Esse novo conceito muda também a
relação do indivíduo com o mundo. Mães e pais sentem-se cada vez mais
pressionados pela pós-modernidade e refletem esse anseio para a vida em grupo,
no seio familiar. É cada vez mais comum filhos acumularem atividades
extraescolares (cursos de inglês, futebol, balé, escoteiro) enquanto os pais
acumulam horas de trabalho. A falta de contato, de diálogo, de interação é
preocupante. O jantar com a família é constantemente adiado e a falta de tempo
(ícone dos tempos modernos) deixa a mesa cada vez mais vazia.
É nesse contexto que se observa, de
forma nítida, o fenômeno que denomino "terceirização da família".
Trata-se de um deslocamento do conceito econômico contempo-râneo
"terceirização de serviços e de produção", adotado por empresas que
buscavam racionalizar custos e aumentar sua eficiência. Para poder se dedicar
às atividades momentaneamente mais impor-tantes, essas empresas delegam para
outras determinadas operações de sua produção ou do serviço que prestam.
De maneira similar, a família atual,
para se manter no compasso das exigências sociais e econômicas de nossa sociedade,
parece terceirizar algumas de suas funções, dentre elas a da educação dos
filhos...
Seja como for, observa-se hoje que a
revisão do modelo tradicional de família tem provocado mudanças nas funções
familiares, das quais, uma das principais parece ser representada pelo fato da
interdição e limites não serem mais consideradas funções ligadas ao sexo
paterno.
Novo núcleo multidimensional
Viver na era atual não nos permite o distanciamento suficiente para sequer esboçar respostas para as questões que permeiam a família moderna, tão carregadas de significado e de aflições, entre os psicanalistas.
A família de nosso tempo pode ser vista
de forma multidimensional, como mundo de relações, como grupo de indivíduos e
mesmo, sob o vértice da Psicanálise de família, como paciente.
"Na nova construção simbólica da
família, a noção de sexo vem perdendo espaço para os domínios do gênero".
Assim, podemos pensar o casal e seus
dependentes como um grupo de indivíduos interligados por um mundo de relações
simbólicas que, no tempo e no espaço, constroem uma história sobre si própria,
seus próprios mitos no qual eu, você, as crianças, são ideias com valores e
forças diferentes, na linha do tempo e nos diferentes arranjos familiares:
carregam a força do sangue no arranjo heterossexual e tão somente a força do
afeto nos casais homoparentais.
Podemos pensá-la também com a ajuda de
Eiguer que a vê como um grupo de indivíduos entrelaçados por vínculos, no qual
as relações de objetos e as transferências são ordenadas por organizadores
familiares, de forma que as diferenças da estrutura individual se apagam diante
da importância atribuída à teia de relações, continuamente estabelecidas e
reconstituídas pelo grupo familiar.
Nessa nova construção simbólica da
família, a noção de sexo vem perdendo espaço para os domínios do gênero,
criando as condições psicossociais para a aceitação e o reconhecimento oficial
da família homoparental e das diversas outras configurações familiares
discutidas na atualidade. Isso traz para o primeiro plano da Psicanálise de
família a questão dos organizadores familiares trazida por Eiguer, na medida em
que eles parecem constituir uma heurística capaz de nos ajudar a pensar as
bases psíquicas com que as novas famílias estão se constituindo.
Apesar disso tudo, o conceito de
família, - seja ela estruturada pelo casal heterossexual ou homossexual,
matriarcal, tradicional ou constituída por meio-irmãos -, permanece firme no
ideal do ser humano. A família traz os limites do espaço mediado por relações
afetivas, capazes de propiciar a seus membros o espaço mental necessário para o
desenvolvimento do pensamento, capacidade para delimitar fronteiras adequadas,
entre a falta e o excesso, de forma que exista a possibilidade de manter trocas
afetivas que contenham funções de ouvir, discernir e acompanhar, sem ceder à
ânsia de eliminar conflitos.
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