envolvidos nas mais variadas espécies de relações
jurídicas, principalmente a relação de emprego
O princípio da proporcionalidade (lato sensu) divide-se em 3 princípios:
princípio da
adequação; princípio da necessidade e princípio da proporcionalidade
(sentido estrito)
Quanto ao princípio da adequação, pode-se
afirmar que um meio – limitação de um direito fundamental – se mostrará
adequadona medida em que a sua utilização contribua para o alcance da
finalidade da proposta. O princípio da adequação significa que deve-se
indicar se determinada medida constitui o meio certo (adequado) para se chegar
em um fim baseado no interesse público. Analisa-se aí a adequação, a
conformidade ou a validade do fim[xvii].
Em relação ao princípio da necessidade, não se
deve esquecer que ao tomar a decisão de limitar o direito há de se escolher aalternativa
menos gravosa, sempre que seja igual, em eficácia, que o resto de medidas
apropriadas. Constitui o princípio da escolha do meio mais suave e
menos oneroso ao cidadão[xviii].
Quanto ao princípio da proporcionalidade em sentido estrito, afirma-se
que, para que seja possível uma intervenção legitima no âmbito dos direitos
fundamentais, o grau de realização do objetivo da ingerência deve
pelo menos equivalente ao grau de afetaçãodo direito
fundamental. É o sub-princípio, no dizer de Canotilho, da “justa
medida”.[xix]
Jorge Miranda aduz que a “racionalidade” ou proporcionalidade stricto
sensu, significa que a providência não pode ficar aquém ou além do que
importa para se obter o resultado devido, nem mais, nem menos. Esse princípio
(da proporcionalidade) se converteu em princípio constitucional, anotando,
Bonavides, que o controle de proporcionalidade é expressão do controle de
constitucionalidade. O emprego inadvertido e abusivo do princípio
da proporcionalidade poderá comprometer e abalar o equilíbrio entre o
legislativo e o judiciário.
Na utilização desse princípio não se pode chegar ao extremo, ao “Estado
de juízes”, em que o remédio limitador da ação do Estado frente a direitos
fundamentais seja utilizado de modo a cercear a ação do poder também
constitucionalmente previsto e conferido ao legislador, de elaboração das leis.
Esse sub-princípio é o que de mais de perto se prende ao princípio da igualdade.
A inconstitucionalidade da medida se dará quando for excessiva, injustificável,
não se enquadrando na proporcionalidade.
O princípio da proporcionalidade é utilizado como instrumento de
interpretação quando se está diante de colisão entre direitos
fundamentais e se busca solução conciliatória.
Ademais, na interpretação há que se atentar também para a técnica da
“interpretação conforme a Constituição”, pela qual, se houver possibilidade de
interpretação de que se extraia a compatibilização da norma com a Constituição,
a norma é constitucional e como tal se aplicará de acordo com a Constituição.
A interpretação conforme a Constituição só possibilita a opção entre
dois ou mais sentidos possíveis da lei, mas nunca uma revisão de seu conteúdo.
Assim, a interpretação conforme a Constituição possui limite “na letra e na
clara vontade do legislador”, sendo imperioso “respeitar a economia da
lei”, não podendo implicar na “reconstrução” de uma norma que não
esteja explícita no texto, caso contrário, haverá usurpação de funções,
convertendo os juízes em legisladores ativos.
Dinaura Godinho Pimentel Gomes afirma que é essencial que o Direito,
através de princípios ético-morais e com o apoio da solidariedade social e
luminosidade dos juristas preserve o homem “garantindo-lhe condições mínimas
de existência digna, não só em ‘uma folha de papel’ (expressão historicamente
utilizada por Lassale), mas de forma concreta e efetiva” e acrescenta
grande reflexão com seriedade:[xx]
Urge, portanto, fazer valer a Constituição Brasileira – para que não
seja vista como mera folha de papel, no dizer de LASSALLE – através da tomada
de urgentes medidas, norteadas pela idéia de justiça, no sentido de efetivar a
promoção e proteção dos direitos à vida, à saúde, e à dignidade da pessoa
humana, tendo como vertente de correspondência a igualdade de oportunidades
para todos os indivíduos, em oposição às graves e crescentes desigualdades
sociais geradas pela globalização econômica. [xxi]
Enoque Ribeiro dos Santos entende que os direitos fundamentais são tão
importantes que deveriam possuir no mundo jurídico “um papel semelhante a um
título executivo constitucional, que uma vez não adimplido propicia a seu
possuidor, exigir os eu efetivo cumprimento judicialmente, mesmo que seja em
face da expropriação ou constrição dos bens do devedor, no caso o Estado.”[xxii]
Amaral ressalta com grande seriedade a importância da aplicação dos
direitos fundamentais na relação de emprego do século XXI: “No
contexto de flexibilização e expansão dos poderes empresariais,
devem necessariamente estar inseridos os direitos fundamentais pertencentes aos
trabalhadores, tanto aqueles que tem um conteúdo especificamente trabalhista –
direitos fundamentais trabalhistas como aqueles que pertencem ao trabalhador na
sua qualidade de pessoa – direitos fundamentais ou laborais específicos – (...)
e que podem ser exercitados pelos trabalhadores no âmbito desta relação de
trabalho, na qualidade de cidadão [xxiii].
5. Considerações finais
A preocupação dos doutrinadores e operadores do direito com o tema
ora abordado, reflete uma nova realidade no cenário dodireito do trabalho :
que a proteção ao trabalhador suplantou patamares pecuniários e que a sociedade
está preocupada com o meio ambiente do trabalho e com um dos direitos mais
importantes da personalidade da humanidade, que é o direito à dignidade do
trabalhador.
A relação de trabalho é o local privilegiado para lidar com a questão
dos direitos fundamentais em face da autonomia privada das partes (contrato de
trabalho).
A inserção do empregado no ambiente de trabalho não lhe retira os
direitos da personalidade. Contudo, não é nenhuma ameaça ao empregado
impedi-lo de usar os meios da empresa em benefício próprio ou em prejuízo
da empresa. Os valores pessoais devem prevalecer sempre sobre os valores
materiais (dignidade da pessoa humana x prejuízo no furto de mercadorias na
revista íntima). A dignidade da pessoa humana deve ser afirmada como valor
supremo.
O ministro do STF Marco Aurélio M. F. Mello ressaltou bem: conscientizem-se
os empregadores de que a busca do lucro não se sobrepõe, juridicamente, à
dignidade do trabalhador como pessoa humana e partícipe da obra que encerra o
empreendimento econômico”.
A minha singela conclusão é a seguinte: o artigo 2o da
CLT deve passar por uma nova leitura constitucional no século XXI, ou seja,
quando o legislador determina que o empregador “dirige” a prestação de seus
empregados, deve-se interpretar que o empregador deve exercer os seus poderes
de empresário, com boa fé objetiva, de forma ética e solidária, com
respeito aos seus empregado como pessoa dotada de dignidade humana.
Por fim, coaduno com a opinião de André Franco Montoro: “não basta
ensinar direitos humanos, é preciso lutar pela sua efetividade. E acima de
tudo, trabalhar pela criação de uma cultura prática desses direitos.”[xxiv]
6. Bibliografia
BELTRAN, Ai Possidonio. Dilemas do trabalho e do emprego na
atualidade. São Paulo: LTr, 2001.
BONAVIDES, PAULO. Curso de Direito Constitucional. 13 ed.,
rev.atual. São Paulo: Editora Malheiros, 2003.
DELGADO, Maurício Godinho. Princípios Constitucionais do trabalho. Revista
de Direito do Trabalho .
São Paulo: RT, ano 31, n. 117, janeiro-março, 2005.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, 1o volume:
parte geral. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.
DUARTE, Juliana Bracks; TUPINAMBÁ, Carolina. Direito à intimidade do
empregado x Direito de propriedade e Poder Diretivo do Empregado. Revista
de Direito do Trabalho .
São Paulo: RT, ano 28, v. 105, jan-mar, 2002.
GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. O Futuro dos Direitos Humanos
Fundamentais. Revista Jurídica Consulex. Ano X, n. 232, Brasília:
Editora Consulex, p. 61, setembro de 2006
GOMES, Dinaura Doginho Pimental. Direitos Fundamentais Sociais: uma
visão crítica da realidade brasileira. Revista de Direito
Constitucional e Internacional. São Paulo: RT, ano 13, v. 53,
outubro-dezembro, 2005.
MALLET, Estevão. Direitos de Personalidade e Direito do Trabalho . Revista:
LTr. São Paulo: LTr, v. 68, n. 11, novembro, 2004.
MELO, Sandro Nahmias. A Garantia do conteúdo essencial dos direitos
fundamentais. Revista de Direito Constitucional e Internacional.
São Paulo: RT, ano 11, v. 43, p. 85, abril-junho, 2003.
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho ,
18a. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. O Direito do Trabalho analisado
sob a perspectiva do Princípio da Igualdade. Revista: LTr. São
Paulo: LTr, v. 68, n. 07, p. 782, junho, 2004.
PIOVESAN, Flávia; FREITAS JR, Antônio Rodrigues. Direitos Humanos na era
da globalização: o papel do 3º setor. Revista de Direito do Trabalho .
São Paulo: RT, ano 28, v. 105, janeiro-março de 2002.
ROMITA, Arion Sayão. Direitos Fundamentais nas relações de
trabalho. São Paulo: LTr, 2005.
SANTOS, Enoque Ribeiro dos. Direitos Humanos e meio ambiente do trabalho
– título executivo constitucional – tutela jurisdicional.Revista Justiça do
Trabalho. Porto Alegre: HS, ano 22, n. 258, junho, 2005.
SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas.
Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2004.
SIMM, Zeno. Os Direitos Fundamentais na relações de trabalho. Revista
LTr. São Paulo: LTr,v. 69, n. 11, novembro, 2005.
SIMÓN, Sandra Lia. A proteção constitucional da intimidade e da
vida privada do empregado. São Paulo: LTr, 2000.
[i] Art. 2º -
Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo
os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a
prestação pessoal de serviço.
[ii] NASCIMENTO,
Amauri Mascaro do. Curso de Direito do Trabalho ,
18a. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.
[iii] BELTRAN, Ai
Possidonio. Dilemas do trabalho e do emprego na atualidade. São
Paulo: LTr, 2001, p. 95.
[iv] SIMÓN, Sandra
Lia. A proteção constitucional da intimidade e da vida privada do
empregado. São Paulo: LTr, 2000, p. 101.
[v] Op. Cit., p. 95
[vi] SIMÓN, Sandra
Lia. A proteção constitucional da intimidade e da vida privada do
empregado. São Paulo: LTr, 2000, p. 101.
[vii] Op. Cit,
p. 190.
[viii] Fonte: www.trt04.gov.br
[ix] Fonte: Revista
Consultor Jurídico, 15/06/2004 . Site: www.conjur.com.br
[x] CARELLI, Rodrigo
de Lacerda. Direitos Constitucionais sociais e os Direitos Fundamentais: são os
direitos sociais constitucionais direitos fundamentais? Revista de
Direito Constitucional e Internacional. São Paulo: RT, ano 11, v. 42,
janeiro-março, 2003, p. 252.
[xi] ROMITA, Arion
Sayão. Direitos Fundamentais nas relações de trabalho. São Paulo:
LTr, 2005, p. 39.
[xii] AMARAL, Júlio
Ricardo de Paula. Eficácia dos direitos fundamentais nas relações
trabalhistas. São Paulo: LTr, 2007, p. 80
[xiii] Op. Cit,
p. 83.
[xiv] NASCIMENTO,
Amauri Mascaro. Iniciação ao direito do trabalho .
31.ed. São Paulo: LTr, 2005, p. 130.
[xv] DELGADO,
Maurício Godinho. Princípios Constitucionais do trabalho Revista de Direito do Trabalho .
São Paulo: RT, ano 31, n. 117, p. 167, janeiro-março, 2005
[xvi] Op. Cit, p. 93.
[xvii] Op. Cit, p. 95.
[xviii] Op. Cit, p. 95.
[xix] Op. Cit,
p. 98.
[xx] GOMES, Dinaura
Godinho Pimental. O processo de afirmação dos Direitos Fundamentais: evolução
histórica, interação expansionista e perspectivas de efetivação. Revista
de Direito Constitucional. São Paulo: RT, ano 11, n. 24, p. 110,
outubro-dezembro de 2003.
[xxi] GOMES, Dinaura
Doginho Pimental. Direitos Fundamentais Sociais: uma visão crítica da realidade
brasileira. Revista de Direito Constitucional e Internacional. São
Paulo: RT, ano 13, v. 53, p. 40, outubro-dezembro, 2005.
[xxii] SANTOS, Enoque
Ribeiro dos. Direitos Humanos e meio ambiente do Trabalho – titulo executivo
constitucional – tutela jurisdicional. Revista Justiça do Trabalho. Porto
Alegre: HS, ano 22, n. 2258, p. 29, junho de 2005.
[xxiii] Op. Cit,
p. 93.
[xxiv] MONTORO, André
Franco. Cultura dos direitos humanos. I: Direitos Humanos: Legislação e
Jurisprudência. São Paulo: Centro de Estudos da Procuradoria Geral do Estado.
v.1, n. 12, p. 28, 1999 apud DE ALVARENGA, Rúbia Zanotelli.
Direitos Humanos e Dignidade da Pessoa Humana no Direito do Trabalho Brasileiro. Revista
Síntese Trabalhista. Ano XVII, n. 197, Editora Síntese, novembro 2005, p.
39.
Nenhum comentário:
Postar um comentário