Por Lucas
Pampana Basoli, em 18 de setembro de 2012
A
Ação Civil Pública e o Controle Incidental de Constitucionalidade: breves
apontamentos.
Por:
Carla Battistetti Medeiros Basoli – Procuradora Jurídica do Município de Marília, Especialista em Direito Constitucional pela UnP. Pós-Graduanda, “lato sensu”, em Direito Processual Civil pelo Univem.
Guillermo Rojas de Cerqueira Cesar – Procurador Jurídico de Autarquia em Marília (DAEM). Ex-Analista do Ministério Público do Estado de São Paulo. Especialista em Direito Previdenciário. Pós-Graduando, “lato sensu”, em Direito Processual Civil pelo Univem.
Lucas Pampana Basoli – Defensor Público no Estado de São Paulo, Ex-Advogado Autárquico Municipal em Brotas/SP. Especialista em Direito Constitucional pela UnP. Pós-Graduando, “lato sensu”, em Direito Processual Civil pelo Univem.
1
– INTRODUÇÃO:
O
presente artigo busca analisar, sem ter a pretensão de esgotar o tema, a
viabilidade jurídica de se promover, por intermédio da Ação Civil Pública, o
Controle Incidental de Constitucionalidade dos atos do poder público.
Tal
indagação surge principalmente em virtude do alcance “erga omnes” da sentença
proferida em ação civil pública, cumprindo, neste momento, estabelecer as
seguintes questões: o efeito “erga omnes” estabelecido no artigo 16 da Lei da
Ação Civil Pública se aplica no controle de constitucionalidade incidental eventualmente
almejado em sede de Ação Civil Pública? Em caso afirmativo, estaria o juiz
singular usurpando a competência constitucionalmente relegada apenas ao Supremo
Tribunal Federal?
Passemos,
então, à abordagem do tema:
2
– DESENVOLVIMENTO:
Na
lição de Dirley da Cunha Júnior:
“A
Ação Civil Pública é um dos mais significativos meios de efetivação das normas
constitucionais na defesa coletiva dos direitos fundamentais”. (Curso de
Direito Constitucional, 4ª Edição, Editora Jus Podivm, 2010. p. 840)
Tal
ação coletiva tem origem na Lei n° 7347, de 24 de julho de 1985, que fixou a
disciplina da responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao
consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico,
turístico e paisagístico, bem como a qualquer outro interesse difuso ou
coletivo, ou por infração à ordem econômica.
Com
o advento da Constituição Federal de 1988, consagrou-se a ação civil pública
como uma das funções institucionais do Ministério Público, sendo certo que sua
legitimidade não impede a de terceiros, consoante propugna a própria Lei da
Ação Civil Pública ao legitimar, também, entidades estatais (União, Estado e
Municípios), suas autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de
economia mista, associações (desde que preenchidos os pressupostos legais) e a
Defensoria Pública.
De
outra banda, importa consignar que após o advento da Lei da Ação Civil Pública
sucederam-se outras normas versando sobre tutela coletiva de direitos, como a
Lei n° 7853/89, que dispõe sobre os interesses difusos e coletivos das pessoas
portadoras de deficiência; a Lei n° 7913/89, que cuida da responsabilidade por
danos causados aos investidores no mercado de valores imobiliários; e a Lei n°
8069/90, que regulou a proteção judicial dos interesses difusos, coletivos e
individuais assegurados às crianças e aos adolescentes.
Contudo,
“foi com o advento da Lei n° 8078/90 que a ação civil pública ganhou contornos
mais precisos e teve seu objeto ampliado para abranger, muito além dos
interesses difusos e coletivos, a categoria dos direitos individuais
homogêneos”. (Dirley da Cunha Júnior, p. 841).
Feita
esta breve introdução, visando a obtenção de dados que nos auxiliem na busca de
respostas às questões acima formuladas, o que nos apartará do conceito
processual de partes, cumpre tecer algumas ponderações sobre os elementos
identificadores da ação, em especial acerca da causa de pedir e do pedido.
A
causa de pedir compreende os fatos e fundamentos jurídicos em que se lastreia a
ação (causa de pedir próxima – fundamentos jurídicos do pedido, e remota –
fundamentos fáticos), que devem ser expostos na exordial. Os fundamentos
jurídicos embasam o direito que se afirma ter e os fatos consistem nos
acontecimentos que demonstram a transgressão a esse direito.
O
pedido, por sua vez, é o bem da vida pretendido pelo autor, ou seja, é o objeto
da ação, e deve ser delineado na petição inicial, e, em regra, de forma certa,
determinada e coerente, uma vez que é ele que vai definir os limites da
demanda. A doutrina divide ainda esse elemento em mediato, consistente no
resultado prático que se espera do processo, e imediato, o pedido de decisão.
Nesse
passo, admite-se que tanto numa ação civil pública quanto numa ação direta de
inconstitucionalidade, a causa de pedir remota (fundamentação fática) seja a
mesma. Contudo, essas ações não se confundem, pois enquanto na última visa-se
suprimir a eficácia da lei de todo o território nacional, na primeira busca-se
tutelar interesses transindividuais de um grupo, classe ou categoria de pessoas.
Sobre
o tema, merece nota a lição de Hugo Nigro Mazzilli:
“Sabemos
que, nas ações civis públicas ou coletivas, a inconstitucionalidade de uma lei
poderá ser a causa de pedir remota. Nelas a sentença de procedência será
imutável para todos os integrantes do grupo, classe ou categoria de pessoas. Em
tese isso poderia gerar o risco de que a sentença proferida por um juiz
singular pudesse suprimir toda e qualquer eficácia “erga omnes” de uma lei”. (A
Defesa dos Interesses Difusos em Juízo, 23ª Edição, Editora Saraiva, 2010. p.
143.)
Assim,
tendo em vista que tal efeito seria, em tese, inadmissível – pois se trata de
resultado que só pode ser obtido, no atual ordenamento jurídico, por intermédio
de uma ação direta de inconstitucionalidade – é que parte da doutrina se coloca
contra tal possibilidade.
Nesse
sentido, não é outra a posição de Gilmar Ferreira Mendes:
“Tem-se
de admitir a completa inidoneidade da ação civil pública como instrumento de
controle de constitucionalidade, seja porque ela acabaria por instaurar um
controle direto e abstrato no plano da jurisdição de primeiro grau, seja porque
a decisão haveria de ter, necessariamente, eficácia transcendente das partes
formais” (Direitos fundamentais e Controle de Constitucionalidade: estudos de
Direito Constitucional. 2ª Edição. São Paulo: Celso Bastos Editor. 1999. p.
399)
Contudo,
inobstante o relevo de tal posição, percebe-se, atualmente, uma evolução
doutrinária e jurisprudencial que passa a admitir, em certos casos, a ação
civil pública – ou ações coletivas – como instrumento adequado de controle de
constitucionalidade, desde que a questão constitucional refira-se à questão
prejudicial, em eventual ação destinada a atacar atos de efeitos concretos.
Exemplifica-se
com o auxílio, sempre lúcido, de Hugo Nigro Mazzilli:
“Suponhamos
que, ferindo a Constituição, lei local crie cargos comissionados. Por falta de
generalidade e abstração da lei, descaberá controle concentrado de
constitucionalidade; entretanto, nada impede seja ajuizada ação popular ou ação
civil pública para atacar os efeitos concretos desse ato normativo, e, no bojo
dessas ações, eventual ofensa à Constituição poderá ser apreciada como simples
questão prejudicial, indispensável à resolução do litígio principal” (Obra
citada. p. 146/147)
Luis
Roberto Barroso, aderindo à possibilidade de se promover o controle incidental
de constitucionalidade por intermédio da ação civil pública, independentemente
da natureza do direito tutelado ser difuso, coletivo ou individual homogêneo,
já se manifestou:
“(…)
em ação civil pública ou ação coletiva é perfeitamente possível exercer o
controle incidental de constitucionalidade, certo que em tal hipótese a
validade ou invalidade da norma figura como causa de pedir e não como pedido. É
indiferente, para tal fim, a natureza do direito tutelado – se individual
homogêneo, difuso, coletivo -, bastando que o juízo de constitucionalidade
constitua antecedente lógico e necessário da decisão de mérito”. (O Direito Constitucional
e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades da Constituição
Brasileira. 4ª Edição. Editora Renovar. 2000. p. 241/242.)
Conclui-se,
assim, que o objeto da ação civil pública – ou da ação coletiva – não é a
declaração de inconstitucionalidade, mas sim a resolução de um conflito
concreto de interesses, de modo que se o pedido formulado em tais ações não
versar sobre a retirada da eficácia de normas de caráter genérico e abstrato,
seu manejo revelar-se-á plenamente viável.
Não
é outra a lição de Dirley da Cunha Júnior:
“(…)
a controvérsia da constitucionalidade dos atos ou omissões do poder público a
ser solucionada na ação civil pública, uma vez suscitada como mero incidente ou
questão prejudicial, não faz coisa julgada, a teor do artigo 469, III do Código
de Processo Civil. Ora, Se o desate da questão constitucional não faz coisa
julgada, não há falar, em conseqüência, de coisa julgada “erga omnes” da
declaração incidental da inconstitucionalidade de um ato ou de uma omissão do
poder público, pois esse fenômeno – coisa julgada “erga omnes” – se limita tão
somente à parte dispositiva da sentença. Destarte, não procede o argumento
habitualmente invocado de que a ação civil pública como instrumento de controle
de constitucionalidade, é empregada como um substituto da ação direta de
inconstitucionalidade em face dos efeitos “erga omnes” da sentença nela
proferida. A declaração incidental de inconstitucionalidade pronunciada na ação
civil pública não difere, em nada, daquela exprimida no mandado de segurança
coletivo ou em outra ação de natureza coletiva ou individual. Ela é argüida
simplesmente como um antecedente lógico e necessário à solução de uma
controvérsia e para propiciar a decisão a respeito do pedido formulado.(Obra
citada. p. 845/846)
Portanto,
em se tratando de questão resolvida “incidenter tantum”, ela não é atingida
pelos efeitos da coisa julgada. O magistrado a conhece e resolve como
antecedente necessário de seu julgamento, mas não a decidirá. Trata-se de
questão cuja solução comporá a fundamentação da decisão. Sobre tal decisão,
contudo, não recairá a imutabilidade da coisa julgada.
Nestes
termos, o controle difuso é “incidenter tantum”, pois a inconstitucionalidade é
questão incidente e prejudicial, não principal, que por isso será resolvida na
fundamentação da decisão judicial, possuindo somente eficácia “inter partes”,
enquanto apenas o dispositivo da sentença é que fará coisa julgada com eficácia
“erga omnes”.
Sobre
o tema, com a propriedade que lhe é peculiar, leciona Fredie Didier Júnior:
“a
inconstitucionalidade da lei federal, cuja aplicação “in concreto” se discute
judicialmente, é questão prejudicial que pode ser examinada por qualquer órgão
julgador do Poder Judiciário. Como questão prejudicial, o magistrado
resolve-la-á “incidenter tantum”. O controle difuso de constitucionalidade das
leis caracteriza-se exatamente por essa peculiaridade: qualquer magistrado, em
qualquer processo, pode identificar a inconstitucionalidade e examiná-la como
fundamento de sua decisão. No entanto, a constitucionalidade da lei pode ser
objeto de um processo; pode ser a questão principal, compondo o “thema
decidendum”. É o que ocorre nos processos objetivos de controle concentrado da
constitucionalidade das leis (ADIN e ADC). Quando figurar como questão
principal, a constitucionalidade da lei somente pode ser examinada pelo STF,
que tem competência exclusiva para “decidir” sobre a questão. Note-se: enquanto
alguns juízes podem “conhecer” dessa questão (“incidenter tantum”: simples
fundamento), somente o STF pode “decidir” sobre ela (“principaliter tantum”;
“thema decidendum”: objeto de julgamento). É por isso que não cabe ação
declaratória incidental para decidir a “prejudicial de inconstitucionalidade”:
o magistrado não teria competência para tanto.” (Curso de Direito Processual
Civil, 1ºv, 10ª Edição, Salvador, ed. JusPodivm, 2008, pág. 287).
Ademais,
merece atenção o fato de o Supremo Tribunal Federal ter admitido, sem
restrições quanto ao direito tutelado, a viabilidade do manejo de ação civil pública
enquanto via adequada de fiscalização incidental de constitucionalidade, pela
via difusa, de quaisquer leis ou atos do poder público, inclusive quando
contestados em face da Constituição Federal, desde que se trate de questão
prejudicial, sem que se configure usurpação da competência da Corte
Constitucional.
Veja-se:
“AÇÃO
CIVIL PÚBLICA. CONTROLE INCIDENTAL DE CONSTITUCIONALIDADE. QUESTÃO PREJUDICIAL.
POSSIBILIDADE. INOCORRÊNCIA DE USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL.
O Supremo Tribunal Federal tem reconhecido a legitimidade da utilização da ação civil pública como instrumento idôneo de fiscalização incidental de constitucionalidade, pela via difusa, de quaisquer leis ou atos do Poder Público, mesmo quando contestados em face da Constituição da República, desde que, nesse processo coletivo, a controvérsia constitucional, longe de identificar-se como objeto único da demanda, qualifique-se como simples questão prejudicial, indispensável à resolução do litígio principal. Precedentes. Doutrina.” (Rcl. 1733/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
O Supremo Tribunal Federal tem reconhecido a legitimidade da utilização da ação civil pública como instrumento idôneo de fiscalização incidental de constitucionalidade, pela via difusa, de quaisquer leis ou atos do Poder Público, mesmo quando contestados em face da Constituição da República, desde que, nesse processo coletivo, a controvérsia constitucional, longe de identificar-se como objeto único da demanda, qualifique-se como simples questão prejudicial, indispensável à resolução do litígio principal. Precedentes. Doutrina.” (Rcl. 1733/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
Dessa
mesma forma, em se tratando de análise necessária, lógica e indispensável à
resolução do conflito, não há que se falar em usurpação de atividade exclusiva
do Supremo Tribunal Federal. Confira-se:
“AÇÃO
CIVIL PÚBLICA. CONTROLE INCIDENTAL DE CONSTITUCIONALIDADE. QUESTÃO PREJUDICIAL.
POSSIBILIDADE. INOCORRÊNCIA DE USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL. RECLAMAÇÃO IMPROCEDENTE.
O Supremo Tribunal Federal tem reconhecido a legitimidade da utilização da ação civil pública como instrumento idôneo de fiscalização incidental de constitucionalidade, pela via difusa, de quaisquer leis ou atos do Poder Público, mesmo quando contestados em face da Constituição da República, desde que, nesse processo coletivo, a controvérsia constitucional, longe de identificar-se como objeto único da demanda, qualifique-se como simples questão prejudicial, indispensável à resolução do litígio principal. Precedentes. Doutrina.”
(Rcl. 1.898/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
O Supremo Tribunal Federal tem reconhecido a legitimidade da utilização da ação civil pública como instrumento idôneo de fiscalização incidental de constitucionalidade, pela via difusa, de quaisquer leis ou atos do Poder Público, mesmo quando contestados em face da Constituição da República, desde que, nesse processo coletivo, a controvérsia constitucional, longe de identificar-se como objeto único da demanda, qualifique-se como simples questão prejudicial, indispensável à resolução do litígio principal. Precedentes. Doutrina.”
(Rcl. 1.898/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
3
– CONCLUSÃO:
Por
todo o exposto, podemos sustentar o cabimento do controle concreto de
constitucionalidade por meio das ações coletivas, sobretudo através da Ação
Civil Pública, desde que esta não seja substitutiva de Ação Direta de
Inconstitucionalidade e que declaração seja incidental, não constituindo o
objeto principal da ação.
Ademais,
a declaração incidental de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo em
sede de Ação Civil Pública não estaria acobertada pela coisa julgada, pois se
trata de questão prejudicial ao mérito, e será resolvida na fundamentação da
decisão judicial, tendo apenas eficácia “inter partes”, enquanto apenas o
dispositivo da sentença, ao tutelar os interesses transindividuais de um grupo,
classe ou categoria de pessoas, é que fará coisa julgada, tendo eficácia “erga
omnes”.
Por
fim, não há que se falar em usurpação de competência do Supremo Tribunal
Federal, sendo certo que a declaração incidental de inconstitucionalidade
pronunciada em ação civil pública não difere, em nada, daquela manifestada em
mandado de segurança coletivo ou em outra ação de natureza coletiva ou
individual, já que é argüida simplesmente como um antecedente lógico e
necessário à solução de uma controvérsia e para propiciar a decisão acerca do
pedido formulado.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS:
1.
BARROSO, Luis Roberto. O Direito Constitucional e a efetividade de suas normas:
limites e possibilidades da Constituição Brasileira. – 4ª ed., amp. atual., –
Rio de Janeiro: Renovar, 2000.
2.
CUNHA JUNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. – 4ª edição –
Salvador: Jus Podivm, 2010.
3.
DIDIER JÚNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. – 1ºv, 10ª edição –
Salvador: JusPodivm, 2008.
4.
MAZZILLI, Hugo Nigro Mazzilli. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. – 23ª
ed. ver., ampl. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2010.
5.
MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e Controle de
Constitucionalidade: estudos de Direito Constitucional. – 2ª edição – São
Paulo: Celso Bastos Editor. 1999.
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