A Constituição Federal de
1988, através da Comissão de Redação, manteve em seu texto a expressão independentes
e harmônicos entre si, para a caracterização dos Poderes da República, já
presentes em Constituições anteriores. Entende-se por esse conceito como o
desdobramento constitucional do sistema das funções dos poderes, sendo que sempre
haverá um mínimo e um máximo de independência de cada órgão de poder, e haverá,
também, um número mínimo e um máximo de instrumentos que facultem o exercício
harmônico desses poderes, de forma que s não existisse limites, um poderia se
sobrepor ao outro, inviabilizando a desejada harmonia.
A independência entre os poderes é manifestada pelo fato de cada Poder extrair
suas competências da Carta Constitucional, depreendendo-se, assim, que a
investidura e a permanência das pessoas num dos órgãos do governo não
necessitam da confiança nem da anuência dos outros poderes. No exercício das
próprias atribuições, os titulares não precisam consultar os outros, nem
necessitam de sua autorização e que, na organização das atividades respectivas,
cada um é livre, desde que sejam verificadas as disposições constitucionais e
infraconstitucionais.
Já em 1891, a primeira Constituição Republicana previu, no seu art. 15, que os
poderes fossem três, “harmônicos e independentes entre si”, em conformidade com
os princípios de Montesquieu. As demais Constituições que se seguiram também
mantiveram como fundamento a separação dos poderes com harmonia e
independência.
No Estado brasileiro, a independência e harmonia podem ser observadas na
Constituição Federal de 1988, sendo que cabe ao Presidente da República prover
e extinguir cargos públicos da Administração Federal, exonerar ou demitir seus
ocupantes, enquanto é da competência do Congresso Nacional ou dos Tribunais
prover os cargos dos respectivos serviços administrativos, exonerar ou demitir
seus ocupantes; cabe às Casas Legislativas do Congresso e aos Tribunais a
elaboração dos seus respectivos regimentos internos, que indicam as regras de
seu funcionamento, sua organização, direção e polícia; ao Presidente da
República, a organização da Administração Pública, estabelecer seus regimentos
e regulamentos. O Poder Judiciário atualmente possui mais independência,
cabendo-lhe a competência para nomeação de juízes e outras providências
referentes à sua estrutura e funcionamento.
Ao lado da independência e harmonia dos poderes, deve ser assinalado que nem a
divisão de funções entre os órgãos do poder, nem sua independência são
absolutas; há interações que objetivam o estabelecimento do mecanismo de freios
e contrapesos, que busca o equilíbrio necessário para a realização do bem
coletivo, permitindo evitar o arbítrio dos governantes, entre eles mesmos e os
governados. No pensamento do publicista Pinto Ferreira, este mecanismo merece
destaque especial por corresponder ao “suporte das liberdades.” [2]
Ao Poder Legislativo cabe, como função típica, a edição de normas gerais
e impessoais, estabelecendo-se um processo para sua elaboração, a qual o Executivo
tem participação importante: pela iniciativa das leis ou pela sanção, ou ainda,
pelo veto. Por outro lado, a iniciativa legislativa do Executivo é
contrabalançada pela prerrogativa do Congresso em poder apresentar alterações
ao projeto por meio de emendas e até rejeitá-lo. Por sua vez, o Presidente da
República tem o poder de veto, que pode ser aplicado a projetos de iniciativa
dos deputados e senadores, como em relação às emendas aprovadas a projetos de
sua iniciativa. Em contrapartida, o Congresso Nacional, pelo voto da maioria
absoluta de seus membros, tem o direito de rejeitar o veto, restando para o
Presidente do Senado promulgar a lei nos casos em que o Presidente da República
não o fizer no prazo previsto.
Não podendo o Presidente da República interferir na atividade legislativa, para
obter aprovação rápida de seus projetos, faculta-lhe a Constituição determinar
prazo para sua apreciação, conforme prevêem os termos dos parágrafos do art. 64
(CF). Se os Tribunais não podem interferir no Poder Legislativo, são, de
outro modo, autorizados a declarar a inconstitucionalidade das leis. O
Presidente da República não pode interferir na atividade jurisdicional, em
compensação os ministros dos tribunais superiores são por ele nomeados,
dependente do controle do Senado Federal que deve aprovar a indicação.
São, portanto, algumas manifestações do mecanismo de freios e contrapesos,
característica da harmonia entre os poderes no Estado brasileiro. Isto vem a
demonstrar que os trabalhos do Legislativo e do Executivo, em
especial, mas também do Judiciário, poderão se desenvolver a contento,
se eles se subordinarem ao princípio da harmonia, “que não significa nem o
domínio de um pelo outro, nem a usurpação de atribuições, mas a verificação de
que, entre eles, há de haver consciente colaboração e controle recíproco (que,
aliás, integra o mecanismo), para evitar distorções e desmandos.” É o
pensamento de José Afonso da Silva. A desarmonia, porém, se dá sempre que se
acrescem atribuições, faculdades e prerrogativas de um em detrimento de outro.
Em conformidade com o
princípio da separação dos poderes, no seu texto, — Conflito entre Poderes
— Anna Cândida Ferraz defende a necessidade de um mínimo funcional e um mínimo
de especialização de funções. “Se se quer manter a divisão tricotômica da
teoria de Montesquieu, deve-se utilizá-la validamente, ao menos para o fim
último por ela visado, de limitação do poder e garantia das liberdades.”
Idéia para ressaltar
A independência e harmonia dos
poderes, no que tange a divisão de funções entre os órgãos do poder e as suas
respectivas independências, não são regras absolutas, portanto há exceções
(como os parágrafos acima descrevem). No Estado brasileiro, o mecanismo de
freios e contrapesos, derivado do princípio da harmonia, é uma característica
da harmonia entre os poderes, que como já mencionado, busca o equilíbrio
necessário para a realização do bem coletivo, permitindo evitar o arbítrio dos
governantes, entre eles mesmos e os governados. Além destas afirmações,
diversos doutrinadores conceituados, que estão citados no texto, complementam
essa idéia.
Indelegabilidade de Funções
As
delegações legislativas foram objeto da doutrina constitucional durante o
século passado e o início deste, que admitia o "princípio da
proibição", isto é, a tarefa legislativa não poderia ser transferida a
nenhuma outra pessoa que não às do Poder Legislativo. Evidentemente, a
rigidez dessa doutrina não persistiu até nossos dias; haja vista que muitos
sistemas constitucionais, nos quais se enquadram o brasileiro, admitem a
delegação legislativa com limites bem definidos. Temos, a propósito, na
Constituição Federal de 1988, a previsão das chamadas medidas provisórias
e leis delegadas.
Da própria Constituição e do modelo de Montesquieu, extrai-se que as
características fundamentais do poder político são a unidade, indivisibilidade
e indelegabilidade, não obstante, alguns constitucionalistas admitem a
impropriedade de admitir os conceitos de divisão e delegação de poderes.
A maior dificuldade apresentada pelo tema da "indelegabilidade de
funções" é o de delimitar o campo de atuação de cada poder, assim como os pontos
de contato e de comunicação entre as três funções atinentes a cada poder. A
regra constitucional prevê a indelegabilidade de atribuições, mas o sistema de
freios e contrapesos, utilizado na nossa Constituição, faculta ao Governo as
situações em que esse princípio pode ser delineado, ora de forma direta, ora
indireta.
Ao lado da indelegabilidade de atribuições, a Constituição também veda a
investidura em funções de Poderes distintos; quem for investido na função de um
dos poderes, não poderá exercer a de outro, conforme preceitua o art. 56 da
Constituição que autoriza, sem perda de mandato, deputados e senadores a
investidura no cargo de Ministro de Estado, Governador de Território,
Secretário de Estado, do Distrito Federal, de Território, de Prefeitura de
Capital ou chefe de missão diplomática temporária. Sendo expressa essa
autorização, conclui-se que o exercício de funções em poderes distintos não é
permitido pela Carta. Essa proibição tem por objetivo resguardar a garantia do
desempenho livre das atividades de governo, assim impedindo que um senador
possa integrar um Tribunal como o Supremo Tribunal Federal, órgão detentor da
competência para julgar os próprios senadores. É indiscutível que essa prática
seria de grande prejuízo para a própria estabilidade do sistema político e
jurídico do Estado.
De acordo José Afonso da Silva “As exceções mais marcantes, contudo, se acham
na possibilidade de adoção pelo Presidente da República de medidas provisórias
(...) e na autorização de delegação de atribuições legislativas ao Presidente
da República.”
Vários juristas brasileiros, já neste século, migraram de suas posições na
defesa da rigidez do princípio da proibição da delegação legislativa para uma
aceitação com definição clara de limites. Alinha-se a esse pensamento o próprio
Rui Barbosa que sempre fora contrário à delegabilidade legislativa. Favorável
também a esta limitação esteve o então deputado Barbosa Lima Sobrinho, durante
a Assembléia Constituinte (1945/1946) na emenda ao projeto de Constituição, no
sentido de detalhar com clareza a delegabilidade legislativa. Segundo Pinto
Ferreira , era a preocupação, quase unânime, que a delegabilidade se constituía
em perigo potencial para as instituições democráticas latino-americanas
mescladas com traços de caudilhismo.
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